sábado, 30 de janeiro de 2010

KAFKA PARA JOVENS E ADOLESCENTES


KAFKA PARA JOVENS E ADOLESCENTES

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa própria casa...
(Augusto dos Anjos. Asa de Corvo)

Jeanette Rozsas escreveu uma biografia romanceada de Kafka – “Kafka e a marca do corvo” (Geração Editorial, 2009) destinada ao público jovem. O livro é fruto de anos de pesquisas e houve a preocupação de relatar com fidedignidade fatos relacionados com a vida do escritor tcheco.
Em entrevista concedida à “Geração on-line”, a escritora afirma que quando escreveu este romance biográfico pensou em um livro voltado para o público jovem e também adulto não acadêmico.
A palavra Kafka em tcheco, segundo explicação do crítico Nelson Oliveira, significa “corvo”, mas poderia ser “tuberculoso” ou “castigo”. Kafka nasceu em Praga. O nome da cidade é um vocábulo que conota “grande desgraça”, “imprecação de males contra alguém”. Não obstante todos esses aspectos negativos ligados ao vocabulário, os livros de Kafka mudaram a literatura do século XX.
A divulgação da obra de Kafka no Brasil se deve a Otto Maria Carpeaux, crítico literário austríaco naturalizado brasileiro que se refugiou no Brasil na época da 2ª Guerra Mundial. Carpeaux, que tinha o sobrenome germânico Karpfen, adotou o nome francês em repúdio aos horrores praticados pelos nazistas durante a guerra.
Há outros fatos ligados a Carpeaux relatados por Jeanette Rozsas que merecem ser divulgados. A Biblioteca Municipal Mário de Andrade ( São Paulo) ostenta, no acerco de obras raras, um exemplar da 1ª edição de “O Processo”, doação de Carpeaux ou adquirido por compra à viúva do crítico. Carpeaux conseguiu esse exemplar diretamente na editora Die Brücke, em Berlim. O livro estava amontoado em um canto da editora e ao folheá-lo ouviu o seguinte comentário:
“O Max Brod, que teima em considerar gênio um amigo dele, já falecido, me forçou a editar esse romance danado. Estamos falidos. Não vendi nem três exemplares. Se você quiser, pode levar a tiragem toda. Não vale nada” (2009: p. 172)
O tempo se encarregou de desmentir o editor, Kafka se tornou um escritor consagrado pela crítica e “O Processo” é lido e analisado em cursos de Letras, Direito, Psicologia.
Depois desses esclarecimentos, voltemos ao livro de Jeanette Rozsas.
“Kafka e a marca do corvo” pode ser a entrada da leitura para o universo kafkiano. O livro oferece ao leitor um conhecimento amplo da vida e da literatura produzida pelo autor de “Metamorfose”.
Jeanette Rozsas não coloca diretamente as palavras na boca de Kafka e de seus interlocutores, vai tecendo, através da leitura dos diários e cartas do escritor, uma história romanceada, escrita com muita paixão. Fotografias de Kafka em diferentes fases da vida, fotografias antigas de Praga, dos pais e familiares do escritor ilustram as páginas do livro.
Dividido em sete capítulos, o leitor vai se adentrando na vida e obra de Kafka, conhecendo a forte personalidade do pai – Hermann Kafka, a submissão da mãe – Julie, a afetuosa amizade com a irmã – Ottla. Marcante é a presença do amigo Max Brod, responsável pela edição de vários livros de Kafka e companheiro de viagens e de discussões filosóficas e literárias.
As histórias amorosas vivenciadas por Kafka são apresentadas sem subterfúgios. Kafka se considerava inapto para o amor. Felice Bauer, a primeira namorada e noiva, não era a mulher ideal para Kafka. Julie não foi aceita por sua família, era humilde demais para um advogado e escritor. Milena Jesenská talvez tenha sido a sua grande paixão. O temperamento extrovertido de Milena, as afinidades intelectuais da namorada davam-lhe certa segurança. Dora Diamant foi sua companheira em seus últimos anos. Com ela, Kafka confessa que, embora doente, viveu bons momentos em Berlim.
No meio de uma vida atribulada por doença (tuberculose) e um temperamento introvertido surge a sombra sinistra do pai. A marca do corvo está representada não por Kafka, mas pela tirania do pai que carregava no sobrenome o significado – “CORVO”.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O poder da literatura - Diário de Anne Frank








O poder da literatura

A literatura assume muitos saberes.
(Roland Barthes. Aula).

