sábado, 27 de junho de 2009

MIA COUTO E HENRIQUETA LISBOA - PRÊMIOS FNLIJ/2009




MIA COUTO E HENRIQUETA LISBOA - PRÊMIOS FNLIJ/2009

(Neide Medeiros Santos – FNLIJ/PB)

Os escritores Mia Couto e Henriqueta Lisboa conquistaram os prêmios “O Melhor de Literatura em Língua Portuguesa – Prêmio FNLIJ Henriqueta Lisboa” e “O Melhor Livro de Poesia – Prêmio FNLIJ Odylo Costa, filho” em 2009. Seguem-se as duas resenhas que fizemos para os livros premiados.
Mia Couto, escritor moçambicano, é autor de livros para o público adulto e já recebeu vários prêmios, entre eles o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra. Agora, brinda os “pequenos” com este interessante livro – O gato e o escuro (Companhia das Letrinhas, 2008), ilustrações de Marilda Castanha.
Na apresentação, o escritor afirma que o livro para crianças surgiu “à força de contar histórias para meus filhos” e que inventa histórias para que a “Terra inteira adormeça e sonhe”. Nesse ponto, seu pensamento coincide com os versos de Drummond, no poema “Canção Amiga”:” Eu preparo uma canção/ que faça acordar os homens/ e adormecer as crianças”.
Mas vamos ao encontro do livro e da história do gato. Qual é o menino que não tem medo do escuro? Quase todos têm, o medo vem do desconhecido, do que não pode ser visto, assim Pintalgato, um gato-menino se identifica com todos os meninos do mundo, ele também tem medo do escuro e, no decorrer dessa breve história, toda mesclada de poesia, como bem frisa a ilustradora Marilda Castanha, o narrador vai procurando desmistificar o medo através da voz da mãe do gatinho e do encontro do Pintalgato com o próprio escuro. Frases bem curtas, ritmadas, alguns neologismos, certos regionalismos, dão um tom de criatividade ao texto de Mia Couto. Algumas vezes temos a impressão de que estamos diante de um texto de Guimarães Rosa para crianças.
Marilda Castanha se integrou na história e criou ilustrações em tons escuros, sombrios, quando o ambiente era de medo. Passado esse momento, as cores alegres voltam e reina o império dos tons amarelo e lilás.

Em 1943, Henriqueta Lisboa publicou O menino poeta, título do livro e do poema de abertura. Os anos se passaram, mas a beleza dos poemas continua encantando leitores de todas as idades. A reedição de 2008 O menino poeta: obra completa ( Peirópolis, 2008), ilustrações de Nelson Cruz, está primorosa e reúne vozes muito expressivas que formam um matizado perfeito. De um lado, temos os poemas de Henriqueta Lisboa, do outro, o prefácio de Bartolomeu Campos de Queirós, o poeta/escritor que sabe colorir as palavras com carinho e afeto, e o posfácio de Gabriela Mistral, a voz dos Andes chilenos que voou com asas de condor e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1945, motivo de orgulho para os latinos da América. Henriqueta Lisboa está muito bem acompanhada.
Cecília Meireles, no poema “Reivenção” diz que “A vida só é possível reinventada”. Parodiando Cecília, Bartolomeu começa seu texto com esta afirmativa: “A infância é possível de ser reinventada, sempre”.
Cada poema do livro foi elaborado com muito esmero, com simplicidade, mas com profundidade. Quem não se recorda dos poemas “Segredo”, “Coraçãozinho”? Tão ingênuos, tocantes, tão puros. E o poema “Consciência”? Apesar dos sete anos, a criança dá seu grito de independência – “ fazer pecado é feio... mas se eu quiser eu faço”. O poema “Os rios”, uma composição com versos dissilábicos, diminutos, mas que encerram saberes e “profundos segredos”.
As ilustrações de Nelson Cruz são bem variadas, algumas apresentam apenas detalhes, como nos poemas “Nauta” (p.68) e “Esperança” (p. 69), outras levam o leitor ao devaneio. Examinemos a ilustração do poema “Cavalinho de pau” (p.16-17). O sonho de voar pelos ares se concretiza nesta ilustração – no cavalo de pau ou no alazão, o menino corta o céu e voa sobre a cidade.
Gabriela Mistral, no seu percuciente ensaio, afirma que o português se presta, “muito mais do que as línguas famosas, à poesia infantil”, pois nosso idioma é mais leve, mas terno, comparando-o ao italiano. Recorro, mais uma vez, a Bartolomeu Campos de Queirós para externar meu embevecimento por esse belo livro – “ os mais jovens têm em mãos um livro que vai durar para sempre”.

