A POESIA BATE NA PORTA
( Neide Medeiros Santos)
O amor bate
na porta
o amor bate
na aorta.
(Carlos Drummond e
Andrade. O amor bate na aorta).
Há certos livros que
nos cativam pela poesia que transparece no texto escrito, há outros que
deitamos o olhar nas ilustrações e nos encantamos. “Abecedário [poético] das
frutas” (Ed. Rovelle, 2013), de Roseana Murray, ilustrado por Cláudia Simões, é
um livro que bateu na nossa porta, entrou devagarinho e logo nos apaixonamos.
Texto verbal e ilustração caminham juntos na beleza das palavras poéticas e das
ilustrações.
Roseana Murray explica-nos como nasceu a ideia deste
livro – ela mora em uma casa rodeada de árvores, na cidade de Saquarema, (RJ) e
tem por hábito colocar frutas nas árvores todos os dias de manhã para alimentar
os passarinhos. É também uma pessoa apaixonada por frutas, suas formas,
sabores, texturas. Reunindo duas coisas de que gosta muito – pássaros e frutas -
surgiu esse bonito livro, um abecedário das frutas em forma de poesia.
O livro de Roseana Murray nos transportou para a
brincadeira cantada da escolha de frutas. Qual é o “menino antigo” que não se
lembra da cantiguinha: “Passarás, passarás, deixarás passar, se não for o da
frente há de ser o de detrás”? E vinha a
escolha entre duas frutas. Geralmente as crianças escolhiam – pera ou maçã, uva
ou graviola, frutas nobres. Banana, laranja, frutas populares, eram rejeitadas.
Como se existisse nobreza nas frutas! Cada uma tem o seu próprio valor.
Alguns aspectos
estilísticos nos chamaram a atenção neste livro – foram as comparações visuais.
Vejamos a comparação para as bananas:
As bananas de
casaca
dourada,
penduradas como um
um trapézio.
Cláudia Simões
ilustrou o poema com um cacho de bananas bem amarelinhas (douradas) e perto,
pousado em uma das folhas da bananeira, um pássaro vermelho e preto tudo
observa. A imagem do cacho de bananas se
assemelha a trapezistas pendurados em um trapézio.
Para o figo, a comparação foi muito feliz:
De feltro, de
veludo,
suntuosa ao toque
da mão
como um tecido
de um tempo antigo.
Quem já teve a oportunidade de pegar um figo madurinho
tem a sensação de estar passando a mão em pano aveludado. É bem macio.
A ilustração destaca figos de variados tamanhos, todos
bem maduros, um deles picado pelo passarinho, o que nos leva de volta à
infância – a história do figo da figueira, bicado pelo passarinho. Dizem que
passarinho só belisca frutas doces e fruta beliscada por passarinho não é
venenosa. A natureza é sábia!
No abecedário de frutas, entram duas intrusas: hibisco e
zínia. São flores usadas, muitas vezes,
para enfeitar os pratos nos dias festivos.
Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca e o jardim.
Novamente a comparação
se faz presente. O colorido de certas flores se associa à cor das frutas,
principalmente as vermelhas. A ilustradora utilizou vermelhos intensos e
amarelos vivos para representar os hibiscos. As zínias vão do vermelho vivo ao
amarelo, não faltando borboletas e um casal de beija-flores.
Houve dificuldade para encontrar uma fruta que começasse
com a letra “E”. Se não existe uma fruta
começada com a letra “e”, a poeta vai dar uma solução e cria uma estrela de
carambola e... então inventa uma fruta estrela. Problema resolvido.
Chamamos a atenção do leitor para a disposição
do texto verbal e da ilustração, tudo muito bem planejado. A ilustração toma uma página inteira. Na outra
página aparece o texto verbal.
Para ilustrar este livro, Cláudia Simões fez a opção pela
aquarela – “sua grande paixão, como meio de expressão”.
O livro bateu na minha porta com um oferecimento
especial:
Para Neide, com
carinho, frutas e poesia, Roseana.
O presente foi muito bem-vindo.
(
Texto publicado no jornal Contraponto. João
Pessoa, 28 de março de 2014).
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