sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A presença de Cecília Meireles na educação brasileira


A presença de Cecília Meireles na educação brasileira
NEIDE MEDEIROS SANTOS

Vai-se a vida,
resta a canção.
Não foi uma canção perdida.
Ficaste no meu coração.
(Cecília Meireles. Dedicatória. In: Morena, Pena de Amor)

Quando falamos em Cecília Meireles, lembramo-nos sempre da poetisa, da autora de “Ou isto ou aquilo”, da escritora preocupada com a literatura para crianças, mas ela foi, antes de tudo, uma grande educadora. Para melhor compreender as múltiplas atividades de Cecília Meireles, dividimos o texto em quatro tópicos: Cecília professora, Cecília jornalista, Cecília educadora, Cecília folclorista/artista plástica.
Cecília professora:
Órfã de pais na primeira infância, Cecília Meireles foi criada pela avó materna Jacinta Garcia Benevides que faleceu quando Cecília contava dezesseis anos (1917). No mesmo ano da morte da avó, terminou o Curso Normal e começou a lecionar, inicialmente, num sobrado da Avenida Rio Branco, transferindo-se depois para a Escola Deodoro.
Em 1929, inscreveu-se no Concurso para a cátedra de Português e Literatura Brasileira da Escola Normal do Distrito Federal. Foi uma disputa acirrada e tensa. A banca examinadora era constituída pelos notáveis: Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor Vítor. A tese apresentada no concurso – “O espírito vitorioso” – defendia a modernização do ensino, seguia os preceitos da Nova Escola e fundamentava-se nas ideias dos educadores Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
O outro candidato do concurso era Clóvis do Rego Monteiro. Os dois obtiveram a mesma nota (8,5), mas Cecília foi preterida. O escolhido foi Clóvis do Rego Monteiro. Qual teria sido o motivo da rejeição à Cecília Meireles? Era mulher? Era a favor do ensino laico? Ficam as interrogações.
Em carta aberta ao Diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro e publicada depois no Diário de Notícias (27/08/1930), Cecília acusa a banca examinadora de não estar afinada com o espírito da escolanovista.
Mas a professora não desiste, parte para outras lutas. Entre 1936 e 1938 leciona Literatura Brasileira e Técnica e Crítica Literária na Universidade do Distrito Federal. Em 1940, é convidada para proferir palestras de Cultura e Literatura Brasileira nos Estados Unidos, na Universidade de Austin, Texas. Seus voos foram mais altos. Não lhe coube a cátedra da Escola Normal, tornou-se professora universitária no Brasil e conferencista convidada no exterior.
Cecília jornalista:
A partir de 1930, passou a escrever uma coluna no “Diário de Notícias”. Essa atividade jornalística vai até 1933. Escrevia sobre assuntos relacionados com a educação que trazia o título “Comentário”. Não se limitava a falar apenas sobre educação, noticiava lançamentos de livros e novidades literárias. Seus textos eram inovadores e, algumas vezes, polêmicos.
Nos artigos, não poupava os poderosos e os políticos. Em um período ditatorial, denominou o ministro Francisco Campos (Educação) de “medalhão” e chamou o presidente Getúlio Vargas de “Sr. Ditador”.
A respeito dessas crônicas, Valéria Lamego revela, no livro “A Farpa e a Lira”, que Cecília se apresentava como uma jornalista combatente, partindo sempre em defesa dos ideais da educação.
Descrente dos políticos e com uma vida tumultuada por mortes (seu primeiro marido, o artista plástico Fernando Correia Dias, suicidou-se em 1935), Cecília retira-se, provisoriamente, das lides jornalísticas. Anos mais tarde, na década de 40, vamos encontrá-la assinando a coluna “Professores e Estudantes” no jornal “A Manhã”. (1941-1943).
O professor Leodegário de Azevedo Filho considera que, nas crônicas publicadas no “Diário de Notícias”, encontramos uma Cecília mais combativa, entusiasmada pelos temas educacionais. Na segunda fase, no jornal “A Manhã”, Cecília se revela mais amadurecida, mais serena.
Na década de 60, do século XX, continuou escrevendo para diversos jornais, entre eles “Folha de São Paulo”. Neste prestigioso jornal, dedicou crônicas às curas, à medicina. Sua atuação jornalística se estendeu por mais de 30 anos.
Em novembro de 1964, calou-se para sempre a voz do bom combate. Foi-se a vida, restou a canção.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