(Neide Medeiros Santos – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/PB.
Publicado em Prêmio FNLIJ 2009/Produção 2008, Concursos FNLIJ 2009. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2009, p.17 e p.27)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa


A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa

NEIDE MEDEIROS SANTOS

Piedra de Toque refleja lo que soy, lo que no soy, lo que creo, temo y detesto, mis ilusiones y mis desánimos, tanto como mis libros, aunque de manera más explícita y racional.
(Mário Vargas Llosa. Piedra de Toque) ·.

A Linguagem da Paixão (El Lenguaje de la Pasión. Punto de Lectura, 2003), de Mário Vargas Llosa, reúne artigos publicados pelo escritor peruano, em sua coluna “Piedra de Toque”, no diário El País de Madrid, entre os anos 1992 e 2000.
Os pequenos artigos de Vargas Llosa oferecem uma visão e uma análise da conturbada sociedade do fim do século, com abordagens de temas variados: problemas culturais, notas de viagens, literatura, pintura, música e acontecimentos da atualidade. São 46 textos escritos em diferentes partes do mundo e publicados, quinzenalmente, através do jornal El País.
Em 1998, Llosa ganhou o Prêmio José Ortega y Gasset, na Espanha, pelo texto – Nuevas Inquisiciones, incluído nessa coletânea. O periodista relata o escândalo em que foi envolvido o ministro inglês Ron Davies e condena a imprensa sensacionalista que se aproveita de certos casos para se intrometer na vida privada de pessoas importantes: políticos, artistas, intelectuais. Llosa trata o assunto de forma imparcial, longe do sensacionalismo de certos órgãos da imprensa.
Mas, no conjunto da coletânea, um texto nos chamou a atenção – La Señorita Somerset. O articulista conta uma história real que se assemelha a uma pura ficção e inicia com estas palavras:
A história é tão delicada e discreta como devia ser ela mesma e tão irreal como os romances que escreveu e devorou até o fim de seus dias.
Quem é a protagonista da história? Margaret Elizabeth Trask, uma inglesa nascida no inicio do século XX e que, a partir dos anos 30, escreveu e publicou histórias românticas utilizando o pseudônimo de Betty Trask. Ao morrer, Miss Trask deixou todos os seus bens, avaliados em 400.000 libras esterlinas, para a Sociedade de Autores da Grã-Bretanha. De acordo com seu testamento, esse dinheiro deveria ser atribuído como prêmio literário anual a um novelista menor de 35 anos que escrevesse uma “história romântica ou uma novela de caráter mais tradicional que experimental”.
Pouco a pouco, através da prosa fluente de Vargas Llosa, vamos conhecendo um pouco da vida dessa enigmática escritora. Margaret Elizabeth Trask passou a vida a ler e a escrever sobre o amor. Em seus 88 anos de existência, não teve nenhuma experiência amorosa. As testemunhas afirmam que morreu “solteira e virgem, de corpo e de coração”.
A família de Trask era de Frome, industriais que prosperaram com a fabricação de tecidos de seda e confecção de roupas. A senhorita Trask teve uma educação cuidadosa, puritana e estritamente caseira. Após a morte do pai, passou a se dedicar à mãe e a escrever romances, no ritmo de dois títulos por ano. A pessoa mais próxima de Miss Trask era a administradora da biblioteca de Frome. Era uma leitora insaciável e um empregado da biblioteca fazia uma viagem semanal à casa da escritora levando e recolhendo os livros que ela tomava emprestados à biblioteca.
Os vizinhos de Miss Trask acham inconcebível que tenha deixado todo o seu dinheiro para a Sociedade dos Autores da Grã-Bretanha e eles desconheciam o lado de escritora da estranha senhorita e questionam:
Por que Miss Trask não aproveitou essas 400.000 libras esterlinas para viver melhor? Por que premiar novelas românticas?
O articulista responde a essas perguntas com os seguintes argumentos: Miss Margaret teve uma vida maravilhosa, cheia de exaltação e aventuras. Sua generosidade, sacrifício e nobreza são comparáveis à vida dos santos. A existência de Margaret Elizabeth Trask foi intensa variada e mais dramática do que muitos dos seus contemporâneos.
Vargas Llosa também lança interrogações: Miss Trask foi mais feliz do que aqueles que preferem a realidade à ficção? Ele acredita que sim, e conclui que o fato de destinar toda sua fortuna aos escritores de novelas românticas é a melhor prova de que foi para o outro mundo convencida de que fez bem em substituir a verdade da vida pelas mentiras da ficção.
Dentre os inúmeros artigos dessa coletânea, este foi o que mais nos atraiu. É uma história verdadeira? Conta uma meia-verdade? Não importa. Valeu pela beleza e ternura do relato.
( Publicado no jornal O Norte) .

sábado, 13 de junho de 2009

Machado de Assis: jovens e crianças





Machado de Assis para jovens e crianças


NEIDE MEDEIROS SANTOS

Para que o prazer da leitura firme raízes e continue a ser cultivado pela vida afora, é de boa política não o atrelar, de saída, à esfera dos deveres escolares.
(José Paulo Paes. Por uma literatura de entretenimento ou o mordomo não é o único culpado).

