sábado, 21 de novembro de 2015

Duas histórias de Malala

            Duas histórias de Malala
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante da FNLIJ/PB)

            Se os Estados Unidos gastassem menos dinheiro em armas e guerras e mais em educação, o mundo seria um lugar melhor.
            (Palavras de Malala ao Presidente Barack Obama)

A Companhia das Letrinhas e a editora Seguinte que integram o grupo da Companhia das Letras publicaram dois livros sobre Malala em 2015.  “Malala, a menina que queria ir para a escola” (Companhia das Letrinhas, 2015), foi escrito pela jornalista Adriana Carranca e recebeu ilustrações de Bruna Assis Brasil. “Eu sou Malala: Como uma garota defendeu o direito à educação e mudou o mundo” (Ed. Seguinte, 2015), de Malala Yousafzai com Patrícia McCormick, é uma autobiografia de Malala escrita especialmente para o público juvenil.  O primeiro livro se destina ao público infantil, é sobre este livro que teceremos nossas considerações, a autobiografia ficará para outra oportunidade.

Adriana Carranca, autora do texto infantil, é jornalista de “O Estado de S.Paulo” e escreve principalmente sobre conflitos, tolerância religiosa e direitos humanos, tem um olhar voltado para a condição das mulheres no mundo atual.  Para escrever este livro, Adriana viajou até o vale de Swat que fica no Paquistão e quis conhecer de perto a história de Malala. Vamos andar pelos caminhos percorridos pela jornalista e saber um pouco mais sobre essa corajosa menina que ousou desafiar os poderosos para ter direito à educação.

   O vale de Swat é uma região muito bonita, com campos verdejantes, cercados por altas montanhas pintadas de neve durante quase todas as estações. É nesse local privilegiado pela natureza que vivem há mais de 2 mil anos os pashtus, como Malala. Ela nasceu na cidade de Mingora e queria estudar, o que é proibido para meninas sob o regime dos talisbãs, mas seu pai  era professor e pensava diferente, ele queria que a filha estudasse e ela frequentava a escola do pai.

Há um detalhe curioso nas sociedades patriarcais do sul da Ásia, como o Paquistão, a chegada de um menino é motivo de festa, comemorações. Quando nasce uma menina, os pais não anunciam nem festejam, muitas  meninas não têm  registro de nascimento,  oficialmente não existem. Isso não aconteceu com Malala, seu pai, o professor Ziauddin, era um homem muito justo e dava à filha os mesmos direitos proporcionados aos filhos homens, Atal e khushal.  E a pequena, antes mesmo de saber ler e escrever, assistia às aulas do pai infiltrada entre os alunos mais velhos.

Adriana ouviu um depoimento das colegas de escola de Malala e elas disseram que “ela era a mais sabida, a mais valente, a mais falante” e desde pequena gostava de discursar como gente grande. Nesse ponto, parecia com o “menino maluquinho”. Destacava-se como aluna exemplar em todas as disciplinas, mas tinha predileção por poesia – recitava poemas em várias línguas e já dominava o inglês.

Homens barbudos e com cara de poucos amigos começaram a aparecer no vale, eram os talibãs, homens terríveis, proibiam as mulheres de sair de casa e as meninas de irem para a escola. A chegada dos talibãs mudou completamente a vida no vale Swat, até a música foi banida e o vale emudeceu e ficou triste.

            Foi nesse período de repressão que Malala começou a escrever um blog. Para não ser reconhecida, adotou o pseudônimo de Gul Makai, heroína do folclore pashtun, que é também o nome de uma linda flor azul. O blog de Malala era escrito em urdu no site da rede de rádio e televisão da BBC na Grã-Bretanha. O primeiro post começava assim: “Estou com medo”. O blog alcançou grande repercussão. Protegida pelo anonimato, ela combatia a guerra e escrevia sobre os problemas das meninas do Paquistão, vítimas da perseguição dos talibãs.

            E veio a ordem dos talibãs – as meninas estavam proibidas de frequentar a escola, caso insistissem eles poderiam mandar as escolas pelos ares. A vida se tornou insuportável no vale. O professor Ziauddin decidiu passar alguns dias fora da cidade onde viviam com a família. Houve um certo tempo de paz, os talibãs se refugiaram nas montanhas e as pessoas puderam voltar para suas casas.