Roland Barthes, na aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária que proferiu no Colégio de França, em 7 de janeiro de 1977, fez esta afirmativa que renova a crença nas pessoas que acreditam no poder da literatura:
“Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.“ (Aula: 1978 p. 18)
O pensamento de Roland Barthes me levou às leituras da fase da adolescência e me lembrei de um livro que li há bastante tempo cheio de saberes.
O Diário de Anne Frank foi lido e relido várias vezes. Em cada releitura sempre descobria algo de novo. O livro oferece um panorama histórico (época da 2ª. Guerra Mundial); geográfico (desenrola-se na Alemanha e Holanda); psicológico (revela o que se passa no íntimo de uma menina que atravessa a fase da adolescência em um período de sérias conturbações sociais). Aliado a tudo isso, trata-se de um diário escrito por uma jovenzinha judia que sofreu as consequências da guerra e as restrições impostas aos judeus pelo governo nazista de Hitler.
O Diário de Anne Frank já teve inúmeras edições em língua portuguesa. “O Diário de Anne Frank” (2003) pela Editora Record; “Anne Frank” (2007) pela Bestbolso. Em 2006, apareceu a biografia “Anne Frank”, Edições SM. Este livro obteve o prêmio de Melhor Tradução na área de Informativo da FNLIJ. Foi escrito por Josephine Poole, traduzido para o português por Marcelo Pen e conta com bonitas ilustrações de Angela Barrett.
Vejamos alguns dados dessa jovenzinha que passou para a História como um exemplo de luta pela sobrevivência numa época de opressão e intolerância.
Anneliese Marie (Anne) Frank nasceu em Frankfurt, Alemanha, no dia 12 de junho de 1929. Seu pai, Otto Frank, judeu alemão, era comerciante e vivia confortavelmente em Frankfurt. Com o início da guerra e a perseguição aos judeus por Hitler, ele sentiu que não podia permanecer na Alemanha e resolveu se transferir para a Holanda (Amsterdã), mas os alemães estenderam seu domínio a outros países e a família Frank foi obrigada a se refugiar em um anexo onde funcionava sua empresa. Durante dois anos, a família viveu nesse esconderijo e contou com a efetiva colaboração da amiga Miep Gies, uma fiel funcionária do Sr. Otto Frank. Ela fornecia alimentos, livros, jornais.
A permanência da família nesse local durou 25 meses e foi o tempo suficiente para Anne Frank escrever um diário, contando como era o seu dia a dia, de seus familiares e da família Van Daan, todos abrigados sob o mesmo teto, um sótão. Houve tempo até para descobrir o amor. Anne se apaixona por Peter, filho do Sr. Van Daan.
Quando o esconderijo foi descoberto, a família foi enviada para o campo de concentração de Auschwitz. Mais tarde Anne e sua irmã Margot foram transferidas para Bergen-belsen onde morreram vitimadas por tifo.
O diário de Anne Frank foi encontrado e guardado por Miep, ela tinha esperança que Anne voltasse, a guerra estava no fim, mas apenas o pai, Sr. Otto Frank, conseguiu escapar. Quando voltou do campo de concentração, Miep entregou ao pai o diário da filha e, aconselhado por amigos, ele resolveu publicá-lo. A 1ª edição do livro saiu 1947 e Otto Frank fez alguns cortes. Às vezes Anne era sincera demais e revelava certos fatos que o pai preferiu omitir. Depois saíram edições integrais.
Para conhecer melhor a vida dessa destemida jovem, o leitor poderá ler a biografia de Anne Frank (Ed. SM, 2006), ler os livros já citados da Editora Record e Bestbolso, ver o filme O Diário de Anne Frank , lançado em 1959. Existe outro filme mais recente – Anne Frank - The Whole Story, 2001.
Miep Geis, a guardiã do diário de Anne Frank, faleceu no dia 11 de janeiro de 2010, estava com 100 anos. Na história da 2ª Guerra Mundial, ela teve um papel semelhante ao de Schindler.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O Conde de Monte Cristo: desventuras e vingança


O Conde de Monte Cristo: desventuras e vingança

Alexandre Dumas é um desses homens que podem ser chamados de semeadores da civilização: ele saneia e melhora os espíritos... cria a sede de ler.
( Victor Hugo)