O ano de 2008 registra o centenário da morte de Machado de Assis e foi considerado o Ano Nacional Machado de Assis. Para marcar essa data, surgiram, no mercado editorial brasileiro, vários livros para crianças e jovens que, de forma lúdica e criativa, centram-se nos personagens machadianos e na própria figura do Bruxo do Cosme Velho.
Moacyr Scliar, bibliófilo machadiano, escreveu dois livros para jovens que se caracterizam pelo lúdico e inventividade. O primeiro, Ciumento de Carteirinha (Editora Ática, 2006), finalista do prêmio Jabuti 2007, é centrado na história de Dom Casmurro.
O enredo gira em torno de quatro estudantes – duas moças e dois rapazes que se empenham na reconstrução da escola onde estudavam, destruída por um acidente. O cenário escolhido é a cidade de Itaguaí, a mesma cidade que serviu de cenário para o conto O Alienista. Os personagens Vitório, Fernanda, Júlia e Francesco (Queco) resolvem participar de um concurso literário na cidade vizinha – Santo Inácio. O tema do concurso é julgar e debater a traição de Capitu. Os vencedores ganhariam um bom dinheiro, quantia suficiente para reconstruir a escola. Com esse objetivo, o “quarteto” se articula para ganhar o prêmio, mas o ciúme entre Queco e Júlia segue os passos de Bentinho/ Capitu.
De maneira criativa e com grande destreza narrativa, Scliar recria Dom Casmurro, modernizando o enigma da traição de Capitu.
O menino e o bruxo, também de Moacyr Scliar e publicado pela Ática (2007), trata do encontro entre o menino Joaquim Maria, de 15 anos, e o escritor Machado de Assis, conhecido no bairro onde morava como o Bruxo do Cosme Velho. O encontro entre o menino Joaquim Maria, que vendia os doces feitos pela madrasta, e o escritor Machado de Assis acontece numa noite de Natal. Joaquim Maria é Machado de Assis quando jovem. Nesse romance juvenil, Scliar estabelece um jogo muito bem urdido entre passado, presente e futuro. Ele partiu do princípio de que o escritor Machado estava presente no garoto que mal freqüentou o colégio, que era pobre e vendia doces para ajudar no sustento da casa.
Tomando como base a biografia do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Scliar apresenta uma história instigante e justifica a inventividade de alguns fatos com a seguinte explicação: Podemos completar as lacunas na biografia de Machado com nossa imaginação. O autor de O Menino e o Bruxo afirma, ainda, que para escrever esse livro leu várias biografias e releu muitos livros do escritor carioca.
Mas não foram apenas os jovens que tiveram o privilégio de reviver as histórias criadas por Machado de Assis, as crianças não foram esquecidas e o leitor indaga intrigado: Machado de Assis para crianças?! Ele que é tão sério em tudo que escreve, embora goste da ironia! Mas a ironia é para os iniciados, aqueles que sabem ler nas entrelinhas. Será possível, Machado de Assis para crianças? Sim, e de modo muito interessante.
Sílvia Eleutério e Márcia Kaskus escreveram O Baú de Seu Machado (Editora Zeus, 2007), fruto de um trabalho que vêm desenvolvendo na Academia Brasileira de Letras com o título Ciclo de Leitura – Dramaturgia de Sempre. A finalidade desse projeto é apresentar autores consagrados para o público que freqüenta a ABL. Em 2003, as duas se reuniram e dramatizaram o texto infantil O Baú de Seu Machado que agora é transformado em livro pela Editora Zeus/ Lucerna.
Para fazer as ilustrações do livro foi convidado Victor Tavares que pesquisou muito sobre o Rio antigo, o Rio da época de Machado de Assis e com seu talento de ilustrador e desenhista criou cenários, casarios, ruas estreitas, lampiões, tudo à moda antiga.
Os personagens/habitantes do livro são aqueles criados por Machado de Assis. Figuram, entre outros, Quincas Borba (o cão), a cartomante Dona Bárbara Barbarrosa, Helena, o imperador D. Pedro II, Deolindo Venta-Grande e o próprio Machado de Assis. Todos são apresentados de maneira jocosa, exagerados no linguajar, nos trajes, na maneira de proceder.
A peça foi apresentada nos jardins da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, que tem servido de palco para essas apresentações, e alcançou tanto sucesso e interesse por parte do público que ficou um semestre inteiro em cartaz.
A Academia Paraibana de Letras dispõe também de um belo jardim que algumas vezes tem sido utilizado para lançamentos de livros, atividades culturais. Fica a sugestão para o presidente Juarez Farias – convidar um bom grupo teatral da Paraíba para representar uma peça para o público no jardim da APL com atores que tenham vivência no palco. O teatrólogo Tarcisio Pereira entende bem do riscado. Um dos contos do bruxo do Cosme Velho ou mesmo essa peça de Sílvia Eleutério e Márcia Kaskus poderia ser encenada como parte das homenagens da APL ao criador de Capitu. Repito: é apenas uma sugestão.
( Texto publicado no Jornal O Norte).

sábado, 6 de junho de 2009

Paulo Nunes Batista: o pescador de lembranças

Paulo Nunes Batista: o pescador de lembranças

(...)
o que sei do tempo
é que hoje tem mais ontem.
(Lúcio Lins. Passeios pelo tempo 3).

