quinta-feira, 18 de julho de 2013

Visita à baleia: um entrecruzar de prosa e poesia



Visita à baleia”: um entrecruzar de prosa e poesia
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB) 

            Nos romances como Moby Dick e O Velho e o Mar
            ou na história de Jonas
            o animal é algo nobre
            e  a vida
            - é um duelo  par-a-par.
            (Affonso Romano de Sant´Anna. A morte da baleia).

            O ensaio do jornalista Fernando Moura sobre o poema de Affonso Romano de Sant´Anna – “A morte da baleia”, publicado no “Correio das Artes” maio de 2013, Ano LXIV, No. 3 p. 4-16, nos levou ao encontro do livro infantil de Paulo Venturelli – “Visita à baleia” (Ed. Positivo, 2012), com ilustrações de Nelson Cruz. Os textos são bem distintos, mas o personagem é o mesmo – a baleia.
            Se no poema de Affonso Romano de Sant´Anna a denúncia aflora nos versos, na prosa poética de Paulo Venturelli é o encantamento que este animal desperta na mente das crianças.  Com “Visita à baleia”, Paulo Venturelli ganhou o Prêmio de Melhor Livro Infantil da FNLIJ em 2013 e a ilustração de Nelson Cruz foi Hors-Concours do Prêmio de Ilustração pela mesma Fundação.
            O espaço escolhido para a história é a cidade de Brusque, interior de Santa Catarina, não banhada pelo mar. Assim, quando o pai chegou com a notícia em casa de que havia uma baleia no centro da cidade, a mãe e os dois filhos ficaram com “os olhos arregalados até não mais poder” (2012: p.9). E veio o convite-ordem:
            “Vamos, vamos, Se aprontem que a gente vai até lá ver o bicho”. (p.9) 
            A mãe não acreditou em nenhum momento nessa história e dizia que era impossível aparecer uma baleia em uma cidade que não tinha mar, mas o pai e os meninos estavam curiosos para ver a baleia. Com roupa domingueira, partiram os três em direção ao centro. De bicicleta, seguiram para a grande festa. O pai no meio, o caçula na frente e o mais velho no bagageiro.  A mãe ficou em casa resmungando e duvidando da veracidade da história.
            O caminho da casa até o centro da cidade era acidentado, cheio de ladeiras e o menino mais velho, o narrador da história, fez muitas perguntas ao pai sobre a baleia, mas só encontrou respostas evasivas – a única coisa que ele sabia era que existia uma baleia no centro da cidade e que os colegas da fábrica estavam indo com a família para ver.
            Quando chegaram à praça, o menino viu a multidão e se arrependeu de ter vindo, poderia ter ficado em casa com a mãe, brincando com o Beto, era muito mais vantagem. Para piorar a situação, havia uma fila enooorme e que não caminhava, parecia que estava parada.  O desconforto da espera piorou quando o irmão menor começou a pedir “chovete” e ameaçava um choro para conseguir o que queria, mas o pai só pensava em ver a baleia e repetia: “Depois. Depois o pai compra.” (p.28).
            Enquanto esperava pelo momento ambicionado, o menino mais velho começou a relembrar fatos passados. Certa vez foi com o pai a um circo que apareceu na cidade. Pagaram ingresso para ver a “mulher barbuda”. Todos deviam passar bem depressa diante da mulher barbuda, o pai não gostou do engodo e gritou feio:
            “Cadê a lazarenta da barbuda? Aí no escuro, bem que pode ser homem. Bem que pode ser uma idiota com barba postiça” (p.32). Veio a pessoal do circo acalmar o homem que estava furioso. O menino sentiu-se envergonhado diante do escândalo do pai. Será que ele ia fazer o mesmo diante da baleia?
            A surpresa da história fica para o leitor do livro. Não quero desvendar o mistério que envolve a baleia. Seria uma baleia viva ou morta? Só lendo o livro para saber.
            No dia seguinte, quando foi à escola, a professora deu este tema para a composição: “Uma árvore frutífera”. O menino arriscou e perguntou à Dona Deolinda: “Posso fazer sobre a baleia?” (p.50). A professora não titubeou: “Deixa de ser bobo, menino. Escreva o que eu mandei”. (p. 50)
            O menino vai obedecer à ordem da professora? É outro segredo que está escondido no livro.   
             “Visita à baleia” é rico de imagens literárias, de devaneios, de entrecruzar de pensamentos, de linguagem coloquial bem descontraída.  Aliado a tudo isso, destacam-se as ilustrações de Nelson Cruz - sombrias, ternas, extravagantes, algumas minúsculas, outras grandiosas.  Contrastando com o preto de muitas páginas, aparece o azul celeste do céu e do carro “rabo de peixe” do doutor Nica.
            A respeito deste livro, o ilustrador Nelson Cruz assim se expressou: “Este livro Visita à baleia, do Paulo Venturelli, me concedeu o dom da invisibilidade. Explico. A maneira de narrar a história, como uma conversa ao pé do fogão, me envolveu desde o princípio. [...] Numa inversão, os personagens tornaram-se vivos e eu, invisível, acompanhei cena por cena até o desfecho e a lágrima final, que me trouxe de volta à realidade.” (Orelha do livro Visita á baleia).
            Tivemos a oportunidade de assistir, no 15º. Salão do Livro, Paulo Venturelli contar a história da baleia para crianças de escolas municipais e Nelson Cruz desenhá-la.  As crianças, muito atentas, pareciam não querer perder um só momento dessa aventurosa história.
           
