sábado, 22 de agosto de 2009

MISSÃO DO EDUCADOR: contagiar leitores



MISSÃO DO EDUCADOR: contagiar leitores
(Neide Medeiros Santos – crítica literária da FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com

Contagiar leitores é um gesto de amor.
(Vera Lúcia Dias de Oliveira. Projeto Contagiar – UFCG).

A revista Panorama Editorial é uma publicação da Câmara Brasileira do Livro e “Brasil que lê” (agência de notícias). O número 47, março/abril de 2009, foi todo dedicado à leitura para crianças, jovens e pessoas da terceira idade. Dentre os vários projetos apresentados, houve um que nos chamou a atenção - o Projeto Contagiar. Com o título “Boa Idéia”, o foco do artigo é a educadora Vera Lúcia Dias de Oliveira que desenvolve atividades de estímulo à leitura em uma creche da Universidade Federal de Campina Grande (PB).
Vera Lúcia considera que um professor contagiado pelo universo literário contagia seus alunos para o resto da vida e apresenta algumas dicas para encantar o leitor mirim e encaminhá-lo para a leitura.
Aqui vão algumas dicas:
- Colocar o pequeno leitor dentro das histórias que estão sendo lidas;
- conversar com os personagens dos contos de fadas através de um telefone simulado, encenações teatrais e de outros artifícios disponíveis na escola;
- utilizar música, poesia, cordéis, jogos, pinturas e arte popular em sala de aula.
E vai um lembrete: o rico universo nordestino se presta muito bem para a recitação de cordéis, apresentação de quadros de pintura naïfs, cerâmicas de artistas populares, músicas de autores nordestinos.
Existe, ainda, o “Kit Contagiar” que consiste em uma caixa decorada contendo livros, gibis, cordéis, CDs, DVDs. A caixa é entregue aos cuidados de um aluno que se encarrega de emprestar aos amigos e vizinhos. A cada quinze dias, a equipe comparece ao local onde o kit foi deixado e faz uma sabatina das leituras contidas nos livros da caixa. A conversa gira em torno dos escritores, poetas, ilustradores. O kit é renovado como novos livros. Três meses depois é organizada uma roda de leitura com sarau poético e contação de histórias.
O projeto se iniciou na creche da UFCG e se desdobrou com a ida ao bairro da Liberdade, em Campina Grande. Faz parte do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), reconhecido pelo governo federal como Ponto de Leitura.
O objetivo de disseminar a leitura abrange não só as crianças. Os jovens e os adultos também se envolvem. A criança, responsável pelo “Kit Contagiar”, conduz toda a família – pai, mãe, irmãos para o mundo da leitura. Até os vizinhos e os amigos participam do universo literário.
Vera Lúcia “garante que o desenvolvimento pedagógico e os meios utilizados para uma aprendizagem significativa são pontos de partida para formar crianças competentes, leitoras, contadoras de histórias, escritoras, poetisas, artistas, pintores, escultores”.
Que bom seria se projetos como os da professora Vera Lúcia fossem multiplicados por toda a Paraíba!.
A lição da educadora foi passada, fiquemos, agora, com Manuel Bandeira que, embora seja conhecido nacionalmente como poeta, foi professor e educador. Bandeira reconhecia que era difícil transformar um não leitor em leitor, ainda mais depois de adulto, e deixou esta receita:
Se não quisermos que os adultos e os velhos sejam não leitores, temos de incentivar os jovens a lerem desde cedo, para que eles continuem este hábito ao longo da vida, até a terceira idade, a quarta, a quinta.
( Jornal Contraponto. 24 a 30 de agosto de 2009. Caderno B2).

sábado, 15 de agosto de 2009

José Mindlin e o baú de memórias da infância

















José Mindlin e o baú de memórias da infância
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com

O grande teste do livro infantil é interessar aos adultos.
(José Mindlin. Transcrito do texto de Daniel Piza. “O menino travesso que amava livros”. O Estado de São Paulo. Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008, Caderno 2).