Samburá da Parahyba, livro do poeta paraibano Paulo Nunes Batista atualmente radicado em Anápolis (GO), reúne cinquenta e nove poemas e representa cinquenta e seis anos dedicados à poesia e à literatura. Sonetos e poemas mais longos passeiam pelas páginas do livro, entremeados com alguns textos em prosa.
Paulo Nunes Batista nasceu em João Pessoa, na Rua da República, e ali viveu parte de sua infância. Seu pai, Francisco das Chagas Batista, era poeta cordelista e proprietário da Livraria Popular Editora. Além de editar e publicar inúmeros folhetos de sua autoria e de poetas amigos, a livraria vendia livros usados aos estudantes pobres. Foi, portanto, nesse ambiente de livros e de poesia que o menino Paulo passou a admirar a figura do pai/poeta e a amar a literatura de cordel.
Paulo Nunes Batista é exímio na composição de ABCês. No livro Samburá da Parahyba, o poeta não selecionou nenhum ABC do seu rico repertório, sua veia poética se voltou para os poemas e sonetos que falam de um passado vivido e sonhado nas terras paraibanas. As águas mornas das praias de Tambaú, Cabo Branco, Praia da Penha e Ponta de Seixas são decantadas em versos com a mestria de um seresteiro nordestino.
O samburá é um cesto utilizado pelos pescadores para pescar peixes, mas o poeta paraibano se utiliza do samburá para pescar palavras e vai tecendo, pacientemente, um traçado de galhos (palavras) como se fosse um pescador de lembranças. A leitura de alguns poemas e citamos, entre outros, “Praia da Penha”, “Soneto em Cabo Branco”, “Tarde em João Pessoa” e Minha Terra” remete o leitor para um passado” guardado na algibeira”.
Cora Coralina, poetisa das terras de Goiás, disse em um de seus poemas:
Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.
(Cora Coralina. Meu Epitáfio).

Paulo Nunes Batista, com a “melodia de seu cântico e a música de seus versos”, certamente terá o mesmo destino apregoado pela musa goiana.

Cabo Branco, 20 de janeiro de 2009.
( Texto de Apresentação do livro Samburá da Parahyba. João Pessoa: Ed. Ideia, 2009)

sábado, 23 de maio de 2009

Sociedade da Informação: a construção da inteligência coletiva : além do simplesmente literário

Sociedade da Informação: a construção da inteligência coletiva : além do simplesmente
literário *

Um país melhor é um país de leitores
(Ziraldo)

NEIDE MEDEIROS SANTOS

Com o objetivo de aproximar o escritor do leitor (e aqui tomamos o vocábulo escritor em sentido bem amplo – missivista, cordelista, jornalista), vamos trilhar alguns caminhos da informação, partindo, inicialmente, de uma prática muito utilizada pelos mais antigos: cartas.
CARTAS – Quando revestidas de teor literário, as cartas recebem a denominação de literatura epistolar. Na literatura brasileira, encontramos modelos exemplares de cartas trocadas entre os escritores. Monteiro Lobato e Godofredo Rangel se corresponderam por mais de 40 anos, posteriormente essas cartas foram reunidas e publicadas com o título “A Barca de Gleyre”. Através dessas cartas, ficamos conhecendo muitas idéias de Lobato, seu interesse pela literatura infantil, seu exacerbado amor à pátria, a luta em prol do petróleo brasileiro. São cartas que trazem a marca do tom confessional.
Mário de Andrade foi outro missivista compulsivo. As cartas de Mário para Bandeira, de Mário para Drummond, também publicadas em livros, já deram origens a inúmeras pesquisas, dissertações de mestrado, mas é possível encontrar cartas familiares que revelam o gosto literário do missivista, embora o autor ou autora não seja escritor(a). O exemplo que vamos apresentar é uma carta familiar e a missivista denota ser uma pessoa de sensibilidade literária. A leitura dessa carta permite reconstituir um pouco o ambiente literário da época. Segue excerto da carta:
Campina Grande, 25 de setembro de 1991.

Minha querida N.
abraço-a carinhosamente.

