MULHERES DE MACHADO
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Deve-se ler Machado
não para compreender o Brasil, mas para ler grande literatura.
(John Gledson. Por um
novo Machado de Assis)
“Mulheres de Machado” é uma coletânea com 17 contos,
entre eles alguns bem conhecidos do leitor, como “Uns braços”, “Missa do galo”,
“Miss Dollar”. Há contos que foram escritos no inicio da carreira do escritor e
outros da fase da maturidade. O livro foi publicado pela editora SESI-SP, 2017,
com apresentação de Hélio de Seixas Guimarães.
Machado de Assis escreveu cerca de 200 contos. Embora não
se negue a qualidade literária de contista do escritor, quando se compara com
os romances eles são sempre relegados a um segundo plano. Essa é a opinião de John Gledson, estudioso
da obra machadiana. Lúcia Miguel Pereira, grande conhecedora da obra de Machado de Assis, considerava-o
melhor contista do que romancista.
A leitura dos dezessete textos da coletânea revela um
traço comum. As mulheres são sempre vistas sob o olhar
masculino e se revelam nos pequenos gestos, na voz contida. São protagonistas desses contos, mas atuam de forma discreta, afinal
estamos no século XIX e a mulher ainda teria que vencer os obstáculos impostos
pela sociedade da época.
Qual foi a visão que Machado passou da atuação da mulher perante a
sociedade do século XIX e início do século XX?
Através desses breves comentários
tento fornecer alguma luz, ler o que está nas entrelinhas, o que não foi
revelado totalmente, apenas sugerido.
Como sempre ocorre nas histórias de Machado de Assis, o
cenário escolhido é o Rio de Janeiro, capital do Brasil, onde residia a
Corte e morava o escritor. O conto “A pianista” retrata a época do
segundo império e traz como protagonista Malvina, uma professora de piano que,
por sua beleza e candura, desperta interesse em Tomás, filho de Tibério, dono
de fábricas no Rio e pessoa de prestígio social. Filha de uma viúva pobre, Malvina dava aulas
de piano para ajudar a mãe nas despesas domésticas. O pai de Tomás, ao saber
das pretensões amorosas do filho, manda-o para Bahia a fim de afastá-lo da
namorada indesejada. Queria uma nora rica e não uma simples professorinha de
piano. Depois de passar um período na Bahia, Tomás volta para o Rio e sente que
seu amor por Malvina não esmoreceu. Luta contra a oposição do pai que promete
deserdá-lo caso casasse com a moça. Por fim, tudo se resolve a contento para os
dois lados.
Nesse conto, o escritor explora o preconceito social –
uma moça pobre se enamora de um rapaz rico e surge oposição por parte da
família do namorado. O final feliz se deve à maneira educada e amável de
Malvina que, de forma sutil, acaba conquistando a confiança do sogro. Pode-se
também atribuir a um ideal romântico, característica que marca os primeiros romances e contos machadianos.
“Confissões de uma
viúva moça” atrai os leitores pelo título. É um conto em que a protagonista relata para uma amiga,
por meio de cartas, o motivo de seu refúgio
em Petrópolis após a morte do marido. O
enredo envolve uma mulher infeliz no casamento que se sente atraída por um
sedutor indigno. Após a viuvez, liberta dos laços matrimoniais, o sedutor
desaparece, isso provoca imenso sofrimento na viúva que resolve se retirar para
a cidade serrana, afastando-se da
intensa vida social do Rio. Sabendo que, pela ousadia do tema, o conto poderia despertar protestos de uma sociedade dominada pelo puritanismo, Machado publicou “Confissões de uma viúva
moça” com o pseudônimo J.J. O jornal Correio
Mercantil dirigiu irados ataques ao Jornal
das Famílias, órgão responsável pela publicação deste conto. Machado de Assis terminou revelando ser o
verdadeiro autor do conto e tudo terminou com uma defesa assinada por Sigma (outro
pseudônimo) que considerava o conto apenas realista e educativo. Restou a dúvida: Quem seria Sigma? O próprio
Machado ou algum amigo do escritor?
Para John Gledson (2006, p. 41): “As mulheres, suas
vidas, seus amores e frustrações são um dos temas que continuarão a preocupar
Machado por toda sua carreira”.
O leitor poderá se deliciar lendo ou relendo outros contos
que se encontram no livro, como “Uns braços” e “Missa do galo”. Neles
irá encontrar personagens femininas que não se revelam inteiramente, elas se escondem
e inspiram dúvidas. Conceição,
protagonista de “Missa do galo”, e D.
Severina, de “Uns braços”, são mulheres sedutoras
ou tudo não passou de conjecturas na mente de jovens adolescentes? A grandiosidade de Machado está também nos
pormenores, no pensamento reflexivo, no mínimo e no que está escondido.
( Texto publicado no jornal “Contraponto”, 2018) .
POEMA DA SEMANA
SONETO
CIRCULAR
A bela dama ruiva e descansada
De olhos langues, macios
e perdidos,
C´um dos dedos calçados
e compridos
Marca a recente página
fechada.
Cuidei que, assim
pensando, assim colada
Da fixa tela aos
floridos tecidos,
Totalmente calados os
sentidos,
Nada diria, totalmente
nada.
Mas eis da tela se
despega e anda,
E diz-me - “Horácio, Heitor, Cibrão, Miranda,
C. Pinto, X. Silveira, F. Araújo,
Mandam-me aqui para
viver contigo."
Ó bela dama, a ordens
tais não fujo.
Que
bons amigos são! Fica comigo.
( Machado de Assis)
Nota: Este soneto de Machado de Assis traz a data de 18
de abril de 1895 e foi publicado no jornal A
Gazeta de Notícias. Biógrafos do
escritor contam a história deste poema: tudo parece ter começado com um quadro
que Machado teria ganho de amigos e que pode ser visto por quem visita hoje o acervo machadiano na Academia
Brasileira de Letras. A tela é de Roberto Fontana. Esta informação é de Marisa Lajolo e se
encontra no livro “Histórias de quadros e leitores” ( Ed. Moderna,2006). Já
visitei a ABL e vi in loco este belo quadro. Fica o convite para quem visitar a
Academia Brasileira de Letras.
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