RODA MOINHO: histórias de amores com sabor antigo
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
nas voltas do meu coração.
(Roda Viva. Chico Buarque).
A Editora CEPE (Companhia Editora de Pernambuco) lançou em 2010 um concurso de literatura infantil e juvenil para todo país. Mais de 100 trabalhos foram inscritos, “Roda moinho”, de Eloí Bocheco, ganhou o prêmio Hors Concours.
“Roda moinho” é um romance juvenil dividido em doze capítulos. A narrativa entrelaça várias histórias - a do moinho antigo da cidade de Moinhos, a de Maria Lígia e o filho Leonardo e a história da escritora Pauline. Todas essas histórias são contadas pelo personagem-narrador Leonardo, Leo para o mais íntimos.
As ações se desenrolam na cidade de Moinhos, um lugar muito tranquilo durante a semana e movimentado aos sábados e domingos. No fim de semana, vinham pessoas de diferentes locais para visitar o moinho d´água que ficava perto do rio e o moinho do vento, situado no alto do morro.
Quando Leonardo nasceu, os moinhos já não tinham serventia, as pessoas mais velhas diziam que eram assombrados, daí o motivo de atrair tantas pessoas para visitá-los.
As imagens de coisas antigas – moinhos, as casas da pequena cidade, indumentária dos personagens, paisagens, tudo foi muito bem retratado pela técnica de aquarela do artista plástico Pedro Zenival. É possível se transportar para o passado olhando as bonitas ilustrações.
Sem respeitar muito a ordem dos capítulos, vamos examinar as histórias começando pela origem dos moinhos e o que eles significavam para os moradores da cidade. As narrativas são todas contadas sob o ponto de vista do personagem-narrador, Leonardo, um menino com doze anos de idade.
Quem quiser saber a história dos moinhos, deve ouvir seu Miguel, conhecido na região como “o guardião das memórias dos moinhos”. Na voz de Miguel, as histórias ganhavam vida e despertavam interesse, ele explicava que os moinhos surgiram com a família Pereira Gomes e que eram utilizados antigamente para moer o trigo e fazer pão. A família Pereira Gomes ajudou a fundar a cidade, mas todas as pessoas dessa família foram dizimadas por uma epidemia, com exceção da filha mais nova, essa morreu de amor. A moça apaixonou-se por um mascate que vivia viajando e vendendo coisas de porta em porta, o pai proibiu o namoro, a moça ficou sem comer, não saía mais de casa, foi definhando, definhando, até morrer.
A história de Leonardo, o personagem-narrador, envolve a mãe, o pai que deixou a mulher para viver uma nova aventura amorosa e o trabalho da mãe – a confecção de docinhos para vender aos moradores e visitantes da cidade. Tudo é contado sob a ótica do menino.
A mãe relembra com saudades do tempo em que morava com o marido e dos poemas que ele gostava de ler para ela – poemas de Emily Dickinson, de Camões e de Fernando Pessoa. Às vezes a saudade era tão grande, a dor da separação batia tão forte que Maria Lígia ficava triste, calada. Nessas ocasiões, o menino sabia que a lembrança do pai povoava o pensamento da mãe. A história de Maria Lígia é também uma história de amor perdido.
Morando em uma cidade pequena, Leonardo conhecia os moradores um por um. A casa verde que ficava na mesma rua de Leonardo ficou desabitada por um certo tempo, depois foi ocupada por uma senhora simpática e muito gentil, Pauline, uma professora de Biologia aposentada e que já havia morado em muitos lugares. E por que escolheu Moinhos para morar? Agora, dedicada à literatura, resolveu viver em um lugar tranquilo onde pudesse escrever com a serenidade que a escrita exige. Leonardo e Pauline se tornaram amigos. Ela falava sobre seus livros, sobre a criação dos personagens, e o menino ouvia com muita atenção.
Por fim, temos a história da paixão de Leonardo por Natália, uma colega da escola, estudiosa e com a maneira de pensar que combinava com Leonardo. Quando o amor parecia instalado de vez no coração do menino, o pai de Natália foi transferido para Curitiba e com ele viajou toda família. Leonardo sofreu muito com a ausência de Natália. Promessas de futuros encontros, de reencontros, não conseguiram aliviar a dor da separação.
As personagens das histórias de “Roda Moinho” estão todas ligadas à literatura e à poesia, alguns de forma mais direta, como Pauline, outras com o gosto pela leitura de poemas, no caso a mãe de Leonardo e o próprio menino. No decorrer da narrativa, o leitor encontra a inserção de sonetos e de poemas lidos e repetidos pelos personagens.
O último capítulo do livro, “Os riscos do bordado” (p. 63-65) é uma reflexão sobre o fazer literário. Uma moça borda na alva percalina, no branco linho ou no puro algodão, histórias sonhadas e desenhadas. Borda e sonha, e faz “surgir da ponta de sua agulha e do fundo de seu dedal os mistérios guardados nos riscos”.(p. 63) E o tecer das linhas e do bordado se associa ao trabalho literário.
( Texto publicado no jornal “ Contraponto”, João Pessoa, março de 2012, mês dedicado à Mulher)
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