Fiquei encantada com a sua carta e o seu poema, e mais encantada, ainda, com a sua dedicatória.
Quanta coisa linda você me disse! Muito obrigada. Eu, sem falsa modéstia, sou tão insignificante... pois apenas sei DATILOGRAFIA e ORTOGRAFIA, mas felizmente foi com esses dois substantivos que consegui ser professora de DATILOGRAFIA e FUNCIONÁRIA PÚBLICA FEDERAL durante 35 anos... hoje, aposentada do Ministério da Fazenda como TÈCNICO DO TESOURO NACIONAL, octogenária, vivo tranquilamente e em paz com a minha família, com dinheiro, saúde, paz e amor. É isso aí...
Estava ansiosa para ler o último livro de Zélia Gattai – O SEGREDO DA RUA 18- é um livro infantil muito interessante que a gente lê em 30 minutos. Vale a pena transcrever o texto que está na capa:
“Nasci em São Paulo há muitos e muitos anos, tantos que nem é bom pensar. Meus pais eram italianos, vindos ao Brasil no começo do século, gente simples, de vida modesta. Menina sem brinquedos nem luxos, fui, no entanto, uma criança feliz. Naquela época não havia rádio nem televisão, e meu maior divertimento era ouvir histórias contadas por meus pais e minhas irmãs mais velhas. Sonhava com os personagens, me encarnava neles: fui Narizinho Arrebitado, outras vezes Chapeuzinho Vermelho, oh, maravilha: cheguei a ser a própria Cinderela. Ai, quem me dera ser a Branca de Neve, ter meu príncipe encantado”. (1)
(...)
A missivista prossegue citando mais um pouco da autobiografia de Zélia Gattai. O trecho que transcrevemos nos oferece uma visão parcial do mundo da autora da carta. Examinemos aspectos dignos de registro: a carta traz a data – 25 de setembro de 1991. Nesse período, a escritora Zélia Gattai estava no início de sua carreira literária e a prosa enxuta, sem artificialismos, mesclada de poeticidade, já encantava os leitores.
Quanto a Brígida, uma senhora de 80 anos, sentimos que era uma pessoa que gostava de livros e ficava ansiosa aguardando a publicação do último livro de Zélia Gattai. Como boa leitora, Brígida revela, nessa carta familiar e despretensiosa, um certo toque literário. Vejamos como pontua bem esse aspecto: com esses dois substantivos DATILOGRAFIA e ORTOGRAFIA consegui ser professora de DATILOGRAFIA e FUNCIONÁRIA PÚBLICA FEDERAL. Parece que estamos diante de uma página de Graciliano Ramos.
As cartas familiares são bem espontâneas e apresentam um retrato de uma época, os costumes de uma geração, as leituras preferidas. Está na hora de espanar o pó que envolve o baú das cartas familiares e trazer para o conhecimento do público essas relíquias que vão além do simplesmente literário.
CORDEL – Outro meio de informação muito utilizado nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX, no meio rural nordestino, era a literatura de cordel. João Cabral de Melo Neto escreveu um poema de caráter autobiográfico “Descoberta da literatura” que descreve muito bem o ambiente rural, principalmente a região dos engenhos de açúcar da zona da mata pernambucana.
Os estados de Pernambuco e da Paraíba já foram centros divulgadores da boa literatura de cordel. Aqui viveram muitos cordelistas, repentistas e havia tipografias que publicavam exclusivamente folhetos de feira, isto é, literatura de cordel. Esses folhetos atravessavam as fronteiras regionais e chegavam aos grandes centros. O folheto “Viagem a São Saruê”, do poeta paraibano Manoel Camilo dos Santos, alcançou grande popularidade, foi estudado e analisado por pesquisadores estrangeiros. Muitos outros folhetos continuam sendo estudados. A Universidade de Poitiers, na França, mantém, nos dias atuais, um setor de pesquisas, Centro de Pesquisas Raymond Cantel, todo dedicado à literatura de cordel.
A literatura de cordel também está presente na literatura infantil. No cotejo literatura de cordel/literatura infantil, não poderíamos deixar de citar Guriatã: um cordel para menino do poeta pernambucano Marcus Accioly. Na história/estória de Sucram e Leunam, Accioly transpõe o leitor de todas as idades para o mundo da fantasia, da poesia, dos mitos. Em 2006, saiu a 5ª. edição de Guriatã:um cordel para menino.
O poema de João Cabral de Melo Neto, os folhetos de cordel e a literatura infantil de Marcus Accioly são contributos para a construção da inteligência coletiva.
JORNAL- O jornal está presente em quase todas as bibliotecas e pode ser utilizado, com grande criatividade, por professores e bibliotecários. Escritores, muitas vezes, escrevem textos para os jornais que depois são publicados em livros. Marina Colasanti, escritora e jornalista, em depoimento a Pedro Benjamim Garcia e Tânia Dauster, declara seu amor ao jornal com estas palavras:
“Serei sempre mais leitora que escritora. Imagino que todos escritor lê mais do que escreve. Mesmo quando não estou lendo livros, todos os dias gasto uma hora e meia, pelo menos, para ler os jornais. Isso também é leitura” (2)
Manuel Bandeira escreveu “Poema tirado de uma noticia de jornal”, partindo de uma noticia veiculada em um jornal do Rio de Janeiro. Mais recentemente, Moacyr Scliar é outro escritor que utiliza, em seus contos, noticias publicadas nos jornais. Um dos seus últimos livros, Deu no jornal é fruto dessa atividade jornalística.
O jornal deve, portanto, ser aproveitado não só como veículo de informação, mas também como fonte literária.
Diante do que apresentamos, constatamos que a construção da inteligência coletiva na sociedade da informação passa por meios bem simples – cartas manuscritas, cordel, jornais até atingir a comunicação via internet, livros, catálogos, feiras de livros, bienais.
Para concluir, gostaríamos de citar palavras da escritora Ana Maria Machado, ganhadora do prêmio Hans Christian Andersen 2000. Quando indagada sobre a idéia de uma política nacional para a leitura, a escritora deu a seguinte resposta:
“Seria através de bibliotecas e o ideal é que elas fossem estaduais. A política do Pará seria diferente da de Santa Catarina, por exemplo. Não tem como escapar da centralização, mas poderia haver um percentual que desse vazão à produção local nos estados, que às vezes nem desperta tanto interesse fora”. (3)

