LEITURA: UM UNIVERSO DIVERSIFICADO
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
A leitura é uma atividade maior do
que ler livros [...] é se sentir desconcertado ante o mundo, procurar signos e
construir sentido.
( Graciela Montes. Lectura, literatura y poder)
Escritores,
linguistas, psicólogos, fenomenólogos e teóricos da leitura procuraram
responder à inquietante pergunta: O que é leitura? As respostas são
diversificadas. Atento à amplitude do vocábulo, Paulo Freire, no livro “A
importância do ato de ler” (1995), explica que a “leitura do mundo é anterior à
leitura da palavra.” Muito antes de decodificar palavras, o menino Paulo
Freire, morando em Recife, em uma casa com muitas salas e quartos, um amplo
pomar, lia as árvores do quintal, os quartos, as salas, o corredor. Tudo era
objeto de leitura.
Jean-Paul Sartre, no livro de caráter autobiográfico, “As
Palavras” (1990), relata suas experiências com a leitura. Criado no meio dos
livros (no gabinete do avô havia livros por toda parte), o pequeno Sartre antes
de aprender a ler, já reverenciava os livros como coisa sagrada. O avô,
mostrando ao neto grandes volumes cartonados e recobertos de pano escuro,
dizia:
“Estes aí, menino, foi teu avô que
os fez” Que orgulho! Eu era neto de um artesão especializado na confecção de
objetos sagrados, tão respeitável quanto um fabricante de órgãos, quanto um
alfaiate de eclesiástico. (1990: p. 32)
De
forma poética, Sartre recorda as “densas lembranças” do seu contato com a
biblioteca do avô:
Nunca esgaravatei a terra nem farejei
ninhos, não herborizei nem joguei pedras nos passarinhos. Mas os livros foram
meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu
campo; a biblioteca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura
infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade (p.
37).
O
mundo de Sartre sempre foi povoado de livros. Seu avô era um artesão de livros;
sua avó frequentava a biblioteca da cidade e toda sexta-feira ia à biblioteca
devolver livros e tomar outros emprestados; a mãe lia narrativas extraídas do
folclore e adaptadas ao gosto da infância. Não nos causa estranheza essa sua
confissão:
Comecei minha vida como hei de acabá-la,
sem dúvida: no meio dos livros (p.30).
Alberto Manguel, um leitor voraz e consciente do amplo
significado da leitura, no livro Uma
história da leitura (1997) fala sobre a metáfora da leitura. São palavras
do autor:
Dizer que lemos - o
mundo, um livro, o corpo... não basta. A metáfora da leitura solicita por sua
vez outra metáfora, exige ser explicada em imagens que estão fora da biblioteca
do leitor e, contudo, dentro do corpo dele, de tal forma que a função de ler é associada a outras
funções corporais essenciais. (1997: p.198).
Manguel fala sobre suas duas maneiras de ler o texto
literário: a primeira, apressada, ofegante, às vezes arremessando a história
para além da última página. Foi assim que fez as leituras de Rider Haggard,
Conan Doyle e Karl May. Foram as leituras juvenis; a segunda, mais voltada para
o intelecto, uma leitura racional, um exame mais acurado do texto, isso só foi
possível com as leituras dos livros de Lewis Carroll, Dante, Kliping e Jorge
Luís Borges.
Ressaltamos que existe interação entre as duas maneiras citadas
por Manguel – a leitura emocional e a racional. O bom leitor é aquele que degusta
o livro sensorialmente, emociona-se com a leitura, mas é capaz, também, de
fazer uma leitura objetiva, reflexiva.
O poeta e autor de livros infantis Elias José, em um
texto-depoimento – Leitura: prazer, saber
e poder, publicado na revista “Leitura:
teoria e prática” (1997), relata sua
experiência com os livros e assim se
expressa:
Somos capazes de
sentir no texto os cheiros, os gostos, os sons, as cores e as formas do mundo,
quando tocados pela magia das palavras. Os bons leitores também são artistas.
Artistas recebedores, recriadores do texto. Eles enriquecem o jogo com suas
vivências. Acrescentam sonhos aos sonhos, mistérios aos mistérios. [...] Na
soma de experiências entre o que vivi e a porção diferente de vida que o poema
e a ficção me trazem, como autor ou leitor, está o prazer do texto. É um prazer
sensual, uma fruição. (1997: p.67)
Paulo Freire, Sartre, Manguel e Elias José são bons
leitores - eles complementam, recriam, acrescentam sonhos e enriquecem o
texto-mãe. Participam do livro como coautores, sentem o sabor e o saber do texto, identificam-se com ele. Ser
coautor de um texto (poema ou prosa) é o sonho de todo bom leitor.
(Texto publicado no jornal
CONTRAPONTO. João Pessoa, maio de 2013)
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