MONTEIRO LOBATO PARA ADULTOS
(Neide Medeiros Santos – Leitora
votante FNLIJ/PB)
Quem tem notícia, apenas, da obra de Lobato
feita para crianças, precisa conhecer o que ele escreveu destinado aos adultos (e
aos brasileiros todos, ele que, aflitamente, queria salvar o país) para
entender toda a extensão da sua importância na História do Brasil.
(Ziraldo. Texto da 4ª capa do livro “Monteiro Lobato, livro a livro”.
Obra adulta).
Quando
falamos em Monteiro Lobato, lembramos sempre do Sítio do Picapau Amarelo e dos
personagens criados por esse escritor polêmico que é amado por muitos e criticado
por alguns. Emília, Narizinho, Pedrinho,
o Visconde de Sabugosa, Dona Benta e tia Nastácia são criaturas de papel que
povoaram o imaginário de muitas crianças brasileiras, mas Lobato não foi apenas
um escritor de obras para crianças, foi contista, cronista, jornalista, editor,
publicitário e artista plástico.
Marisa Lajolo, professora e pesquisadora da
UNICAMP, grande estudiosa de Lobato, e João Luís Ceccantini, professor da UNESP
e leitor votante da FNLIJ, organizaram o livro “Monteiro Lobato, livro a livro
(obra infantil)”- UNESP/ Imprensa Oficial que ganhou em 2009 o prêmio Jabuti e
foi eleito o Livro do Ano. Estava faltando um olhar crítico mais detalhado sobre
a obra adulta. O livro “Monteiro Lobato,
livro a livro (obra adulta)” publicado em 2014, pela editora da UNESP, organizado
por Marisa Lajolo, veio preencher a lacuna de análises dos livros deste
escritor voltados para o público adulto.
Em 1945, Lobato organizou uma série (coleção)
com todos os seus livros para adultos e chamou de “Literatura Geral”. Era composta
por treze volumes com dezesseis títulos e abrangia gêneros diversos. A coleção
continha os seguintes livros: 1. Urupês, 2.
Cidades mortas, 3. Negrinha, 4. Ideias de Jeca Tatu, 5. A
onda verde e o Presidente negro, 6. Na
antevéspera, 7. O escândalo do
Petróleo e do Ferro, 8. Mr. Slang e o
Brasil e Problema Vital, 9. América, 10.
O Mundo da Lua e Miscelânea, 11-12. A barca de Gleyre (2 volumes), 13. Prefácios e Entrevistas.
Nessa série encontram-se livros de
contos, uma novela, um romance, coletâneas de artigos de jornais, prefácios,
vasta correspondência, impressões de viagem, anotações esparsas, documentos de
campanhas políticas, entre outros.
Na apresentação de “Monteiro Lobato,
livro a livro. Obra adulta”, a organizadora destaca que Lobato foi um escritor
prolífero. Ao longo dos 43 anos que
separam sua primeira publicação de grande impacto junto ao público o artigo “Velha praga”, estampado em O Estado de S. Paulo (1914), escreveu
muitos livros, foi tradutor e periodista. “É um autor que, para além da porteira do
sítio, criou um Jeca Tatu, uma Negrinha, um Presidente Negro e um Zé Brasil”.
Para organizar este livro, a ensaísta
convidou vinte e oito especialistas da obra de Lobato que se debruçaram sobre a
coleção “Literatura Geral” e trouxeram contribuições valiosas. O tema do negro na obra de Lobato já gerou discussões.
Ele está presente neste livro com dois excelentes ensaios – o de Milena Ribeiro
Martins – “Negrinha” e “Os negros e a história fora de si”, de Hélio de Seixas
Guimarães. Os dois estudiosos apresentam
uma visão crítica da presença do negro na literatura lobatiana de modo sério e
competente.
Não seria possível resumir os vinte e
oito artigos apresentados, assim procuramos pinçar algumas opiniões deste
escritor destemido que falava sem medo de dizer a verdade.
Monteiro Lobato foi acusado de
comunista, materialista e ateu. Certa vez, indagado por um jornalista se era
socialista, deu esta resposta: “não sou coisa nenhuma a não ser um observador
da história.”
No vigésimo quinto aniversário de
Urupês (1943), concedeu uma entrevista a afirmou:
“– Já não me interesso por coisa
nenhuma. Meus contos foram quase todos vingancinhas pessoais, desabafos. Quando
eu sentia necessidade de vingar-me de um sujeito qualquer, não sossegava
enquanto não o pintasse numa situação ridícula ou trágica, que me fizesse rir.”
Lobato teve inúmeros problemas com a censura.
Era conhecido como alguém que não tinha “papas na língua”. Na entrevista dada
ao repórter Tulman Neto, do Diário de São
Paulo, em março de 1945, comenta sobre um homem preso por ler livros.
“- Conheci na Detenção um comunista
de terrível fama [...] Chamava-se José Crispim [...] Mais tarde fui saber que
fora condenado a oito anos de prisão... oito anos pelo crime de querer instruir-se
e ter livros em casa”.
Cada capítulo leva o leitor a
encontrar a história de um livro e cada uma dessas histórias contém muitas
outras histórias. As múltiplas visões apresentadas conduz o leitor a conhecer
melhor a personalidade múltipla de Lobato e o seu desencanto no fim da
jornada. Em todos os textos transborda o escritor que
não sabia calar diante das injustiças, que lutava em prol da Verdade, da
Democracia e da Vida.
As pesquisas e os ensaios, na opinião
de Marisa Lajolo, proporcionam “novos olhares não apenas sobre a produção
lobatiana, mas talvez também para a produção cultural brasileira das primeiras
décadas do século XX.”
Depois de publicados “Os filhos de
Lobato. O imaginário infantil na ideologia do adulto” (1977), de José Roberto Whitaker
Penteado, “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia” (1977), de Carmen Lúcia de
Azevedo, Márcia Camargos e Vladimir Sacchetta, “Monteiro Lobato: livro a livro
(obra infantil)” (2009), organizado por Marisa Lajolo e João Luis Ceccantini, e
biografias deste escritor que soube escrever para todos os públicos parecia que
não havia nada mais a dizer. Ledo engano! Os grandes romancistas, contistas
e poetas, como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, Cecília
Meireles e Augusto dos Anjos são inesgotáveis.
Este artigo é dedicado a Luciano
Mariz Maia e Simão Farias Almeida, lobatólogos paraibanos.
( Publicado no jornal “Contraponto”.
Paraíba, 18 a 24 de julho de 2014, B-4.