NOTAS

1. A carta de Brígida Guimarães dos Santos foi endereçada a Neide Medeiros Santos, nessa época, residindo em Recife, com data de 25 de setembro de 1991.
2. O texto de Marina Colasanti foi extraído do livro Teia de Autores, com o título Ser mais leitora que escritora, organizado por Pedro Benjamim Garcia e Tânia Dauster.
Cf. GARCIA, Pedro Benjamim e Tânia Dauster. Teia de Autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2000,p. 100
3. A observação de Ana Maria Machado se encontra no texto Leitura Democratizada.
Cf. GARCIA, Op. Cit., p. 17

• Este texto foi apresentado no Seminário Leitura e Biblioteca com o título: Sociedade da Informação: a construção da inteligência coletiva. Biblioteca Pública de Afogados, Recife, 2005 e publicado no jornal O Balainho. Boletim de Literatura Infantil e Juvenil
• Ano IX, No. 33, Joaçaba, UNOESC, em novembro de 2007.


sexta-feira, 1 de maio de 2009

FERNANDO PESSOA e LUiZ RUFFATO





De mim já nem se lembra: “memórias de afetos estilhaçados”.


As cartas são sinais de separação – sinais, pelo menos, pela necessidade de as escrevermos, de que estamos afastados.
(Fernando Pessoa. Carta a Ophélia. 23/03/1920).

NEIDE MEDEIROS SANTOS

Luiz Ruffato publicou em 2006, pela Editora Objetiva, Fernando Pessoa – Quando fui outro, uma seleção de textos de Fernando pessoa e de seus heterônimos. Textos em prosa, poemas e cartas para Ophélia aparecem de forma não acadêmica, mas revelam um trabalho cuidadoso de um pesquisador que procura apresentar as diferentes facetas de um poeta múltiplo. É um livro para ser lido e amado.
Agora, chega às nossas mãos, também de Ruffato – De mim já nem se lembra (Editora Moderna, 2007), narrativa epistolar, com posfácio de Heloísa Prieto e fotos de Lenise Pinheiro.
O livro se inicia com uma nota que traz o título Explicação necessária e, à medida que prosseguimos na leitura, vamos reconstruindo, junto com o narrador, um passado que deixou marcas e que teima em se tornar presente. Nesse primeiro momento, o ambiente tranquilo de Cataguazes e o linguajar roseano são revividos.
Os “olhos derramados da mãe”, quando encontra o filho que vem visitá-la e “pendurados em cabides de arame, desolados vestidos abraçavam-se pânicos...” visão do narrador ao escancarar o guarda-roupa da mãe, são imagens que remetem à prosa poética de Guimarães Rosa.
A morte da mãe e uma pequena caixa encontrada no quarto da falecida, contendo cartas do irmão, vitimado por um acidente automobilístico, desencadeiam o segundo momento da narrativa. A leitura dessa correspondência é o motivo condutor da narrativa epistolar.
Gaston Bachelard, no livro Poética do Espaço, quando fala sobre as gavetas, cofres e armários, afirma que existem imagens da intimidade que encerram ou dissimulam segredos. As cinquenta cartas do irmão, endereçadas à mãe, cuidadosamente guardadas em uma pequena caixa, guardam afinidades com essas imagens da intimidade.
Cartas verdadeiras ou ficcionais? Isso não tem muita importância, o melhor dessa narrativa epistolar é mergulhar no cotidiano de José Célio, ou simplesmente Célio, o irmão missivista, e reviver os anos 70: os pequenos dramas familiares, a construção do metrô de São Paulo, os preparativos da seleção brasileira na copa do mundo de 1970, as frustrações amorosas, o desejo de possuir um carro. Se a personagem é fictícia, os fatos são verdadeiros.
De mim já nem se lembra é uma história em que o narrador/missivista conta para a mãe detalhes de sua vida através de cartas: seus sonhos, suas esperanças. Passo a passo, o leitor vai se integrando na vida do jovem José Célio como se fosse um parente próximo e muito querido.
A linguagem trabalhada de Ruffato e a maneira como conta a história de “afetos estilhaçados”, como bem denominou Heloísa Prieto, leva o leitor a refletir sobre a vida interior do ser humano.
As ilustrações, em preto e branco de Lenise Pinheiro, são fotos artísticas, algumas mais se assemelham a pinturas. Retratam interiores domésticos, cenas de rua da cidade de São Paulo e todas as páginas trazem o pequeno desenho de um chapeu à moda de Fernando Pessoa. Escolha proposital? Coincidência?!
Ruffato, quando organizou a antologia de Fernando Pessoa, afirmou: “Este é um livro para apaixonados”. De mim já nem se lembra é também um livro para apaixonados. Durante muito tempo os leitores se lembrarão deste livro.


