sábado, 18 de julho de 2009

MONTEIRO LOBATO: um escritor feminista?


MONTEIRO LOBATO: um escritor feminista?
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil na Paraíba)

Ser núcleo de cometa, não cauda.
(Monteiro Lobato. Carta a Godofredo Rangel).

A Menina do Narizinho Arrebitado, o primeiro livro infantil de Monteiro Lobato, foi lançado no natal de 1920 e este livro é um marco do autor no reino da literatura para crianças. Anos depois, Lobato acrescentou outras histórias e o livro surgiu mais enriquecido, com nova roupagem e o título de Reinações de Narizinho. É neste livro que vamos encontrar a primeira personagem feminina da obra lobatiana – Narizinho.
Se fizermos um levantamento na extensa galeria de personagens de Lobato, seis atuam com núcleos de cometa: Emília, Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho e o Visconde de Sabugosa. Quatro personagens do sexo feminino e dois do masculino. Dessas quatro, apenas uma não pertence ao gênero humano, é a boneca Emília, mas que demonstra ser a mais viva e como ela mesma confessa: “estou começando a ser humana”.
Nelly Novaes Coelho, teórica e historiadora da literatura infantil, afirma que Emília é o alter ego de Lobato. Vera Maria Tietzmann Silva, estudiosa, também, da literatura infantil, considera que Emília é um Lobato disfarçado. Alter ego do criador ou personagem disfarçado em autor não importa, Lobato tem um carinho especial por esta bonequinha espevitada. Ela representa o seu lado irreverente, é a “Independência ou Morte!”.
Para demonstrar que Lobato foi feminista muito antes de surgir o movimento de valorização da mulher no Brasil, vamos analisar quatro personagens marcantes na obra infantil do escritor do Sítio do Picapau Amarelo.
Emília – está presente em quase todos os momentos da ficção infantil de Lobato, embora seja uma boneca é quem manda e desmanda no Sítio. No livro Emília no país da gramática, a bonequinha aparece como porta-voz do autor, condenando os exageros de gramatiquice e os tradicionalismos dos puristas. Ela rebate os argumentos dos filólogos e gramáticos dizendo que muitas regras estão ultrapassadas e que esses estudiosos não acompanharam a evolução da língua. É a personagem mais instigante de Lobato.
Em Reinações de Narizinho, é apenas uma boneca artesanal feita de pano por tia Nastácia, mas depois que toma a pílula falante do Dr. Caramujo adquire voz e forte personalidade. A boneca chega a afirmar que segue uma “evolução gental” e essa evolução é tão aprimorada que se declara “uma ex-boneca”.
Nelly Novaes Coelho, no Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira – 1882-1992 (1983, p.730) considera a bonequinha a personagem-chave do universo lobatiano. É a personagem mais complexa, a única que sofre transformações em sua personalidade.
O livro Memórias da Emília denota o grande apreço de Lobato por esta personagem que é boneca e gente ao mesmo tempo. Boneca, no aspecto físico, gente, na maneira arguta de pensar.
Dona Benta – é a avó/professora. Através de um processo altamente didático, como bem frisa Vera Tietzmann, em O Legado de Lobato, Dona Benta fraciona as explicações e acomodo-as à linguagem infantil. Ela cria uma nova modalidade de escola e ensina as crianças do sítio uma maneira inovadora de aprender. É a substituta natural do professor ou da professora severa, é uma educadora no sentido mais amplo. Para transmitir conhecimentos se utiliza da ficção, e conduz o leitor ao “sabor e saber” de forma bem natural.
Já se viu, também, em Dona Benta a projeção de Lobato. De modo diferente de Emília, Dona Benta representa o lado sensato, equilibrado do escritor. Os estudiosos da obra do autor do Sito do Picapau Amarelo identificam semelhanças até nos nomes Bento/Benta, mas Lobato deu a seguinte explicação: o nome desta personagem adveio da avó de um colega que se chamava Benta.
Ela foge do modelo tradicional de dona de casa do seu tempo (anos 30 e 40 do século XX). Não a vemos bordando, costurando ou cozinhando, está sempre lendo jornais ou livros, escrevendo cartas, escutando as noticias do rádio. É, ainda, Vera Tietzmann Silva quem afirma: “... ela é o esboço da nova mulher dos tempos que se sucederam os grandes movimentos feministas.” (SILVA: 2008, p.115).
Tia Nastácia é a representante da cultura popular, do saber do povo, conhece as histórias do passado, as histórias transmitidas de boca em boca. Através da figura de tia Nastácia, o escritor nos faz sentir que o saber passa pelas raízes populares, ele não vem só dos livros. Aliado a esse saber que emana do povo, Nastácia é excelente cozinheira e faz muitas coisas gostosas, entre elas o delicioso bolinho de polvilho. Se Dona Benta é a detentora da cultura erudita, Nastácia é a representante da cultura popular.
Narizinho é a personagem mais lírica de Lobato, desperta entusiasmo entre o público infantil. As inúmeras cartas enviadas a Lobato pelas crianças brasileiras elogiando o livro “Reinações de Narizinho” é o melhor atestado do valor desta pequena personagem. É a menininha dona do seu próprio nariz. Se não chega ao limite de Emília – “Eu sou a Independência ou Morte! “ circula com toda liberdade no reino do Sítio.
As figuras de Dona Benta, tia Nastácia, da boneca Emília e Narizinho deixam profundas marcas na saga do Sítio do Picapau Amarelo, elas atestam o lado feminista do seu criador. Nestas quatro personagens femininas, Lobato externou uma maneira inovadora de representar a mulher na literatura infantil.
Examinemos como procurou caracterizá-las: Dona Benta, a detentora do saber; Emília, a boneca independente e sempre pronta para desafios; tia Nastácia, a divulgadora da cultura popular e Narizinho, a menina livre das peias da escola tradicional e criadora de suas próprias brincadeiras.

Referências Bibliográficas
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira. 1882-1982. São Paulo: Quíron, 1983.
LAJOLO, Marisa e Ceccantini, João Luís. (Orgs) Monteiro Lobato Livro a Livro. São Paulo: UNESP, 2008.
SILVA, Vera Maria Tietzmann. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores promotores de leitura Goiânia: Cânone Editorial, 2008.

* Palestra apresentada na UBE/PB, no dia 11 de maio de 2009, no Centro Cultural Joacil de Brito Pereira, em homenagem à data de aniversário de nascimento de Lobato –

Nenhum comentário: