Tecer considerações sobre livros e autores a partir da literatura produzida para crianças e jovens no Brasil. Os textos deste espaço estão disponíveis para pesquisa; devendo-se, em caso de citação, indicar a fonte, conforme a legislação em vigor: LEI Nº 9.610
domingo, 20 de novembro de 2011
Em busca do tempo perdido
Em busca do tempo perdido
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar.
(Edu Lobo. O Trenzinho do Caipira)
“A morena da estação”, livro de Ignácio de Loyola Brandão, publicado pela Editora Moderna (2010), é uma narrativa multifacetada. Pequenos contos, crônicas, curiosidades, lendas. Fatos reais e ficcionais convivem fraternalmente.
Ignácio de Loyola Brandão nasceu em 1936, em Araraquara. É filho de ferroviários e andou muito de trem na infância e adolescência. Costuma dizer que cresceu entre vagões e locomotivas.
No prefácio, o autor afirma: “Quando terminei este livro, escrito com afeto, percebi que acabou sendo uma espécie de memória da infância e adolescência”.
O livro está dividido em duas partes – 1ª. “Ontem”, 2ª. “Hoje e amanhã, talvez o futuro” e apresenta 42 pequenos capítulos que podem ser lidos de forma independente.
Fotografias antigas (1915, 1933), charges, cartões postais ilustram as páginas do livro e encaminham o leitor para o tempo em que o trem era o meio de transporte mais utilizado no interior do Brasil. As imagens recriam um ambiente e uma maneira de viver que pertencem ao passado.
Os contos e as crônicas nos levam ao reencontro com o tempo perdido. Em diversas partes do livro, há referências ao tempo “proustiano”.
A crônica “O delicioso Filé à Arcesp” (p.45) integra a parte dos textos de “Ontem” e vem a explicação sobre o nome deste filé.
Os caixeiros-viajantes percorriam o estado ou o país vendendo produtos e andavam sempre de trem. Usavam terno e gravata e, a maioria, chapéu. Carregavam uma pasta de couro na qual levavam um bloco para os pedidos e catálogos dos produtos que vendiam, almoçavam ou jantavam no trem, por isso preferiam composições que tivessem carro-restaurante. Para agradá-los, um cozinheiro decidiu fazer um prato substancioso e acessível, surgiu, assim, o filé à Arcesp. (A sigla Arcesp significa Associação dos Representantes Comerciais do Estado de São Paulo).
A receita do filé se encontra na p. 48. Não fiz, não provei, mas me pareceu delicioso.
Havia “O Trem barateiro” (p. 92). Este trem mereceu uma mini crônica. Partia de Araraquara e seguia para Presidente Vargas. E o preço? Era mesmo barato? Não. O nome “trem barateiro” se devia ao ataque das baratas voadoras, elas atacavam os passageiros e assustavam as mulheres.
O capítulo “O fascínio do trem nas telas” (p. 112-121) rememora os grandes filmes em que o trem desempenhava um papel preponderante. São citados, entre outros, “Dr. Jivago”, seguindo-se “Desviando caminhos” (Canadian Pacific, 1949), “Pacto Sinistro” ( Strangers on a train, 1951), “Conspiração do silêncio” ( Bad Day at Balck Rock, 1955). Nas páginas 116 e 117, o leitor encontra os cartazes desses filmes. Nessa relação, não poderia faltar “ Expresso do Oriente” com direito a postal de divulgação. Um capítulo que interessa aos cinéfilos paraibanos.
“A morena da estação” (p.124) é um conto cheio de mistérios. Quem seria a moça morena que deixou Alcino apaixonado? Ela usava um perfume inesquecível e entregou ao rapaz uma mala de couro vermelho. Desceu do trem, subiu e deixou Alcino com a mala. O conto começa e termina de forma misteriosa. Nada é desvendado.
O penúltimo texto da 1ª parte – “O trem dos torcedores” (p.138) fala sobre as partidas de futebol dos anos 60, na cidade natal do escritor – Araraquara. Nessa época, a “Ferroviária” pertencia à divisão especial e enfrentava os grandes clubes – São Paulo, Corinthians, Santos, Palmeiras. Durante muitos anos, o trem despejava os torcedores dentro do estádio da Fonte Luminosa. Era o único estádio de São Paulo que colocava os torcedores dentro do campo. Um orgulho para os araraquarenses.
A 2ª parte do livro – “Hoje, amanhã, talvez o futuro” é composta por histórias mais reais e contemporâneas. O narrador não está à procura do tempo perdido. São histórias de trens velozes, de metrôs, do espantoso trem com 330 vagões (e isso é no Brasil, caro leitor, na Estrada de Ferro Carajás).
O livro de Ignácio de Loyola Brandão me transportou a um passado mais recente, a uma exposição de pintura que tive oportunidade de ver em Bruxelas no ano de 1997. No Museu de Belas Artes de Bruxelas, no dia 11 de maio de 1997, vi a exposição do pintor belga Paul Delvaux – 100 telas todas retratando trens. Tenho ainda hoje, no álbum das recordações de viagens, o bilhete do Museu e um cartão postal de um quadro do pintor.
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