As cartas são sinais de separação – sinais, pelo menos, pela necessidade de as escrevermos, de que estamos afastados.
(Fernando Pessoa. Carta a Ophélia. 23/03/1920).

Luiz Ruffato publicou em 2006, pela Editora Objetiva, Fernando Pessoa – Quando fui outro, uma seleção de textos de Fernando pessoa e de seus heterônimos. Textos em prosa, poemas e cartas para Ophélia aparecem de forma não acadêmica, mas revelam um trabalho cuidadoso de um pesquisador que procura apresentar as diferentes facetas de um poeta múltiplo. É um livro para ser lido e amado.
Agora, chega às nossas mãos, também de Ruffato – De mim já nem se lembra (Editora Moderna, 2007), narrativa epistolar, com posfácio de Heloísa Prieto e fotos de Lenise Pinheiro.
O livro se inicia com uma nota que traz o título Explicação necessária e, à medida que prosseguimos na leitura, vamos reconstruindo, junto com o narrador, um passado que deixou marcas e que teima em se tornar presente. Nesse primeiro momento, o ambiente tranquilo de Cataguazes e o linguajar roseano são revividos.
Os “olhos derramados da mãe”, quando encontra o filho que vem visitá-la e “pendurados em cabides de arame, desolados vestidos abraçavam-se pânicos...” visão do narrador ao escancarar o guarda-roupa da mãe, são imagens que remetem à prosa poética de Guimarães Rosa.
A morte da mãe e uma pequena caixa encontrada no quarto da falecida, contendo cartas do irmão, vitimado por um acidente automobilístico, desencadeiam o segundo momento da narrativa. A leitura dessa correspondência é o motivo condutor da narrativa epistolar.
Gaston Bachelard, no livro Poética do Espaço, quando fala sobre as gavetas, cofres e armários, afirma que existem imagens da intimidade que encerram ou dissimulam segredos. As cinquenta cartas do irmão, endereçadas à mãe, cuidadosamente guardadas em uma pequena caixa, guardam afinidades com essas imagens da intimidade.
Cartas verdadeiras ou ficcionais? Isso não tem muita importância, o melhor dessa narrativa epistolar é mergulhar no cotidiano de José Célio, ou simplesmente Célio, o irmão missivista, e reviver os anos 70: os pequenos dramas familiares, a construção do metrô de São Paulo, os preparativos da seleção brasileira na copa do mundo de 1970, as frustrações amorosas, o desejo de possuir um carro. Se a personagem é fictícia, os fatos são verdadeiros.
De mim já nem se lembra é uma história em que o narrador/missivista conta para a mãe detalhes de sua vida através de cartas: seus sonhos, suas esperanças. Passo a passo, o leitor vai se integrando na vida do jovem José Célio como se fosse um parente próximo e muito querido.
A linguagem trabalhada de Ruffato e a maneira como conta a história de “afetos estilhaçados”, como bem denominou Heloísa Prieto, leva o leitor a refletir sobre a vida interior do ser humano.
As ilustrações, em preto e branco de Lenise Pinheiro, são fotos artísticas, algumas mais se assemelham a pinturas. Retratam interiores domésticos, cenas de rua da cidade de São Paulo e todas as páginas trazem o pequeno desenho de um chapeu à moda de Fernando Pessoa. Escolha proposital? Coincidência?!
Ruffato, quando organizou a antologia de Fernando Pessoa, afirmou: “Este é um livro para apaixonados”. De mim já nem se lembra é também um livro para apaixonados. Durante muito tempo os leitores se lembrarão deste livro.

sábado, 25 de abril de 2009

A Ilha de Cipango na ótica de Samuel Casal





A Ilha de Cipango na ótica de Samuel Casal *

(...)
Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!
(Augusto dos Anjos. O Poeta do Hediondo).

