sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Mulheres de Machado


            MULHERES DE MACHADO
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            Deve-se ler Machado não para compreender o Brasil, mas para ler grande literatura.
            (John Gledson. Por um novo Machado de Assis)
           
            “Mulheres de Machado” é uma coletânea com 17 contos, entre eles alguns bem conhecidos do leitor, como “Uns braços”, “Missa do galo”, “Miss Dollar”. Há contos que foram escritos no inicio da carreira do escritor e outros da fase da maturidade. O livro foi publicado pela editora SESI-SP, 2017, com apresentação de Hélio de Seixas Guimarães.

            Machado de Assis escreveu cerca de 200 contos. Embora não se negue a qualidade literária de contista do escritor, quando se compara com os romances eles são sempre relegados a um segundo plano.  Essa é a opinião de John Gledson, estudioso da obra machadiana. Lúcia Miguel Pereira,  grande conhecedora da obra de  Machado de Assis, considerava-o melhor contista do que romancista.

            A leitura dos dezessete textos da coletânea revela um traço comum.    As mulheres são sempre vistas sob o olhar masculino e se revelam nos pequenos gestos, na voz contida.  São protagonistas desses  contos, mas atuam de forma discreta, afinal estamos no século XIX e a mulher ainda teria que vencer os obstáculos impostos pela sociedade da época.

              Qual foi a visão que Machado  passou da atuação da mulher perante a sociedade do século XIX e início do século XX?  Através desses breves comentários  tento fornecer alguma luz,   ler o que está nas entrelinhas, o que não foi revelado totalmente, apenas sugerido.

            Como sempre ocorre nas histórias de Machado de Assis, o cenário escolhido é o Rio de Janeiro, capital do Brasil, onde residia a Corte  e  morava o escritor.  O conto “A pianista” retrata a época do segundo império e traz como protagonista Malvina, uma professora de piano que, por sua beleza e candura, desperta interesse em Tomás, filho de Tibério, dono de fábricas no Rio e pessoa de prestígio social.  Filha de uma viúva pobre, Malvina dava aulas de piano para ajudar a mãe nas despesas domésticas. O pai de Tomás, ao saber das pretensões amorosas do filho,  manda-o para Bahia a fim de afastá-lo da namorada indesejada. Queria uma nora rica e não uma simples professorinha de piano. Depois de passar um período na Bahia, Tomás volta para o Rio e sente que seu amor por Malvina não esmoreceu. Luta contra a oposição do pai que promete deserdá-lo caso casasse com a moça. Por fim, tudo se resolve a contento para os dois lados.

            Nesse conto, o escritor explora o preconceito social – uma moça pobre se enamora de um rapaz rico e surge oposição por parte da família do namorado. O final feliz se deve à maneira educada e amável de Malvina que, de forma sutil, acaba conquistando a confiança do sogro. Pode-se também atribuir a um ideal romântico, característica que marca  os primeiros romances e  contos machadianos.   

             “Confissões de uma viúva moça” atrai os leitores pelo título. É um conto  em que a protagonista relata para uma amiga, por meio  de cartas, o motivo de seu refúgio em Petrópolis  após a morte do marido. O enredo envolve uma mulher infeliz no casamento que se sente atraída por um sedutor indigno. Após a viuvez, liberta dos laços matrimoniais, o sedutor desaparece, isso provoca imenso sofrimento na viúva que resolve se retirar para a cidade serrana,  afastando-se da intensa vida social do Rio. Sabendo que, pela ousadia do tema, o conto poderia despertar protestos de uma sociedade dominada pelo puritanismo,  Machado publicou “Confissões de uma viúva moça” com o pseudônimo J.J. O jornal Correio Mercantil dirigiu irados ataques ao Jornal das Famílias, órgão responsável pela publicação deste conto.  Machado de Assis terminou revelando ser o verdadeiro autor do conto e tudo terminou com uma defesa assinada por Sigma (outro pseudônimo) que considerava o conto apenas realista e educativo.   Restou a dúvida: Quem seria Sigma? O próprio Machado ou algum amigo do escritor?

            Para John Gledson (2006, p. 41): “As mulheres, suas vidas, seus amores e frustrações são um dos temas que continuarão a preocupar Machado por toda sua carreira”.

            O leitor poderá se deliciar lendo ou relendo outros contos que se encontram no livro, como “Uns braços” e “Missa do galo”.   Neles irá encontrar personagens femininas que não se revelam inteiramente, elas se escondem e inspiram dúvidas.  Conceição, protagonista de “Missa do galo”,  e D. Severina, de “Uns braços”,  são mulheres sedutoras ou tudo não passou de conjecturas na mente de jovens adolescentes?  A grandiosidade de Machado está também nos pormenores, no pensamento reflexivo, no mínimo e no que está escondido.

            ( Texto publicado no jornal “Contraponto”, 2018) .


             POEMA DA SEMANA

                        SONETO CIRCULAR

                        A bela dama ruiva e descansada
                        De olhos langues, macios e perdidos,
                        C´um dos dedos calçados e compridos
                        Marca a recente página fechada.

                        Cuidei que, assim pensando, assim colada
                        Da fixa tela aos floridos tecidos,
                        Totalmente calados os sentidos,
                        Nada diria, totalmente nada.

                        Mas eis da tela se despega e anda,
                        E diz-me  - “Horácio, Heitor, Cibrão, Miranda,
                        C. Pinto, X. Silveira, F. Araújo,

                        Mandam-me aqui para viver contigo."
                        Ó bela dama, a ordens tais não fujo.
                        Que bons amigos são! Fica comigo.

                        ( Machado de Assis)

            Nota: Este soneto de Machado de Assis traz a data de 18 de abril de 1895 e foi publicado no jornal A Gazeta de Notícias.  Biógrafos do escritor contam a história deste poema: tudo parece ter começado com um quadro que Machado teria ganho de amigos e que pode ser visto por quem  visita hoje o acervo machadiano na Academia Brasileira de Letras. A tela é de Roberto Fontana.  Esta informação é de Marisa Lajolo e se encontra no livro “Histórias de quadros e leitores” ( Ed. Moderna,2006). Já visitei a ABL e vi in loco este belo quadro. Fica o convite para quem visitar a Academia Brasileira de Letras.