A editora Jorge Zahar brindou os leitores com a publicação em dois volumes do livro ”O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas, com tradução, apresentação e notas de André Telles e Rodrigo Lacerda. Este livro ganhou o Prêmio Jabuti/2009 de Tradução de obra literária Francês/Português.
“O Conde de Monte Cristo” apareceu, inicialmente, em folhetim, no Journal de Débats, em Paris, entre 1844 e 1846 e obteve grande sucesso de público. No Brasil, o texto foi publicado no Jornal do Commercio, em 1885, no Rio de Janeiro, e seguiu o mesmo molde do jornal francês (folhetim). Para escrever este livro, Alexandre Dumas contou com a colaboração de Auguste Maquet.
A tradução de André Telles e Rodrigo Lacerda se baseou nas melhores edições existentes sobre este livro – a da Plêiade e a de Calmann-Lévy, esta última em seis volumes. As notas explicativas que aparecem no corpo do livro foram redigidas a quatro mãos. 170 ilustrações originais dos artistas Gustave Staal, Jean-Adolphe Beaucé. Edmond Coppin e Dieudonné Lancelot estão incluídas nessa edição.
Na apresentação do livro, Rodrigo Lacerda destaca o percuciente ensaio de Antonio Candido – “Da Vingança”, incluído no livro “Tese e Antítese”. Nesse ensaio, Candido identifica a trajetória do personagem Edmond Dantès como um “tratado sobre os princípios da competição”.
O livro narra as desventuras de Edmond Dantès, um marinheiro preso em uma ilha solitária sob a falsa acusação de ser partidário do ex-imperador Napoleão Bonaparte. Depois de vários anos presos, Dantès trava conhecimento com um vizinho da prisão, um padre muito culto que lhe ensina “ciência e sabedoria” e línguas estrangeiras. Antes de morrer, o padre revela-lhe o segredo de um tesouro enterrado na ilha onde os dois estavam encarcerados. Ao conseguir fugir da prisão, Dantès sai à procura desse tesouro, encontra-o e se torna um homem muito rico.
Depois do calvário de desventuras, Dantès está livre, rico e poderoso, começa, então, a se vingar dos traidores. Quem são aqueles que merecem ser punidos? São os capitalistas, a nova aristocracia. Para derrotar e se vingar de seus rivais, o antigo marinheiro, agora Conde de Monte Cristo, vai se utilizar dos mesmos recursos dos seus inimigos – o dinheiro e o poder.
É, ainda, Antonio Candido quem faz esta afirmativa: “N’O Conde de Monte Cristo (a vingança) é no fundo a grande personagem. (...) Alguns anos de mistério são necessários para o Conde emergir do marinheiro, e do Conde a vingança. Em seguida, o exercício desta, com método e proficiência, pelo livro a fora. No fim o remorso, chave de ouro romântica entre todas.” ( Tese e Antítese:1964:18).
Esta história romântica e cheia de peripécias atraiu os poetas populares. A professora Idelette Muzart, no texto “O Conde de Monte Cristo nos folhetos de cordel: leitura e reescrituras de Alexandre Dumas por poetas populares”, publicado em “Estudos Avançados 14(39), 2000 afirma que o primeiro cordelista brasileiro a fazer a adaptação deste romance para folheto foi João Martins de Athayde - “ O romance de um sentenciado”. Alguns anos mais tarde, apareceu, do mesmo autor, “A vingança de um sentenciado ”.2º. volume e ‘A vingança de um sentenciado. Conclusão.”, 3º. Volume.
José Costa Leite, 25 ou 30 anos depois, publicou a versão desta história em dois volumes com os seguintes títulos: “Romance do Conde de Monte- Cristo” e “A vingança do Conde de Monte -Cristo”.
Os cordelistas se utilizam de vários artifícios quando recriam suas histórias – mudam os nomes dos personagens, criam um espaço próximo da sua realidade, atualizam o tempo cronológico. João Martins de Atahyde, no acróstico final do folheto “O romance de um sentenciado” dá a seguinte conclusão:

A sorte de Vicenar
T eve muito precipício
A mou, sofreu, e vingou-se
I rradiou benefício
D eus lhe ofertou Jaidê
E m troca do sacrifício.

Como podemos observar, o poeta popular mudou o nome das personagens. Edmond Dantès foi chamado de Vicenar e Haydée, sua amada, de Jaidê.
Victor Hugo, escritor do romantismo francês, admirava a criatividade de Alexandre Dumas e considerava-o um “semeador da civilização”. Em nossas leituras, sempre descobrimos novos semeadores. Que venham mais! Eles nos ajudam a criar a sede de ler.