Neide Medeiros Santos


Domínio público: literatura em quadrinhos (DCL, 2008) é um livro de múltiplas vozes e múltiplos pincéis. São vários autores (6), vários adaptadores e vários ilustradores. Os escritores selecionados para compor este livro, como o próprio nome indica, escreveram textos que já pertencem ao domínio público, são textos escritos no inicio do século XX.
Foram selecionados textos de Augusto dos Anjos (A Ilha de Cipango); Machado de Assis (A Cartomante); Medeiros de Albuquerque (O Soldado Jacob); Olavo Bilac (Sete Vidas); Alcântara Machado (Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria); Lima Barreto (O Homem que Sabia Javanês).
Cinco contos e um poema, todos apresentados em quadrinhos, todos não, o poema de Augusto dos Anjos não veio acompanhado das técnicas comuns utilizadas nas HQ, destoa um pouco dos outros. Há uma linguagem pictórica especial para o poema.
O ilustrador Rui de Oliveira, no ensaio “Breve histórico da ilustração no livro infantil e juvenil” (DCL, 2008), que se encontra no livro organizado por Ieda Oliveira - O que é a qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil reconhece a dificuldade de ilustrar poemas e afirma:
“A poesia é um dos gêneros literários mais difíceis de serem ilustrados. Em alguns casos pelo seu intimismo, pela sucessão de metáforas e alegorias encadeadas, sem dúvida um dos momentos máximos de qualquer idioma. Tudo isso dificulta qualquer tipo de concreção visual” (p. 22).
Se já é difícil ilustrar um poema, como afirma Rui de Oliveira, bem mais difícil, certamente, será fazer a adaptação para a linguagem dos quadrinhos, se esse poema é de Augusto dos Anjos a dificuldade se multiplica. Como colocar em quadrinhos “enganos, tristezas, desilusões”?
Voltamos ao pensamento de Rui de Oliveira – o intimismo lírico, a sucessão das imagens poéticas, dificulta concretizar a palavra em ilustração.
Diante desse impasse, vejamos como Samuel Casal, adaptador e ilustrador de “A Ilha de Cipango”, resolveu o problema. Percebe-se que há um jogo simétrico entre texto verbal/ilustração. Bocas escancaradas, coração traspassado, adagas em profusão e muitas cruzes dialogam com o texto com as palavras. O clima fantasmagórico predomina no verbal e nas ilustrações. As cores predominantes são o amarelo ocre, o vermelho e o negro. O branco só comparece em alguns detalhes. Parece que estamos diante do quadro “O Tamarindo”, do artista plástico Flávio Tavares, é tudo sombrio. O único momento festivo surge com o aparecimento da ilha encantada – Cipango, mas este momento é fugidio, dura apenas uma hora, logo surge o “vento da Desgraça” e cobre tudo com o “pano da mortalha”.
Nos comentários que faz sobre este poema, Samuel Casal afirma que é um “dos mais complexos e ricos de Augusto dos Anjos” e se equipara com o Poema Negro, “um dos maiores hinos à tristeza que se pôde escrever em qualquer língua.” (p.48).
A ilha de Cipango, na literatura de Marco Polo e Paulo Toscanelli, guarda semelhanças com o país de São Saruê, do poeta popular Manoel Camilo dos Santos, é uma ilha paradisíaca, um lugar de maravilhas no que se refere à temática, mas “A ilha de Cipango”, do poeta do EU, é o refúgio de amores mortos e, embora a lua cheia brilhe no céu, é uma ilha maldita que só traz tristezas ao eu - lírico.
Samuel Casal chama, ainda, a atenção do leitor para o impacto que a leitura desse poema proporciona e diz “que se deve não somente à linguagem incomum e ao vocabulário cheio de expressões científicas, mas à beleza que o poeta consegue extrair do mau gosto, como os líricos de primeira linha” e cita, entre outros poetas, “irmãos espirituais” de Augusto dos Anjos: Baudelaire, Edgar Alan Poe e Gottfried Benn.
Se compararmos as ilustrações dos contos com as ilustrações deste poema, iremos encontrar muitas diferenças. A linguagem em prosa está mais afeita aos quadrinhos, tudo flui de maneira mais fácil, a poesia requer outros olhares, o desvelar de véus, daí o tratamento especial dado por Samuel Casal ao poema “A ilha de Cipango”, de Augusto dos Anjos.
“Domínio Público – literatura em quadrinhos” foi publicado em julho de 2008 e Augusto dos Anjos figura onde bem merece – ao lado de monstros sagrados – Machado de Assis e Lima Barreto e quem diria... ao lado de Olavo Bilac.

* (Texto publicado no jornal O Norte, em 22 de novembro de 2008. Foram feitas pequenas modificações para apresentação no dia 20 de abril de 2009 – 125 anos de nascimento do Poeta do Eu e Dia do Escritor Paraibano).