            Um dia, quando voltava da escola com colegas na condução escolar, um rapaz que estava em uma moto interceptou o ônibus e perguntou: “Qual de vocês é Malala?” As colegas ficaram caladas, mas dirigiram o olhar para Malala e ele reconheceu a mocinha (ela estava com 14 anos)  e atirou três vezes na sua direção. Os tiros atingiram Malala e duas amigas que tiveram ferimentos leves.  Malala foi atingida na cabeça e como conseguiu sobreviver é difícil de explicar, passou quatro meses hospitalizada, fez várias operações, recuperou-se e não perdeu sua capacidade de lutar pelos direitos das meninas à educação.

            E sabem qual foi o primeiro pedido que Malala fez quando recuperou a consciência?  “Livros. Eu quero livros”.

            Adriana Carranca pesquisou toda a história de Malala, visitou a casa, o quarto onde ela viveu. Nessa visita ela contou sempre com a companhia e explicações das ex-colegas. Atualmente, Malala mora com sua família na cidade inglesa de Birmingham, na Inglaterra. Por sua bravura, por seu trabalho pela educação,  ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2014. Foi a mais jovem ganhadora do Prêmio da Paz.

            A bonita e comovente história dessa corajosa menina foi ilustrada por Bruna Assis Brasil. Com traço sutil e ilustrações de Malala e de suas colegas que mais parecem marioscas, Bruna deu mais beleza ao texto. 

( Texto publicado no jornal "Contraponto", 20 a 26 de novembro de 2015, Caderno B, B-2) 



            COLUNA DA CRIANÇA

           O jornal “Contraponto” conta agora com uma nova coluna – “Coluna da Criança” que veio complementar o trabalho que fazemos no mesmo jornal há seis anos com orientações de livros e leituras para crianças e jovens. A nossa coluna “Livros &Literatura” é mais dirigida aos pais e professores, incentivando-os a comprar bons livros para os filhos e alunos. Lembramos que, durante dez anos (1992-2002), a professora e historiadora Yolanda Limeira (Yó Limeira) foi editora do jornal “Correinho das Artes”, publicando textos e ilustrações dos alunos das escolas públicas e particulares de João Pessoa. Yó fazia uma verdadeira peregrinação pelas escolas, levando textos e livros de poetas e escritores paraibanos. Nessa sua peregrinação, apresentou  na Escola Catavento (de saudosa memória), o conto da tradição popular “A menina dos cabelos verdes” e os alunos fizeram ilustrações para este conto, deram opiniões sobre a história, tudo isso está registrado no “Correinho das Artes” e no livro “Guriatã: uma viagem mítica ao país-paraíso”. Quando o “Correinho das Artes” se findou, infelizmente, as coisas lindas também se findam, como diz Drummond, ela criou a revista “Verdes Anos”, novamente voltada para o público infantojuvenil e com a mesma proposta do “Correinho das Artes.” A revista era trimestral e teve vida mais efêmera, durou apenas três anos. Assim, ao ler a “Coluna da Criança” que procura valorizar o trabalho literário desenvolvido por crianças que estão descobrindo o mundo encantado dos livros, revivemos o tempo do “Correinho das Artes”


            Durante todos esses anos ( 1992-2002) ( 2003-2006),  colaboramos com Yó, tanto no “Correinho das Artes” como na revista “Verdes Anos”. Escrevíamos uma coluna com dicas de leitura para crianças e jovens. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Drummond para todos

                        DRUMMOND PARA TODOS
            (Neide Medeiros Santos - Leitora Votante FNLIJ/PB)

                        Se eu morrer, morre comigo
                        um certo modo de ver.
                        Tudo foi prêmio do tempo
                        e no tempo se converte.
                        (Carlos Drummond de Andrade. Desfile. In: A Rosa do Povo)

            Recebi da Editora Companhia Das Letras o livro “Nova Reunião: 23 livros de poesia” (2015), de Carlos Drummond de Andrade. É tanta poesia que não houve espaço para prefácio, apresentações, textos críticos, é poesia, da primeira até a última página e são mais de 900 páginas, poesia para “inundar a vida inteira”.