( Jornal CONTRAPONTO.VARIEDADES, B-4, PARAÍBA, 15 A 21 DE JANEIRO DE 2010).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sebastiana e Severina: um drama nordestino


LIVROS&LITERATURA
Neide Medeiros Santos – crítica literária FNLIJ/PB

Sebastiana e Severina: um drama nordestino

Fazes renda de manhã
E fazes renda ao serão,
Se não fazes senão renda,
Que fazes do coração?
(Fernando Pessoa. Quadras ao gosto popular. 261)

O escritor e ilustrador pernambucano André Neves publicou, em 2002, pela editora DCL, o livro Sebastiana e Severina. A história trata de um drama amoroso que envolve duas moças rendeiras, moradoras da cidade São Sebastião de Umbuzeiro (PB), um moço forasteiro e uma feiticeira.
O tempo havia passado e as duas rendeiras já não dispunham da beleza da juventude, mas tinham um sonho: desejavam encontrar “um príncipe encantado” para casar. A chegada de Chico à cidade de Umbuzeiro, um homem bonito, alto e inteligente, despertou logo o interesse das duas moças.
Para cativar o coração do visitante valia tudo: cantar belas canções, fazer a renda mais bonita da festa, invocar os poderes mágicos de Dona Zefinha, a grande feiticeira da cidade. A disputa foi acirrada e a receita para conquistar Chico envolvia “pestanas de leão’, “unhas de anão”, “fígados de rato’, ‘bigodes de gato”.
O texto é apresentado em prosa e verso e o leitor entra no clima festivo do padroeiro da cidade de Umbuzeiro, São Sebastião. Valores culturais, comidas típicas, cantigas populares, artesanato, “o saber e o fazer” nordestinos são retratados por quem entende do “risco do bordado”.
Almofadas, bilros, rendas, retratos de São Sebastião e a paisagem nordestina/sertaneja passeiam pelas páginas do livro, dando um colorido especial à história.
O relato termina em tragédia. Sebastiana e Severina encontraram Chico, em uma noite de lua cheia, nas margens do açude, nos braços de Dona Zefinha. As duas moças foram traídas pela velha feiticeira. Resolveram, então, entrar em um barco, atravessar o açude para ir ao encontro do amado. O barco estava furado, foi se enchendo de água. Como não sabiam nadar, morreram afogadas, abraçadas uma à outra. Seus corpos sumiram nas águas escuras e profundas do açude, nenhum vestígio foi encontrado. Desapareceram para sempre. Na opinião de André Neves, só restou: “ a imaginação e encanto para criar as cores e as palavras deste livro”.
“Sebastiana e Severina” traz bonitas ilustrações. Cores fortes e vibrantes podem ser associadas ao sol nordestino e ao amor ardente que as duas moças devotavam a Chico. Nas últimas páginas, o azul profundo das águas e a cor cinza conotam morte e dor.
Este livro foi adaptado para o teatro pelo próprio autor. Duas atrizes participaram do elenco – Cristina Britto como Severina, e Karla Konká como Sebastiana. As duas atrizes se revezaram e representaram os papéis de Dona Zefinha e do forasteiro. A peça foi apresentada em João Pessoa, no Teatro Santa Rosa.
André Neves vem se dedicando à literatura infantil desde 1996 e desenvolve trabalhos como escritor, ilustrador, arte-educador e contador de histórias. Quando criança, passava as férias escolares de janeiro na cidade de Umbuzeiro, na casa de sua avó, e presenciou muitas festas do padroeiro da cidade. Essa vivência no sertão paraibano foi a base para criar a fantástica história de Sebastiana e Severina.
Não poderíamos deixar de registrar a opinião do editor e livreiro José Xavier Cortez sobre este livro. Cortez foi entrevistado por Marciano Vasques (Revista Palavra Fiandeira, No. 2), novembro de 2009 e deu o seguinte depoimento:
Foi após ter lido um livro infantil que tomei a decisão de investir nesse segmento. Ao ler Sebastiana e Severina, de André Neves, fiquei emocionado. O livro me influenciou e mudou os meus rumos, ampliando os caminhos da nossa editora (...) Um livro infantil fez isso! Toda a minha saudade, todo o meu sentimento, todas as minhas lembranças, a minha própria infância, tudo foi recuperado no livro, então abriu-se, a partir dessa leitura, um outro segmento para a nossa editora.
Julgamos necessário fazer este esclarecimento: A editora Cortez é dirigida por José Xavier Cortez, natural de Currais Novos (RN), e só publicava livros para adultos até 2004. Depois da leitura de Sebastiana e Severina, Cortez resolveu editar livros para crianças e jovens e já conta vitórias. Em 2008, Histórias tecidas em seda, escrito e ilustrado por Lúcia Hiratsuka e Leonardo desde Vinci, de Nilson Moulin, com ilustrações de Rubens Matuck, ganharam prêmios nacionais da FNLIJ.
Em tempo: Histórias tecidas em seda e Leonardo desde Vinci foram livros resenhados no jornal O Norte e integram os textos de Livros à espera do leitor ( Ed. Zarinha Centro de Cultura, 2009).