 ( Publicado no jornal Contraponto, julho de 2013)
                       


           

Tatiana Belinky -Sherazade das mil e uma histórias



TATIANA BELINKY – “Sherazade das mil e uma histórias”
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária - FNLIJ/PB)


            Capitu que me desculpe, mas a Emília é a maior heroína literária brasileira.
            (Tatiana Belinky)

            Tatiana Belinky nasceu em São Petersburgo, na Rússia, em 1919.  Quando completou um ano, a família se mudou para Letônia e por lá viveu até os dez anos. Em 1929, a família veio para o Brasil e a viagem de navio até o Rio de Janeiro (foram 21 dias de viagem) pareceu para aquela menina de 10 anos uma aventura semelhante às histórias que seu pai contava de longas viagens de navios, de guerras.
            O pai era um ator na arte de contar histórias, ele fazia uma voz diferente para cada personagem e foi ouvindo histórias contadas pelo pai que despertou na filha o gosto pelos livros. O desembarque foi no Rio de Janeiro, mas com poucos dias a família se transferiu para São Paulo e lá se fixou.
            Há um fato interessante na vida da estudante Tatiana Belinky. No colégio que estudou logo que chegou a São Paulo, as colegas riam por conta do seu sotaque estrangeiro e pela troca de palavras. Como não dominava bem a língua portuguesa, trocava palavras. O que fez a menina? Passou a estudar muito português e virou a melhor aluna de português da classe. Bendita vingança!
            Quando jovem, trabalhou como tradutora bilíngue, datilógrafa, só alguns anos mais tarde despertou para a literatura infantil. Casou com o médico e ator Júlio Gouveia, juntos montaram peças de teatro e fizeram a adaptação do Sítio do Picapau Amarelo para a TV Tupi de São Paulo.
            No livro autobiográfico, “Acontecências”, Tatiana transcreve inúmeros poemas de Júlio para sua amada. Aqui estão algumas dessas incursões poéticas do noivo:
            “Ofereço-te a fachada
            De um cantor tolo e pateta:
            Fez uma bruta “cantada”
            Numa Canção Indiscreta.”
            ***
            “De cantar, só, no meu canto
            Já estou a desencantar;
            Pro canto ter mais encanto
            Contigo quero cantar.”
            Esses poemas, endereçados à futura esposa, vinham sempre acompanhados de uma fotografia do autor dos versos.
            O interesse de Tatiana pela literatura infantil começou com o trabalho de adaptação da obra de Lobato para a TV. Seus livros infantis vêm marcados pelo humor, pelo tom de brincadeira. Inaugurou a série de “limeriques”, poemas de cinco versos, geralmente sobre coisas engraçadas.
             “A operação de tio Onofre” é um dos seus livros mais vendidos, já alcançou inúmeras edições. Com “Os dez sacizinhos”, Tatiana Belinky ganhou o prêmio de Melhor Livro Infantil em 1999, esse mesmo livro recebeu  o Prêmio de Melhor Ilustração Infantil.   Vários outros livros da autora receberam o selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ.
            Em 2008, publicou “Limeriques da Cocanha” (Companhia das Letrinhas) com ilustrações bem jocosas de Jean-Claude Alphen.
            A Cocanha é um país imaginário, é o “São Saruê”, de Manoel Camilo dos Santos, mas este país imaginário de que nos fala Tatiana é bem anterior a São Saruê. Em nota explicativa, a autora nos diz que este país nasceu na fantasia de um anônimo poeta francês em plena Idade Média, lá pelos séculos XII ou XIII.
            Cocanha era uma terra de permanente felicidade, só existia lazer e ociosidade. Não havia ricos nem pobres, a comida já vinha pronta à mesa e fome lá também não existia.
            Vejam o primeiro limerique que descreve Cocanha:
            “ Na Cocanha a sociedade
            Vive em total liberdade –
            Lá ninguém trabalha
            (trabalho atrapalha...),
            Lá tudo é só felicidade.”

            Tatiana se foi, mas ficaram seus livros, limeriques, os contos russos