TOMIE
OHTAKE : “7 CARTAS E 2 SONHOS”
(Neide
Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Em todas as épocas, o homem
atribuiu às cores um caráter mágico, criando um código ou uma simbologia
próprios de cada estágio de civilização.
(Laura
Sandroni. De Lobato a Bojunga: as reinações renovadas).
Este
ano Tomie Othake, japonesa nascida em Kyoto e radicada desde1936 em São Paulo,
completa cem anos. Muitas exposições irão acontecer durante as homenagens que
serão prestadas a esta ilustre artista plástica que tem pinturas e esculturas
espalhadas por várias partes do Brasil e do mundo. Associamo-nos a estas homenagens e relembramos
o livro “7 Cartas e 2 Sonhos”, da escritora Lygia Bojunga Nunes, que contém 9 ilustrações,
representando telas de Tomie Ohtake. A
1ª edição deste livro saiu pela Berlendis & Vertecchia, em 1982, posteriormente
houve uma reedição da editora Agir com novo título “Meu amigo pintor”. A bonita
edição da Berlendis &Vertecchia não foi mais reeditada, mas é possível
encontrar uma nova edição deste livro na editora Fundação Casa Lygia Bojunga
Nunes.
Se,
em livros anteriores, Lygia apresentava animais como protagonistas, e citamos:
“Os Colegas”, “Angélica”, “O sofá estampado”, aqui vamos encontrar apenas
personagens humanos, centrados no menino Cláudio, no amigo pintor (inominado) e
em Tomie Ohtake, que comparece com as ilustrações, sendo também a destinatária
de várias cartas do menino.
A
leitura deste livro proporciona uma melhor compreensão da pintura d renomada artista e conduz o leitor jovem para os meandros da arte pictórica e reflexão sobre a morte.
Cláudio,
o protagonista da história, utiliza-se de nove cartas, incluindo dois relatos
de sonhos para contar à Tomie as impressões causadas pelas suas
telas. É um romance juvenil ligado ao
gênero missivista.
O
livro se inicia com a primeira carta de Cláudio para a pintora. Nessa primeira
carta, ele revela que tomou conhecimento das telas de Tomie Othake por
intermédio de um livro que ganhou de presente do seu amigo pintor. O menino era muito ligado na cor e revela
isso na carta. Quando olhava para gente, casa ou livro, sempre ficava olhando para
a cor do olho da pessoa, para a cor da porta da casa, e para a cor da capa do
livro. Nesse ponto, era igualzinho ao amigo pintor.
Ainda,
nessa carta, o menino fala um pouco sobre o amigo, uma pessoa muito tranquila, “[...]
ele era quieto demais, tinha mania de só fazer coisa que não faz barulho: fumar
cachimbo, pensar, pintar”. (1982: p. 4). A única coisa que fazia barulho na casa do
pintor era o relógio. Os pais do menino reclamavam da chateação das batidas, mas
Cláudio gostava muito – ele sabia que as batidas do relógio indicavam a
presença do amigo.
A
partida repentina do pintor deixou o menino muito triste, ele começou a ver o
significado de certas cores dos quadros de Tomie – o branco era o silêncio
total, doía mais do que o preto, o amarelo denotava alegria, o azul enrolado,
achatado, sumindo para dentro de outra cor, era o pedaço de céu.
Na
segunda carta, há um flashback e o menino recorda o tempo que passava na casa
do pintor – as partidas de gamão, o folhear de livros de pintura e as histórias
que ouvia – biografias de artistas. Muitas vezes não entendia a pintura que o
pintor mostrava, mas ficava quieto fazendo de conta que estava entendendo.
As
outras cartas que se seguem, sempre endereçadas a Tomie, falam sobre arte, pintura e o menino procura
analisar os quadros da artista com base no que ouviu do seu amigo.
Depois
que soube como foi a morte do pintor, ele quer compreender o porquê dessa
morte. Seria por motivos políticos? (O
pintor foi preso algumas vezes por sua luta em favor da democracia e dos
direitos humanos). Seria por uma paixão não correspondida? Existia uma mulher
na vida do pintor ? Era Dona Clarice, a
mulher que ele pintou toda de amarelo? São perguntas que exigem respostas.
“7
cartas e 2 sonhos” integra a coleção “Arte para criança” da editora
Berlendis&Vertecchia. É um livro de arte que desperta o interesse de
jovens leitores e de adultos.
Muitos
estudiosos já se debruçaram sobre a
instigante literatura produzida por Lygia Bojunga Nunes, ressaltamos a crítica de literatura infantil Laura
Sandroni, que, ao analisar os livros de
Bojunga, afirma:
“Lygia
Bojunga Nunes constrói um mundo. Um mundo de fantasia e realidade e expresso em
palavras. E as frases formadas por essas palavras são como troncos de árvores
bem grossos. A cada casca que se tira surge outra em baixo. Cada frase numa segunda
leitura traz uma nova ideia.” (1982. Posfácio do livro “7 Cartas e 2 Sonhos”).
NOTA
1:
A nossa edição de “7 Cartas e 2 Sonhos” é de
1982, da Berlendis Vertecchia, e foi presente de uma amiga muito querida –
Margaret Asfora, autora de uma dissertação de mestrado na pós-graduação em
Literatura Brasileira (UFPB) sobre Lygia Bojunga Nunes. Um bom presente não se acaba com o tempo.
NOTA 2:
Para quem quiser saber mais sobre a
vida de Tomie Ohtake, recomendamos o livro “Tomie: cerejeiras na noite”, de Ana
Miranda sobre depoimento de Tomie Ohtake, com ilustrações de Maria Eugênia,
publicação da Companhia das Letrinhas.
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