José Mindlin sempre gostou muito de ler. Colecionar livros antigos foi a grande paixão de sua vida. Sobre essa saudável mania, o bibliófilo escreveu Uma Vida entre Livros, mas sentiu que estava faltando um texto que falasse sobre a sua infância. Reinações de José Mindlin por ele mesmo (Ed. Ática, 2008) veio suprir a lacuna.
Para entender o porquê da decisão de Mindlin de escrever um livro para crianças recorremos, mais uma vez, ao artigo de Daniel Piza, publicado no jornal O Estado de São Paulo:
O bibliófilo decidiu escrever um livro infantil depois que viu sua neta Ana, de 9 anos, lendo alguns autores brasileiros recentes. [...] E ao contrário do que se poderia esperar, não fez um texto sobre suas lembranças de leitor, uma versão para crianças de suas memórias Uma Vida entre Livros. Escreveu sobre as travessuras – as “reinações” - que cometeu ou testemunhou quando criança.
A capa do livro apresenta o retrato de um menino de olhar maroto e riso contido. O menino está vestido de marinheiro (tipo de roupa muito utilizado pelas crianças nas primeiras décadas do século XX). Devia ter cerca de oito anos de idade.
A artista plástica Luise Weiss, responsável pelas ilustrações, desenhou flores multicoloridas para complementar a paisagem do retrato que está na capa. A técnica da sobreposição (retratos, pinturas, desenhos) está presente em quase todas as páginas. A responsabilidade do projeto gráfico e da diagramação ficou a cargo da filha caçula do escritor, Diana Mindlin.
Só para despertar o desejo de saber um pouco mais sobre as travessuras do menino Mindlin segue o relato de algumas malandragens. Não vamos contar tudo, deixamos o resto para os leitores que, certamente, irão procurar o livro de Mindlin nas livrarias.
Vejam que a sagacidade do bibliófilo vem de longe.
Certa vez, na aula de Geografia, o professor pediu, em uma prova, que os alunos fizessem uma lista com o nome de dez cidades do Egito. Mindlin só sabia duas, não teve dúvidas – inventou nome para mais oito. Resultado: tirou dez na prova e ficou orgulhoso da malandragem. Em casa, contou a façanha ao pai, este lhe disse que devia pedir desculpas ao professor e contar que havia inventado aqueles nomes inexistentes. Ordem de pai não podia ser descumprida e, envergonhado, pediu desculpas ao professor. O melhor da história – o professor manteve o dez.
De outra vez, Mindlin estava de férias em Guarujá com os primos, e o pai havia sido operado em São Paulo. O menino escreveu uma carta para a família com estes dizeres: “espero que todos estejam bem, menos papai.” A família estranhou a maneira de se referir ao pai e o pequeno deu a seguinte explicação: papai não podia estar bem, ele tinha sido operado na véspera.
Esse Mindlin! A carinha malandra que está na capa do livro e se repete em outras páginas e já diz tudo – só pode ser parente do menino maluquinho.
Vale a pena transcrever o recado de José Mindlin que se encontra nas últimas páginas:
[...] gostaria de contar uma coisa que fiz em 1927, e que eu acharia ótimo que vocês também fizessem, mesmo que seja mais tarde: comecei a ir aos sebos de São Paulo para comprar livros! Foi assim que comecei a formar a biblioteca aqui de casa. Acho possível, vendo meus bisnetos de 5 anos, que vocês já tenham começado a formar a biblioteca de vocês – seria ótimo! Mas se ainda não começaram, pensem em fazer isso, porque ler e juntar livros é uma das coisas mais gostosas da vida! Dá vontade, como me deu, de também escrever livros, como este que escrevi para vocês. (2008: p.43)
E aqui vai o nosso recado: Conselho de quem entende de livros não merece ser desprezado.
O título deste artigo foi inspirado em texto crítico de Antonio Candido que se encontra no verso da capa de Reinações de José Mindlin por ele mesmo.

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com




sábado, 8 de agosto de 2009

Amor no tempo de madureza- ricardo azevedo







Livros & Leituras
Amor no tempo de madureza
(Neide Medeiros Santos – crítica literária FNLIJ/PB)
e-mail: neidemed@gmail.com

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
(Carlos Drummond de Andrade. “Campo de Flores”).

