sábado, 20 de outubro de 2012

ERA UMA VEZ UM MENINO FELIZ



ERA UMA VEZ UM MENINO FELIZ
(Neide Medeiros Santos – Critica literária –FNLIJ-PB) 





O melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro. O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas.
            (Luís da Câmara Cascudo) 


Luís da Câmara Cascudo é figura conhecida dos folcloristas e dos estudiosos da cultura popular, mas estava faltando um livro sobre este grande pesquisador destinado às crianças. Em boa hora a editora Cortez publica “Cascudinho: o menino feliz” (2012), texto de Diógenes da Cunha Lima e Cristine T. da Cunha Lima Rosado, ilustrado por Marco Antônio Godoy.
Diógenes da Cunha Lima foi aluno de Câmara Cascudo e escreveu a biografia: “Câmara Cascudo: um brasileiro feliz” que já se encontra na 3ª edição. É autor de vários livros para o público infantil.
Câmara Cascudo nasceu em Natal (RN) e teve o privilégio de ser batizado pelo padre João Maria, considerado um padre santo, e embalado pela poetisa Auta de Sousa.
Seu primeiro banho foi com água morna em bacia de ágata, temperada com vinho do Porto. Dentro da bacia, colocaram uma moeda (patacão). O vinho era para que se tornasse  um homem forte e a moeda era para não faltar dinheiro no bolso durante a vida. Anos mais tarde, o folclorista escreveu sobre as superstições. Coisas do destino.
O pai de Câmara Cascudo se chamava Francisco Cascudo e a mãe Anna Maria da Câmara Cascudo. Quem consultar o livro “Contos Tradicionais do Brasil” irá encontrar muitos contos recolhidos pelo folclorista que foram contados por Francisco Cascudo (o pai) e por Anna Maria Cascudo (a mãe).
Foi conversando no alpendre da casa de Câmara Cascudo que Diógenes recolheu muitas informações sobre a vida do “infante e adolescente”. A respeito de Donana, como era chamada a mãe do folclorista, registramos: “Sua mãe, Anna Maria da Câmara Cascudo, conhecida como Donana, era figura importante na cidade. Para se ter uma ideia do quanto a população a respeitava, o filme no Royal Cinema só começava quando anunciavam a sua chegada”. ( 2012: p. 7)   
  Filho único, os pais tinham cuidado exagerado com o menino. Certa vez lhe deram o presente de uma gaiola de periquito, mas sem o periquito, isso para não correr o risco de ser bicado. Alguns anos depois, o menino criou uma coruja e teve dois cachorros de estimação – Gibi e Linguiça. Não lhe faltou a companhia de um cavalo, Cossaco foi seu cavalo de estimação – “um cavalo castanho, aristocrata e elegante”.
A leitura entrou na sua vida com a revista “Tico-tico”. Divertia-se com os personagens Gibi, Juquinha e Jagunço. “Já adulto, deliciou-se ao saber que a revista criou o Reco-reco, Bolão e Azeitona, personagens nacionais.” (2012: p. 12).
O interesse pelas histórias contadas pelo povo se intensificou com o que ouviu de pescadores. dos vaqueiros e dos cantadores de feira. As parlendas e os trava-línguas faziam parte de suas brincadeiras infantis.
Um dia o menino cresceu, estudou, e resolveu cursar medicina na Bahia, desistiu da carreira quando cursava o 4º. ano de medicina e resolveu ingressar na Faculdade de Direito do Recife, onde se formou em 1928. Depois de formado, dedicou-se ao jornalismo, ao magistério e às pesquisas etnográficas e folclóricas.  Revelou, também, interesse pelos mitos brasileiros e o livro “Geografia dos Mitos Brasileiros” é o resultado de pesquisa do imenso “fabulário” do Brasil.
Luís da Câmara Cascudo casou com Dhalia, teve dois filhos: Anna Maria e Fernando e escreveu muitos livros ligados ao folclore, à literatura oral e popular. Sua produção literária é vasta e diversificada. Dhalia também colaborou nas pesquisas sobre a recolha dos contos populares.
Como ex-aluno de Câmara Cascudo e frequentador assíduo da casa do folclorista, Diógenes da Cunha Lima ouviu muitos relatos da vida desse norte-rio-grandense que honra as letras brasileiras com seu vasto conhecimento e sabedoria. E assim o poeta e biógrafo resolveu contar a história da vida de Câmara Cascudo para crianças.
Para encerrar, acrescentamos palavras de Câmara Cascudo válidas para as gerações de todas as idades:
“O valor do conto não é apenas emocional e delicioso, uma viagem de retorno ao país da infância. [...] O conto popular revela informação histórica, sociológica, jurídica, social. É um documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões, julgamentos.” (Prefácio do livro “Contos Tradicionais do Brasil).
Vamos contar para nossas crianças a história de Câmara Cascudo e ler esses contos cheios de imaginação.  É preciso que elas saibam quem foi esse escritor amante da literatura, das tradições e  dos costumes do povo brasileiro. 