HAICAI: a simplicidade da poesia japonesa






HAICAI: a simplicidade da poesia japonesa
(Neide Medeiros Santos- Crítica literária FNLIJ/PB)


Uma folha morta.
Um galho no céu grisalho.
Fecho a minha porta.
(Guilherme de Almeida)

O haicai é um pequeno poema de origem japonesa. Por sua simplicidade de linguagem e de estrutura, tem ampla aceitação entre as crianças. É formado por três versos que perfazem dezessete sílabas, sendo o primeiro com cinco, o segundo com sete e o terceiro com cinco sílabas.
Matsuo Bashô (1644-94), poeta japonês, é considerado o grande divulgador do haicai. Era filho de samurai, mas renunciou à sua classe social e tornou-se um monge andarilho e poeta. Seus poemas, sempre ligados à natureza, se caracterizam pela humildade e revelação das coisas mais simples da vida. No decorrer de sua vida, Bashô teve inúmeros discípulos que procuraram seguir as lições do mestre. Atualmente está havendo uma valorização muito grande dessa modalidade poética.
Em 2009, dois livros de haicais para crianças e jovens foram finalistas do Prêmio Jabuti – “No risco do caracol” (2º. lugar/infantil) de Maria Valéria Rezende e “Conversa de passarinhos”, (finalista juvenil) de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende.
Para o público juvenil, a Companhia Das Letras publicou “Boa Companhia. Haicai.” (2009), organização, seleção e introdução de Rodolfo Witzig Guttilla. Monteiro Lobato, em 1906, escreveu no “Minarete”, pequeno jornal de Pindamonhangaba, interior de São Paulo, o artigo “A Poesia Japonesa”. O texto veio acompanhado de seis haicais de Bashô traduzidos por Lobato que, pioneiramente, introduziu o haicai no Brasil.
Em 18 de junho de 1908, aportou, em Santos, o navio Kasato Maru, trazendo a bordo 781 imigrantes japoneses. Entre os imigrantes, vinha o poeta Shûhei Uetsuka (1876-1935) que, momentos antes do navio atracar, escreveu este haicai:

a nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca.

A seleção e introdução de Rodolfo Guttilla contêm fatos que desconhecíamos. Além de apresentar Monteiro Lobato como o introdutor do haicai no Brasil, ficamos sabendo que Manuel Bandeira traduziu inúmeros poemas de Bashô, mas só compôs em sua longa trajetória poética, um único haicai. Érico Veríssimo também incursionou por este gênero poético. Carlos Drummond de Andrade e Millôr Fernandes deram um tom jocoso a esta modalidade poética.
O livro organizado por Guttilla traz uma esclarecedora introdução histórica sobre o haicai no Japão e seus desdobramentos no Brasil. Aqui o haicai adquiriu tons locais e certa dose de humor. Cyro Armando Catta Preta cunhou o neologismo “poemirim” para nomear o haicai e hoje inúmeros poetas exercitam sua veia poética compondo esses pequenos poemas.
24 poetas estão presentes na seleção de Guttilla. Após a transcrição dos haicais, segue-se uma breve biografia dos autores selecionados. Guttilla é também haicaísta, mas só nas últimas páginas do livro ousa transcrever um poema de sua lavra.
Além do haicai, há outra modalidade poética utilizada no Japão que encontrou adeptos no Brasil – é o “tanka”, poema, também, marcado pela simplicidade. É formado por 31 sílabas (cinco versos).
O poeta Cloves Marques – ALANE e UBE/PE – é exímio na arte de compor “tankas” e haicais e já publicou vários livros utilizando-se de haicais e tankas. De Cloves Marques obtivemos essas informações: “O Hino Nacional do Japão é um notável exemplo de tanka. A família imperial japonesa realiza anualmente (no início do ano) uma reunião cerimoniosa em que o imperador, a imperatriz, príncipes e princesas apresentam seus tankas.” Compor tankas no Japão é um exercício poético que envolve até a família imperial.
Na Paraíba, o poeta Saulo Mendonça se destaca na arte de compor haicais. Em seus últimos lançamentos literários contou com o apoio da Associação de Cultura Japonesa da Paraíba. “Pirilampo”, edição bilíngue – português/espanhol, foi bem recebido pela crítica. Além do livro “Boa Companhia. Haicai” indicamos “Pirilampo” para aqueles que desejam conhecer um pouco mais da técnica do haicai.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A casa pintada, a casa sonhada-Montserrat del Amo