Ricardo Azevedo é escritor, ilustrador e pesquisador de literatura popular. É bacharel em Comunicação Visual pela Faculdade de Artes da Fundação Álvares Penteado (FAAP) e doutor em Teoria Literária pela USP. Já escreveu mais de cem livros. Ganhou várias vezes o prêmio Jabuti e o APCA. Seus livros foram publicados em Portugal, México, França, Holanda e Alemanha. Em 2008, pela Editora Moderna, publicou Cultura da Terra, Papagaio come milho, periquito leva a fama! Vou-me embora desta terra, é mentira eu não vou não! Todos esses livros ligados à cultura popular.
Há um livro de Ricardo de Azevedo que fez muito sucesso entre a criançada nos anos 80 - Araújo ama Ophelia. Este livro reapareceu em 2006, revisto e ampliado, agora destinado a um público mais experiente. Veio com nova roupagem, até o título é outro – Chega de saudade (Ed. Moderna).
Na primeira versão, o motivo condutor da história era a derrubada de uma árvore em uma praça de São Paulo para dar lugar a um grande edifício. Dois velhinhos, Araújo e Ophélia, antigos colegas de escola e ex-namorados, protestam contra a atitude da construtora e tomam uma decisão – sobem na árvore e impedem que os empregados da construtora a derrubem. A história é curtinha e termina sem sabermos o destino dos personagens que se reencontram na maturidade da vida.
Ricardo Azevedo sentiu que a história precisava ter continuidade e resolveu reescrevê-la, acrescentando pormenores, misturando vozes, intercalando cartas. O livro se tornou mais volumoso e cheio de detalhes.
Na nova versão, ficamos sabendo que Ophélia era professora, viúva, aposentada. Seu único filho, André, morava com a mulher e três filhos na casa da professora. Araújo era solteiro, músico, aposentado e morava sozinho.
Ophélia tinha quase oitenta anos quando reencontrou Araújo e passava por uma crise pessoal, sentia-se velha, doente e inútil. Longe da cátedra, via o mundo desmoronar-se. Araújo havia tocado flauta e saxofone na Orquestra do Estado de São Paulo. Depois que deixou a orquestra, “reunia-se toda quarta-feira e sexta com os amigos músicos e varava a noite tocando e bebendo cerveja”. (p.39). Estava satisfeito e, ao contrário de Ophélia, achava a vida de aposentado uma delícia. Era quase da idade de Ophélia, ia completar 78 anos.
A partir desse reencontro, Ophélia mudou seu sistema de vida, arrumava-se para visitar o amigo, não se queixava mais de doenças, encontrava-se regularmente com o ex-namorado. Aceitando o convite de Araújo, resolveu partir para uma grande viagem e realizar um desejo acalentado há muitos anos – conhecer o Brasil. Essa decisão foi considerada insensata pelo filho, mas recebeu o apoio da nora e dos netos.
Durante um ano de viagens muita coisa aconteceu – conheceram a Floresta Amazônica, assistiram a um Quarup, subiram o rio São Francisco,visitaram o Pantanal, viram o carnaval e o maracatu de Olinda e o São João da Paraíba. Em uma das cartas endereçada ao filho, à nora e aos netos, Ophélia comunica que se casou com Araújo. Casaram-se na Igreja de Nossa Senhora das Graças, em uma pequena cidade de Goiás – Monte Alegre.
A história do amor de madureza traz uma surpresa no capítulo 18. Se o leitor for músico, poderá tocar o chorinho “Monte Alegre”, uma composição de Araújo para Maria Ophélia Fagundes. A partitura musical se encontra nas páginas 111 e 112.
Ricardo Azevedo afirmou, certa vez, que “ler é como viajar para outro universo sem sair de casa”. Ele tem razão. A leitura permite viagens imaginárias, descortina horizontes e ajuda a “compreender melhor sua própria vida, as outras pessoas e as coisas do mundo”.
Chega de saudade é uma viagem por ruas e praças de São Paulo, por paisagens brasileiras inesquecíveis. Aliado a tudo isso, possibilita o desvelamento do íntimo de seus personagens por meio da voz do narrador, leitura das cartas de Ophélia para o filho, a nora e os netos.
( Jornal Contraponto, Coluna Livros &Leituras, 10 de agosto de 2009, B2)

domingo, 2 de agosto de 2009

Vozes Roubadas: Vozes Veladas


Livros e Leituras
Vozes Roubadas: Vozes Veladas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Vozes veladas. Veludosas vozes
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices, velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
(Violões que choram. Cruz e Souza).