Dia das Crianças e do Professor ( 12 e 15 de outubro) 

O dia 12 de outubro é dedicado ás crianças e o dia 15 ao professor.   Para relembrar essas datas, recorremos às palavras da escritora Ana Maria Machado e do grande educador Bartolomeu Campos de Queirós.  

Fui atrevida, atrevidíssima, todas as vezes que me recusei a deixar que a literatura infantil fosse confundida com livrinhos para crianças e enquadrada no cercado das obras bem comportadas, cheias de liçõezinhas e apelos diminutivos ao mercado. Pelo contrário, procurei sempre dar aos textos infantojuvenis um tratamento estético, de ambiguidade, valorização da linguagem, significados múltiplos. Igualzinho a qualquer literatura. E me coloquei dessa forma, atrevidamente, no mundo literário.
(Ana Maria Machado. Palavras proferidas por ocasião das comemorações dos 35 anos da Fundação Nacional do Livro infantil e Juvenil. Boletim da FNLIJ, julho de 2003).

Se o professor é leitor- possui o hábito da leitura -, lê para seus alunos, se encanta diante das histórias, das poesias, dos contos fantásticos, também os alunos vão desejar ser leitores. Se o professor comenta suas leituras, mobiliza os alunos para estar com os livros, esse prazer se cristaliza já na infância. E, uma vez despertado, ele não nos abandona jamais. Nada custa ao professor ler um poema no início da aula, dizendo que descobriu, gostou e quer ler para eles. Se as crianças já sabem escrever, nada impede ao professor de fazer um ditado do poema, ou quem sabe imprimir e distribuir entre os meninos. Nenhuma pedagogia proibiu tal atitude. Quando leitor, o professor pode recomendar a leitura de uma determinada obra. Ele vai motivar os alunos, relatando sua emoção diante da leitura, vai expressar sua interpretação, aprofundando os alunos, para intensificar a leitura. Ler também se aprende.
(Bartolomeu Campos de Queirós. Ler é deixar o coração no varal).
 
 ( Texto publicado no Jornal Contraponto, Paraíba, 19 de outubro de 2012)



quinta-feira, 11 de outubro de 2012


PETER PAN na visão de Flávia Lins e Silva e de Adriana Silene Vieira
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

            As crianças sabem de tanta coisa hoje em dia que logo deixam de acreditar nas fadas. E toda vez que uma criança diz: Eu não acredito em fadas, uma fada cai morta em algum lugar.
            (James M. Barrie. Peter Pan).