sábado, 2 de janeiro de 2010

LYGIA BOJUNGA: uma escritora universal


LIVROS&LITERATURA
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ-PB)

LYGIA BOJUNGA: uma escritora universal

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
(Alberto Caeiro, citado por Lygia Bojunga Nunes. Livro. Um encontro)

Lygia Bojunga Nunes foi a primeira escritora brasileira a receber o Prêmio Internacional Hans Christian Andersen (1982) de literatura infantil que equivale ao Nobel de literatura para adultos. Em (2000), outra brasileira conquistou o mesmo prêmio – Ana Maria Machado. Essas conquistas indicam que a literatura infantil brasileira vai muito bem.
O Prêmio Hans Christian Andersen é entregue ao vencedor durante a realização do Congresso IBBY que ocorre de dois em dois anos. Em 2008, o país escolhido foi a Dinamarca (Copenhague), terra de origem do autor que dá título ao prêmio. Em 2010, será em Santiago de Compostela.
Quando Lygia foi agraciada com o Prêmio Andersen, os membros do júri assim se manifestaram:
É um dos autores mais originais que já tivemos oportunidade de ler. Tem uma linguagem absolutamente própria, que prende o leitor. E cada frase tem uma mensagem subjacente.
(...)
Ainda que profundamente fiel às fontes brasileiras, tem uma ressonância universal. Vai ser um clássico mundial.
Esta parte do parecer dos jurados que transcrevemos se encontra no livro de Laura Sandroni De Lobato a Bojunga: as reinações renovadas. (Ed. Agir, 1987).
Lygia Bojunga ganhou outro prêmio internacional muito importante – o Prêmio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Awards), criado pelo governo da Suécia. É considerado o maior prêmio mundial em prol da literatura para crianças e jovens.
Com o dinheiro do prêmio, Lygia realizou o grande sonho de sua vida: criou a Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, destinada a apoiar projetos culturais. A casa funciona, também, como editora e abriga seus livros e suas personagens.
A produção literária de Lygia Bojunga foi objeto de muitas dissertações, de teses, variados estudos e análises. Na UFPB, a professora Margaret Asfora defendeu dissertação de Mestrado sobre a obra de Lygia nos idos de 1980.
Sob o ponto de vista linguístico, os livros desta autora são inovadores. Durante certo tempo, em Portugal, havia restrições à literatura de Lygia. Os portugueses queriam que a escritora escrevesse de um modo mais próximo do falar culto da língua portuguesa, Lygia resistiu e não cedeu aos caprichos dos irmãos lusitanos. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” dizia Camões, e o tempo se encarregou de destruir essa exigência mesquinha.
Em 2007, a publicação de Dos Vinte 1 marca um reencontro com o universo bojunguiano. Através de uma seleção cuidadosa feita pela autora, vamos encontrar excertos de textos de todos os seus livros. Quem pensava que Lygia estava encerrando sua carreira literária com essa seleção de textos, enganou-se. Em 2009, surge um novo título – “Querida”.
“Querida” trata de um tema recorrente na obra de Lygia – o problema da Arte. O protagonista desta novela é o menino Pollux que, após a morte do pai e o novo casamento da mãe, sente-se desprezado pela mãe e perseguido pelo padrasto. Pollux procura uma saída para resolver seu drama interior e vai à procura do tio Pacífico, um tipo excêntrico e distanciado da família que morava em um sítio distante do Rio de Janeiro. (Pollux morava no Rio com sua mãe). Até o nome do sítio é motivado semanticamente – “Retiro”.
O tio Pacífico guarda um segredo e Pollux vai tentar descobri-lo. Aquele tio, indiferente aos familiares, tinha uma história que despertava a curiosidade do menino. Pouco a pouco o leitor vai descortinando os mistérios da vida de Pacífico, tudo feito com muita sutileza e criatividade. Em cada frase descobre uma “mensagem subjacente”.
O Teatro e a Literatura se entrecruzam na vida de Pacifico e Pollux. Mais uma vez, Lygia privilegia as Artes. Sua iniciação artística começou com o teatro, depois enveredou para a literatura. Muitos livros dessa escritora se vinculam a essa experiência inicial. O monólogo “Livro. Um Encontro” que percorreu vários estados do Brasil, incluindo-se João Pessoa (Paraíba), é um atestado do seu apreço pelo gênero teatral.