Melanie Challenger, poeta e prosadora inglesa, e Zlata Filipovic´, com bacharelado em ciências humanas e mestrado em saúde pública, natural da Bósnia, resgataram e transformaram em livro – Vozes roubadas: diários de guerra (Cia. Das Letras, 2008), diários de crianças e jovens escritos entre os períodos que vão da Primeira Guerra Mundial (1914/1918) até os últimos conflitos mundiais – Guerra dos Bálcãs (1991-1995), Guerra do Iraque (2003...).
Melanie Challenger recebeu, em 2005, da Sociedade de Autores, o Prêmio Eric Gregory de poesia. É a criadora da Fundação Mostar e trabalha em organizações como a Casa Anne Frank, UNICEF e em projetos que se utilizam da música e da literatura para promover a consciência moral entre os jovens.
Zlata Filipovic’ tornou-se mundialmente conhecida com o Diário de Zlata, um relato de uma adolescente na devastada cidade de Saravejo (1992/1993). Já trabalhou na casa Anne Frank, ONU e UNICEF e atuou três vezes como jurada do Prêmio de Literatura para Crianças e Jovens em nome da tolerância da UNESCO.
A história de Vozes roubadas: diários de guerra começou com o convite de Melanie Challenger a Zlata Filipovic’ para organizarem um livro que reunisse uma série de relatos de guerra, testemunhos de crianças e jovens sobre os horrores e as atrocidades de um tempo sem horizontes. Estabelecido o pacto, as duas organizadoras selecionaram os diários. São textos pungentes, corajosos e oferecem um “mosaico” dos conflitos que abalaram o século XX (duas guerras mundiais) e o início do século XXI.
Antecedendo cada relato, o leitor encontra um texto esclarecedor sobre o momento político da época e os fatos que motivaram a guerra. Cada diário vem com um posfácio que indica o destino de cada um dos redatores, alguns sobreviveram, outros não resistiram e morreram. Nas últimas páginas, um glossário contém explicações sobre vocábulos utilizados pelos autores dos diários e outras explicações necessárias para melhor entendimento dos textos.
Na leitura que fizemos dos diários, o de Stanley Hayumi nos chamou a atenção pela poeticidade da linguagem e a esperança no futuro promissor. Hayumi nasceu em 1925, na região da Califórnia e, por ser descendente de japoneses, foi levado de sua casa para o campo de detenção de Heart Montain, em 1942. No dia 14 de maio de 1943, há esse registro no diário de Hayumi:
Hoje completa um ano que cheguei ao campo. Pelo resto da minha vida lembrarei o dia em fui detido. Lembrarei de ter ficado na esquina de Garvey com Atlantic junto a mil outros – então vieram os ônibus e nos levaram ao campo. Lembrarei do nó que me subiu à garganta enquanto o ônibus descia a rua, e de quando algumas das pessoas na calçada e os mexicanos nos prados acenaram para nós. (p.185)
(...)
Lembrarei da viagem de trem, das noites sem dormir, dos desertos, das montanhas, da linda paisagem. (p.185)
A fé no governo americano faz o jovem, de apenas dezessete anos, escrever:
[...] não terei ressentimentos quanto ao governo por causa da detenção – embora ainda ache que isso não esteja certo. (p.185)
Alguns desenhos de Hayumi que aparecem no livro demonstram que o jovem tinha talento para a Arte, isso pode ser comprovado com essas observações:
E também me decidi quanto a uma coisa – vou investir no campo das artes e da literatura. E serei o maior artista do mundo [...].
No dia 24 de março, ele registra um poema revelador do que se passava em seu íntimo, parece que estamos diante de um poema de Frei Tito na prisão. Segue-se um fragmento do poema:
Violões havaianos tocando
Uqueleles ressoando
Quentes noites de verão
Grilos
O ranger de porta de tela
[...]
O ultimo texto escrito por Hayumi está datado de 20 de agosto de 1944 e nele o jovem revela uma grande alegria por ter sido convocado para o serviço militar. Iria para a guerra lutar ao lado das tropas aliadas na Itália. E o resto? O posfácio explica tudo:
Stanley deixou Heart Montain em junho de 1944 para se juntar ao exército dos Estados Unidos. Jamais perdeu a fé na América e permaneceu desafiadoramente patriótico até o fim. Ele escreveu a última anotação em seu diário enquanto aguardava sua primeira missão no alojamento americano. Foi morto durante combate no norte da Itália, em 23 de abril de 1945, enquanto tentava ajudar um companheiro. Ele tinha dezenove anos de idade. (p. 190).
O livro de Melanie Challenger e Zlata Filipovic’ deixa no leitor o sentimento de inutilidade das guerras e o lamento pelas vozes roubadas (veladas), silenciadas antes do tempo.
( Jornal Contraponto. Coluna Livros &Leituras, 2 de agosto de 2009, B2)