            Editado pela Zahar (2012), o clássico universal infantil “Peter Pan” surge em nova versão incluindo apresentação de Flávia Lins e Silva, tradução de Júlia Romeu, notas de Thiago Luís e ilustrações originais de F.D. Bedford.
            Flávia Lins e Silva deu este título a sua apresentação – “Uma viagem com Peter Pan pelas páginas, pelo tempo” (2012:7-29). Realmente a leitura desse texto leva o leitor a viajar com Peter Pan e com os outros personagens desta história através do tempo.
            A primeira edição do livro foi publicada em 1902 e trazia o título “The Little White Bird”. O livro foi adaptado para o teatro como “Peter Pan, or The Boy Who Wouldn´t Grow”, estreando em Londres em dezembro de 1904.
            O autor do livro – James Barrie – nasceu em Kirremuir, na Escócia em 1860. Na infância, a morte do irmão David em um acidente de patins marcou para sempre o pequeno Jamie (James). A respeito desse fato, Flávia Lins e Silva faz este comentário: “De certa forma, David ficou na imaginação de James como um menino que nunca chegou a crescer”.
            Flávia Lins e Silva prepara bem o leitor para viajar pelas páginas do livro e vai traçando caminhos – apresenta a Sra. Darling como a mãe perfeita; Peter Pan representa a idealização da eterna infância, ele não quer crescer; a menina Wendy é mais real, ela pensa em crescer, casar, ter filhos; o capitão Gancho, um dos vilões mais famosos de todos os tempos, não é um pirata típico – ele tem um rosto bonito, cachos negros e olhos azuis. Foge do estereótipo dos vilões que aparecem nas histórias para crianças.
            Há um fato interessante neste livro ressaltado pela apresentadora – Peter Pan não quer crescer para não ficar patético como os personagens masculinos adultos da história que são todos “ridicularizados, desvalorizados, diminuídos”. Vejamos: o capitão Gancho tem medo de sangue, é medroso; Jorge Darling se preocupa com o que os vizinhos pensam dele, é um homem bobo e inseguro. Esses exemplos de homens fracos e não merecedores da admiração do menino, justifica o desejo de Peter Pan. Ser grande, bobo e medroso é melhor ficar sempre criança. Mas, dentro da história, existe um lugar, um espaço para a fantasia – a Terra do Nunca, uma ilha imaginária, um lugar fictício onde tudo é possível acontecer, até as crianças ficarem eternamente crianças.
            Como foi que esta história chegou ao Brasil? Se o leitor se transportar para os anos 30 do século XX, já pode imaginar quem foi o autor da proeza – “Monteiro Lobato, o formador de leitores”. Lobato recontou à sua maneira, como sempre fazia quando traduzia ou adaptava os clássicos para as crianças e adolescentes. A professora Adriana Silene Vieira conta um pouco da história desse livro.
 “Peter Pan, história do menino que não queria crescer, contada por Dona Benta”, teve a primeira edição em 1930 pela Companhia Editora Nacional, depois se seguiram outras edições. Este livro adaptado por Lobato tem muitas coisas para contar.  “Uma delas é que fazia parte dos livros proibidos pelo Deops (Delegacia de Ordem Política e Social), órgão criado pelo Estado Novo, com a finalidade de controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder em 1941” (2008:172).    
            Qual o motivo para a perseguição ao livro? O procurador Dr. Clóvis Kruel de Morais afirmava que o texto era perigoso e “alimentava nos espíritos infantis, injustificavelmente, um sentimento errôneo quanto ao governo do país e incutia às crianças brasileiras a nossa inferioridade desde o ambiente em que são colocadas até os mimos que lhes dão”. (2008: 172)
            No Estado de São Paulo, os exemplares de Peter Pan, adaptado por Lobato, foram apreendidos e destruídos. Seguindo a orientação de Kruel, os policiais saíram procurando os locais onde o livro poderia ser encontrado e localizam quatorze volumes em Santos, dois em Araçatuba, Paraguaçu e Lorena, quatro em Rio Preto e 142 em São Paulo. Destino desses livros? Certamente, viraram cinzas.
            A respeito das adaptações de Monteiro Lobato, o escritor Marcos Rey afirma que Lobato tinha contato com o que havia de mais atual no mundo. A adaptação de “Peter Pan” foi mais uma ousadia desse escritor que viveu e sonhou muito além do seu tempo.
            Nilce Sant´Ana Martins considera que, nesta obra, Lobato deu voz às personagens e que elas aparecem mais do que o narrador. Esse comentário de Martins se coaduna com a opinião de Lobato em carta a Godofredo Rangel – “tecer elogios à escrita sob a forma de diálogos” (2008: 173).  
            E os leitores poderão perguntar: e a história de “Peter Pan” foi esquecida? Calma leitores, não sejamos apressados, na próxima semana ela fará companhia a vocês Nesse primeiro momento, quis apresentar a visão de duas estudiosas da literatura infantil brasileira – uma escritora – Flávia Lins e Silva e uma professora de Literatura – Adriana Silene Vieira.