ONDE
ESTÁ O OURO?
- O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria
deram então de me chamar
Severino de Maria;
(João
Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Auto de Natal pernambucano).
“Ouro dentro da
cabeça” (Ed. Autêntica, 2012), de Maria Valéria Rezende, é uma história contada
sob o ponto de vista do protagonista Coisa-Nenhuma que, no decorrer da
narrativa, vai recebendo outras denominações – Piá, Caroço e Marílio da
Conceição.
Como Severino, personagem do poema de João Cabral de Melo
Neto, o protagonista começa fazendo sua apresentação. Ele diz que vai contar a
sua história que é de um lutador que correu sérios perigos, andou o Brasil
inteiro à procura de um tesouro que não era de ouro nem de prata, era de coisa
mais preciosa. E onde estava esse tesouro? O grande segredo só será revelado no
fim da história.
Vamos acompanhar a narrativa, seguir os seus passos de
acordo com os diferentes nomes que o personagem vai adquirindo na sua árdua
peregrinação.
Coisa-Nenhuma nasceu e cresceu sem nome em um lugar bem
escondido, difícil de se achar no mapa, a única referência desse local desolado
é que tinha umas penhas, as Pedras do Perdão.
Havia muitas histórias ou lendas sobre a origem do lugar e aquele sítio
se chamava Furna dos Crioulos. Era uma serra, coberta por um mato verde, na
beira de um rio também verde cortado por um lajedo escuro.
Quem era o Pai? Ninguém sabia e o pequeno foi criado sem
saber quem era seu pai e muito menos como se chamava. A mãe devia ter nome, mas
ninguém ousava pronunciá-lo – a lembrança dela dava uma profunda tristeza em
todo mundo. Com poucos dias de nascido,
ela resolveu, por conta própria, voar para o céu dos passarinhos. E assim o
menino ficou sem pai e sem mãe.
Quando era bem pequeno, era chamado de Miúdo, como
nasceram outros guris mais miúdos, virou Coisa-Nenhuma. Esse nome foi colocado
pela avó. Todas as vezes que chorava pedindo comida, a vó dizia:
“- E vosmecê é coisa nenhuma pra comer mais do que os
outros?” (p. 14).
Coisa-Nenhuma Nenhuma foi crescendo e gostava de correr e
andar pela mata. Um dia se deparou com um homem estranho, estava caído e bem
doente, levou-o para casa, cuidou dele e ficou sabendo que se chamava Pajé.
Esse homem era muito bom e deu ao menino
o nome de Piá. Ele contava histórias inventadas
e ensinava-lhe novas palavras para que
mais tarde também pudesse contar histórias.
Um dia o Pajé adoeceu e dormiu para nunca mais acordar. E o menino que não
sabia ler herdou do Pajé uma caixa cheia de livros.
Outros tempos se passaram. Tião dos Burros, um dos
habitantes da Furna dos Crioulos, que sempre descia até à cidade para vender e
comprar mercadorias chegou com uma novidade – vinha uma professora morar
naquele lugar para ensinar a ler. A alegria do menino foi tão grande que não
conseguia mais dormir. Finalmente chegou o grande dia - a professora era linda,
chamava-se Marília, ia satisfazer seu grande sonho: estudar e aprender a ler. O
sonho durou apenas uma noite de verão, não podia se matricular na escola, não
era registrado, não tinha pai nem mãe, não tinha nome. Achou o nome da
professora tão bonito que resolveu que dali por diante se chamaria Marílio da Conceição. E assim ficou
conhecido.
Já mais taludo, foi contratado por uma firma para
derrubar matas. Era um trabalho escravo e dava-lhe muita pena matar as árvores.
O rapazinho cortava as árvores com a motoserra e considera isso quase um
assassinato. As árvores derrubadas não eram para fazer casa para abrigar uma
família, nem mesa, nem tamborete, nem tear, nem violão. “Era matar por matar”.
Com rasgos poéticos, vem o desabafo:
“... matar árvore à toa é pior que matar gente e bicho,
que pode se defender, pode gritar e correr. A árvore só geme e chora., verte
lágrimas de ouro enquanto a peste da serra se afunda no tronco, e ela cai.” (p.
64)
Foi dessa época de matador de árvores que lhe veio o apelido:
Caroço. Depois que derrubava uma árvore por ordem do mateiro, ele se abraçava
com o tronco querendo morrer também e colhia as sementes que se espalhavam pelo
chão, colocava-as no bolso e saía semeando por onde passava daí os companheiros
de infortúnio lhe darem esse apelido.
Vamo-nos aproximando do fim da história. Onde está o
ouro? Não vou dizer, vou repetir palavras da autora: “Ah, esse é o grande
segredo que só contarei no fim.” Acrescentamos – leiam o livro e saberão.
Com “Ouro dentro
da cabeça” (Ed. Autêntica, 2012), ilustrações de Diogo Droschi, Maria Valéria
Rezende, escritora paulista, radicada na Paraíba há mais de 30 anos, conquistou
o 3º. lugar no Prêmio Jabuti de literatura juvenil 2013. É um livro que
apresenta as desigualdades e as injustiças
do mundo capitalista, que clama por uma
consciência ecológica e que defende o direito de ler de todos os cidadãos.
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