A casa pintada, a casa sonhada
NEIDE MEDEIROS SANTOS

Cada flor é um sorriso e uma promessa. É preciso ter muito cuidado para que não se perca nem a fruta nem a alegria.
( Monteserrat Del Amo. A Casa Pintada)

Os antigos chamavam de “idade de ouro” a fase em que os homens, semelhantes aos deuses, não sabiam o que era cansaço, nem dor, todos levavam uma vida amena e pacífica. Era um tempo de pureza, de riqueza. Era um tempo de sonho e de devaneio, tinha a eternidade do ouro.
“A Casa Pintada”, da escritora espanhola Montserrat del Amo, é um livro que traz características da idade de ouro. A história remonta a um tempo muito antigo, um tempo sem maldade, um tempo de esperar para ver as coisas acontecerem.
Antes de tecermos considerações sobre este livro, vamos conhecer um pouco dessa escritora especial no mundo da literatura para crianças e jovens.
Montserrat del Amo nasceu em Madrid. É formada em Letras e Filosofia. Na Espanha, recebeu os mais importantes prêmios literários, entre eles o Lazarillo, o Prêmio Nacional de Literatura e foi indicada duas vezes para o Hans Christian Andersen. Em 2007, ganhou o Prêmio Ibero-Americano pelo conjunto de sua obra.
Após essa breve introdução, vamos entrar na “casa pintada” de Montserrat del Amo. No Brasil, o livro foi traduzido por Heitor Ferraz Mello, com selo da Editora SM (2009) e ilustrações do pernambucano João Lin.
A história do menino Chao que desejava ter uma casa pintada igual à casa do imperador Huang -Ti aconteceu há dois mil e trezentos anos. Ela não estava escrita nos livros que foram queimados por ordem de Huang -Ti, mas no coração e nos lábios dos camponeses. Quando a história está gravada no pensamento e no coração das pessoas, nenhum fogo é capaz de destruí-la.
A primeira vez que o pequeno Chao viu a casa pintada do imperador estava viajando com o avô dentro de um cesto. O avô ia para feira de Pequim vender frutas e verduras.
Uma casa pintada era algo inusitado. As casas dos camponeses, naquela época, eram todas de uma cor indefinida, oscilavam entre o ocre e o marron. Ao ver aquela casa multicolorida o menino ficou tão admirado que manteve os olhos cravados até perdê-la de vista.
Depois da feira, voltaram para casa e o avô prometeu ao neto: voltaremos a Pequim quando as ameixeiras florescerem. E vem o tempo de espera. Todos os dias Chao ia olhar a ameixeira que nasceu perto da casa e notava que as folhas estavam cobertas de neve. Era inverno.
Um dia perguntou ao avô:
“- E quando as ameixeiras florescem?
- Breve – respondeu o avô”.
Nos três dias seguintes, Chao esperou que a ameixeira florescesse. Como isso não aconteceu, indagou:
“– E quando é breve?”
O avô sorriu, e respondeu de forma bem filosófica:
“- Breve é o tempo da promessa (...) Chega muito rápido para quem promete, mas demora para quem espera.” (p. 20)
E o menino continuou olhando a ameixeira todos os dias, esperando despontar os primeiros cachos de flores. Ao ver o neto parado diante da ameixeira, novamente o avô lhe dá lições de sabedoria:
“– Calma, Chao. Tenha paciência. Não se pode apressar a primavera”. (p. 22).
Dias depois, quando Chao já estava cansado de esperar as flores da ameixeira, chega a primavera e despontam as primeiras flores. E vem a reação do menino:
“- Vô, a primavera já chegou! (...) Vem ver!”
E o avô respondeu ao neto:
“– Não te disse, Chao? Ela sempre chega.” (p.22)
Neste livro, Montserrat del Amo escreveu uma história cheia de encantos e de imaginação. O sentido de perseverança, de saber esperar, permeiam as lições de vida que o avô dá ao neto.
Quanto à conquista de uma casa pintada, como desejava o pequeno Chao, só o tempo irá resolver. Será necessário o passar dos anos, a presença de invernos rigorosos, o despontar de muitas primaveras.