            Este ano completa 70 anos da publicação do livro “A Rosa do Povo”, o mais político de todos os livros de Drummond e um livro considerado marco na literatura brasileira. Nesta edição de 2015 se encontram todos os poemas que integram este livro.

            Para marcar os setenta anos da publicação do livro “A Rosa do Povo”, a TV. Senado apresentou no dia 31 de outubro o documentário “Drummond: Poeta do Vasto Mundo”, com a participação de professores, críticos literários que emitiram  opiniões sobre a poesia de Drummond. O documentário contou ainda com atores e declamadores recitando os poemas mais expressivos do poeta. Este documentário está disponível na internet. Vale a pena conferir.
  
            Em 1969, Drummond publicou “Reunião” em um único volume que reunia dez livros. Em 1983, surgiu “Nova Reunião”, com dezenove títulos, esta agora em 2015 é mais completa, são 23 livros, sendo que dezesseis com todos os poemas e sete com seleção dos melhores poemas dos últimos livros do poeta.

             Em uma nota sucinta,  os editores afirmam que na língua inglesa existe a figura do “portable”, o livro que reúne o melhor da produção de um determinado autor e consideram que “Nova Reunião: 23 livros de poesia” é o Drummond portátil para “leitores brasileiros de todas as idades”.

            Mas o que destacar nessa coletânea de 23 livros de Drummond?

            Em primeiro lugar, louvar a iniciativa de editora Companhia Das Letras por trazer uma antologia quase completa da poesia drummondiana; ressaltar que este livro traz uma contribuição valiosa para compreender as várias fases da poesia de Drummond, afinal foram mais de cinquenta anos escrevendo e divulgando poesia; proporcionar aos alunos de nível médio e universitário um melhor conhecimento da poesia do poeta mineiro. Como a coletânea reúne muitos livros, o leitor pode acompanhar a trajetória do poeta desde os anos 1930 até 1986.  

            A leitura integral dos poemas permite detectar vários eus do poeta e citamos: o lírico, o político, o dramático, o metafísico, o sensual, o irônico. Vamos destacar, com citação de excertos dos poemas, a manifestação de algumas dessas modalidades poéticas.

            “A casa do tempo perdido” se encontra em um dos últimos livros publicados por Drummond – “Farewell” e a leitura desse poema nos transporta ao Centro Histórico de João Pessoa com muitas casas abandonadas.

            Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
            Bati segunda vez e outra mais e mais outra.
            Resposta nenhuma.
 A casa do tempo perdido está coberta de hera
            pela metade; a outra metade são cinzas.
            (...)
             “Caso do vestido”, inserido em “A Rosa do Povo”, é um texto cheio de diálogos entre uma mãe e as filhas, prestando-se muito bem para a representação, mas há vários outros poemas de Drummond que parecem que foram feitos para o teatro. “Morte do leiteiro” é outro bom exemplo de texto dramático.

            Na área da literatura infantil, é possível pinçar vários poeminhas curtos que serão bem aceitos pelas crianças. No livro “Boi Tempo”, citamos, entre outros, “Cantiguinha”, “Orion”, “Concerto”, “Visita à casa de Tatá”.

 “O Elefante” integra os poemas de “A rosa do povo”, não foi escrito para crianças, abrange discussões bem profundas com relação aos problemas de incertezas de um mundo conturbado por guerras (foi publicado em 1945) e foi apresentado como poema infantil, uma publicação da Record e contou com belas ilustrações de Regina Vater.  Não houve adaptação do texto, ele está integral e as crianças podem não alcançar o significado do poema, mas sentem a beleza dos versos. As crianças gostam de histórias de animais e o elefante é apresentado de modo tão espontâneo, cheio de “doçura”, que elas se sentem cativadas pelo poema.


Tenho como livro de estimação “Poesia completa e prosa”, de Carlos Drummond de Andrade, uma edição da Aguilar de 1973, adquirido em um sebo, mas com aspecto de novo.  É livro antigo com cheiro de antiguidade, agora arranjou um companheiro que foi muito bem-vindo.