Tecer considerações sobre livros e autores a partir da literatura produzida para crianças e jovens no Brasil. Os textos deste espaço estão disponíveis para pesquisa; devendo-se, em caso de citação, indicar a fonte, conforme a legislação em vigor: LEI Nº 9.610
terça-feira, 4 de outubro de 2011
SER ÍNDIO: UMA ATITUDE DE CORAGEM E SUPERAÇÃO
SER ÍNDIO: UMA ATITUDE DE CORAGEM E SUPERAÇÃO
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Ao escrever, dou conta da minha ancestralidade,
do caminho de volta,
do meu lugar no mundo.
(Graça Graúna)
O escritor Daniel Munduruku esteve em João Pessoa e participou do II Seminário de Leitura na Rede (15 e 16 de setembro de 2011), realizado no auditório da Federação das Indústrias (SESI). De forma descontraída, o professor/filósofo dialogou com professores e mediadores de leitura e explicou o que ser índio no Brasil atual.
Filho da nação Munduruku, natural de Belém do Pará, Daniel Monteiro Costa adotou o sobrenome de Munduruku em homenagem a seu povo. Na conversa com o público, relatou que quando era criança tinha vergonha de ser índio. Na escola, os colegas diziam que índio era habitante da selva, da mata, e que se parecia com os animais. O menino ouvia essas histórias, sofria, e não podia negar sua origem – tinha cara de índio, cabelo de índio e pele de índio, chegou a desejar não ter nascido índio.
Mas, sempre existe um mas nas histórias, quer sejam reais, quer sejam fictícias, apareceu o avô que procurou mostrar ao menino Daniel a beleza e a riqueza dos povos indígenas e o que esse povos representavam para a sociedade brasileira. Hoje reconhece que o avô tinha razão. Quando deixou a aldeia e foi estudar e morar em São Paulo assumiu o compromisso de divulgar o modo de ser e de fazer dos índios brasileiros. E vem cumprindo muito bem a promessa.
Os inúmeros livros que já publicou sobre a cultura, os mitos, as histórias indígenas, as palestras que tem proferido em seminários, congressos, encontros de literatura infantil, feiras de livros, tudo atesta o trabalho de um escritor verdadeiramente comprometido com seu povo.
O livro “Coisas de Índio”, versão infantil e adulto (Ed. Callis), oferece um amplo panorama sobre as comunidades indígenas do Brasil. Com este título –” Coisas de índio “-, o escritor procurou minimizar o valor negativo da expressão e trazer o rico universo indígena para conhecimento das crianças e dos adultos.
Em 2011, Daniel Munduruku publicou “Coisas de onça” (Ed. Mercuryo Jovem), com ilustrações de Ciça Fittipaldi.
O escritor é graduado em Filosofia e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Escreveu mais de 40 livros para crianças e jovens, conquistou vários prêmios no Brasil e no exterior. Mora em Lorena, interior de São Paulo, e desenvolve um trabalho com escritores indígenas com o objetivo de difundir a literatura produzida por esses povos.
Ciça Fittipaldi é artista plástica, formada em Arquitetura e Urbanismo e dedicou-se à Antropologia. É professora de Artes da Universidade Federal de Goiás. Seu compromisso com a literatura indígena adveio de uma rica experiência que teve nos anos 1990 quando viveu entre os índios Nhambiquara. A coleção Morena (Ed. Melhoramentos), textos e ilustrações de Ciça Fittipaldi, é um conjunto de livros que aborda os mitos mais representativos dos índios.
“Coisas de onça” reúne três histórias de onça contadas pelo velho pajé Bijau e pela velha Kulahã. Nas aldeias, é costume os velhos contarem histórias para os mais novos, eles são considerados os “guardiões da memória”.
“A onça e o coelho esperto” é uma variante de “O Bicho Folharal”, conto recolhido por Gustavo Barroso e registrado por Câmara Cascudo em “Contos Tradicionais do Brasil”. No conto de Gustavo Barroso, o espertinho da história é a onça que engana a raposa. No conto indígena, o coelho consegue enganar a onça, mas o artifício usado pelos animais (onça e coelho) é quase o mesmo, lambuza-se de mel de abelhas e conseguem ludibriar o inimigo.
Kulahã contou a história de “A onça e a raposa”. Esta é a mesma versão de “O Bicho Folharal”, até os animais protagonistas são os mesmos – a onça e a raposa.
O terceiro conto “A onça e o veado” conta como esses dois animais construíram uma casa. O veado limpa o terreno para construir sua casa. No outro dia, quando volta para dar continuidade ao trabalho, encontra forquilhas e paus amarrando a casa e assim sucessivamente. Todo dia alguém colocava mais alguma coisa e o veado atribuiu o fato a Tupã. Só quando terminou a construção, o veado descobriu que tinha sido a onça que o havia ajudado e o jeito foi conviver com este animal que não merecia muita confiança, mas chegou um momento que o medo dominou e não foi mais possível a convivência. Resultado: abandonaram a casa.
Para escrever estas histórias, Daniel Munduruku fez pesquisas nos “Contos Populares” de Sílvio Romero, nas “Lendas de árvores e de plantas” de Altimar Pimentel e em outros livros que contam histórias da literatura oral e popular.
“Bem poucas palavras” é o texto introdutório do livro e Daniel Munduruku termina suas palavras com este pedido que transcrevemos:
“Aqui fica registrado meu pedido a todos os leitores que, ao tomar contato com este texto, elevem seu pensamento ao Criador, agradecendo pela sabedoria que estes antepassados deixaram escrita na memória da gente brasileira”.
Os livros “Coisas de índio”, nas duas versões – criança e adulto, podem ser encontrados na livraria Esquina das Letras.
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