O
Pássaro de Fogo e outros contos populares da Rússia
(Neide Medeiros Santos –
Crítica literária FNLIJ/PB)
O conto mente, mas nele está
presente uma lição a toda boa gente.
(A. S.
Púchkin)
Era uma vez... Havia um reino... Certa vez... assim
começam muitos contos populares e infantis. Estas expressões remetem a um
passado longínquo, a um tempo indeterminado. Os estudiosos da literatura
afirmam que os contos que falam em fadas e reinos encantados estão
intrinsecamente ligados aos contos populares.
“O Pássaro de fogo: contos populares da Rússia” (Ed.
Berlendis Vertecchia, 2011), com tradução do russo por Denise Regina de Sales,
ilustrado por Nikolai Troshinsky e comentário de Flávia Moino, apresenta seis
histórias de Alexander Afanássiev.
Afanássiev, por seu trabalho de pesquisa e recolha de
contos populares da Rússia, é comparado aos irmãos Grimm. O grande mérito das
histórias de Afanássiev é a preocupação em preservar a autenticidade popular
dos contos russos.
Denise Regina de Sales, a organizadora deste livro, foi
repórter, locutora e tradutora na rádio Vox da Rússia, em Moscou, defendeu tese
de doutorado na USP em Literatura e Cultura Russa e trouxe para o leitor
brasileiro seis contos maravilhosos de Afanássiev traduzidos diretamente do
russo.
As bonitas e expressivas ilustrações do livro são do
desenhista Nikolai Troshinsky que nasceu na Rússia, mudou-se ainda criança para
Espanha e já ganhou vários prêmios internacionais na área de ilustração.
Quanto à Flavia Moino, sua dissertação de mestrado em
Literatura Russa (USP) versou sobre Afanássiev e o conto popular russo. Por
essas breves informações, sentimos que estamos diante de uma obra de
reconhecido valor literário e que exigiu a presença de especialistas da área..
O primeiro conto “O pássaro de fogo e
Vassilissa-Filha-de-Rei” fala sobre um reino muito distante, muito além da
vigésima sétima terra, habitado por um rei forte e poderoso. O rei tinha um
arqueiro que era dono de um cavalo mágico e com esse cavalo saía pelo bosque
para caçar. Certo dia, o arqueiro deparou-se com uma pena dourada do pássaro de
fogo, embora advertido pelo cavalo que não deveria pegar naquela pena, o
arqueiro desobedeceu à ordem do cavalo e resolveu levá-la de presente ao rei.
O rei agradeceu o régio presente, mas exigiu que ele
trouxesse o pássaro inteiro com estas palavras: “Se não o trouxer daqui minha
espada, daí sua cabeça cortada”. (2012: 6)
O pedido foi satisfeito e o rei exigiu mais – agora ele
queria uma noiva. Para conseguir realizar
o novo pedido do rei, o arqueiro encontrou inúmeros obstáculos, mas contou com
a ajuda da princesa Vassilissa e depois de muitos enfrentamentos viu a morte de
perto, venceu os perigos e saiu vencedor.
O compositor russo Igor Stravinsky compôs a música para
um balé muito famoso chamado “O pássaro de fogo” (1910). O enredo desse balé se
baseia nesse conto e em outro conto de Afanássiev – “Rei dos mares e
Vassilissa, a Sábia” que também se encontra neste livro.
O último conto – “Vá lá-não-sei-onde, traga
não-sei-lá-o-quê” é o mais longo de todos e apresenta afinidades com outros
contos populares ocidentais. É rico em detalhes e diálogos.
Novamente vamos encontrar um arqueiro que trabalha pra um
rei e é considerado o melhor caçador do reino. Todos os dias ele partia para
caçar e sempre abastecia a mesa do monarca com aves. Um dia ele feriu a asa de
uma rolinha e estava pronto para matá-la quando ouviu este pedido:
“-
Ah fabuloso arqueiro! Não tire a minha vida, não me mande embora deste mundo de
Deus: o melhor é me deixar viva, leve-me para sua casa, ponha-me na janelinha e
fique observando: assim que perceber que vou cair no sono, no mesmo instante,
bata a mão direita em mim com toda força, e terá muita sorte”. (2012: p. 45).
O arqueiro ficou admirado, já havia caçado e matado
muitas aves e nunca encontrara uma que falasse. Satisfez o desejo da rolinha e
mais admirado ficou quando ela se transformou em uma moça de beleza
indescritível. Tempos depois, resolveu casar-se com a moça de bondade e beleza
sem igual e passou a sofrer perseguições, inclusive pelo rei. Todos desejavam
possuir aquela mulher bonita.
Neste conto, há as transformações de objetos visíveis em
invisíveis e vice-versa, características marcantes das culturas eslavas.
Os contos de Afanássiev são cheios de aventuras, cenas
mágicas e de muita emoção. Quando são narrados de forma oral prendem a atenção
do leitor pelo clima de suspense e surgimento do inesperado.
( Publicado no jornal Contraponto. Coluna: Livros&Literatura. Paraíba, 18 a 24 de janeiro de 2013)
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