terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Mulheres Extraordinárias

 MULHERES EXTRAORDINÁRIAS
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            A pintura, mesmo com o doente calado, permite que você olhe, ainda que pelas frestas, para dentro do interno.
            (Nise da Silveira. O Globo, 1987).

            Duda Porto de Souza e Aryane Carraro escreveram o livro “Extraordinárias: mulheres que revolucionaram o Brasil”, selo da Editora Seguinte, 2017 (Companhia das Letras). Nove ilustradoras fizeram o trabalho de traçar o perfil fisionômico das 44 mulheres que contribuíram para o engrandecimento das letras, das artes, das causas sociais e da história do Brasil. Figuram 40 mulheres e quatro “abrasileiradas”. O livro se destina ao público jovem, mas poderá ser lido de forma prazerosa por todos – mulheres e homens, jovens e adultos.  

            Ao longo dos textos, aparecem explicações com o objetivo de torná-los mais acessível ao leitor.  Nas últimas páginas, encontram-se: “Linha do Tempo. A vida das mulheres no Brasil”, “Glossário” e informações sobre as autoras e as ilustradoras
......
            O livro seguiu uma ordem cronológica temporal.  O primeiro nome que desponta nesse variado universo feminino é o de Madalena Caramuru, a primeira brasileira alfabetizada. Não se sabe com precisão a data de seu nascimento, existe o registro de seu casamento em 1554 com o português Afonso Rodrigues. Madalena era filha do náufrago português Diogo Álvares Correia, casado com a índia Paraguaçu. Somente no século XVIII as meninas brasileiras passaram a frequentar as escolas, mas com muitas restrições. Há um fato relevante envolvendo Madalena, ela escreveu uma carta ao padre Manuel da Nóbrega pedindo o fim dos maus-tratos às crianças indígenas e o início de uma educação feminina com o aprendizado da leitura e da escrita. Esse pedido foi levado à rainha de Portugal, mas não foi colocado em prática. Além de ter sido a primeira mulher brasileira alfabetizada, Madalena lutou pelos direitos da mulher no século XVI.

A matriarca da família Alencar, Bárbara de Alencar, é outra figura feminina de destaque no cenário nacional. Nasceu em Exu (PE) em 1760 e morreu em 1832, em Fortaleza. Foi uma das primeiras prisioneiras políticas do Brasil. Foi presa por lutar contra o domínio português.  Após a independência do Brasil, Bárbara continuou contestando o autoritarismo do governo e opondo-se às políticas centralizadoras da Constituição do Império. O nome de Bárbara Alencar está gravado no Livro de Aço no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. No Livro de Aço, estão gravados os nomes dos heróis e heroínas da Pátria.     

Nísia Floresta é outra nordestina que merece figurar entre as mulheres extraordinárias. Seu nome verdadeiro era Dionísia Pinto Lisboa, depois de adulta resolveu adotar o pseudônimo de Nísia Floresta Augusta Brasileira. Natural de Papari (RN) nasceu em 1810 e morreu em Rouen, na França, em 1885.  Por sua inteligência, sua luta pela educação das mulheres, abolição da escravidão, liberdade para os índios e liberdade religiosa, Nísia Floresta ultrapassou as fronteiras do Brasil. Era um espírito revolucionário e publicou o primeiro livro de caráter feminista no Brasil quando contava apenas 22 anos – “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” (1832). Como educadora, batalhou por uma escola igualitária para meninos e meninas. . Com o segundo marido, Augusto, criou um educandário feminino no Rio de Janeiro e oferecia às meninas as mesmas disciplinas que eram ofertadas aos meninos. Em reconhecimento a seu trabalho pioneiro, a cidade de Papari mudou o nome para Nísia Floresta.

A presença da mulher nas artes plásticas do Brasil é recente. Um pouco antes do brilho de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, encontra-se a figura de Georgina de Albuquerque, nascida no interior de São Paulo (1885). Desde pequena, revelava pendores artísticos. Estudou pintura com o pintor italiano Rosalbino Santoro . Aos dezessete anos estava tão confiante da sua arte que enviou uma tela de sua autoria para a ENBA – Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. O quadro foi considerado excelente e os críticos de arte achavam que se tratava de uma cópia, viram depois que era um trabalho original. Georgina casou com o artista plástico Lucilo de Albuquerque e juntos foram estudar em Paris na École de Beaux-Arts e na Académie Julian. De volta ao Brasil, continuou sua carreira artística e em 1919 ganhou a Medalha de Ouro por seu quadro “Família”. Ela abriu caminho para outras pintoras e foi a primeira mulher a dirigir a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro.

A caricatura sempre foi a marca forte de Nair de Teffé. Nascida no Brasil, passou a infância e adolescência em diferentes países da Europa. Quando voltou a residir no Brasil estava com dezessete anos e já sabia o que queria fazer – caricatura. Inicialmente utilizou o pseudônimo de Rian em seus trabalhos. Sua estreia como caricaturista aconteceu na revista ilustrada Fon-Fon e colaborou em diversos periódicos e revistas do Rio de Janeiro. Nair foi casada com o Marechal Hermes da Fonseca que foi presidente do Brasil em concorrida eleição com Rui Barbosa.   Uma das charges mais famosas de Nair é a de Rui Barbosa que se tornou ridículo aos olhos da caricaturista. Até hoje são poucas as mulheres que lidam com a caricatura, Nair foi pioneira nessa arte.

Quando se fala em inovação no campo da psiquiatria brasileira aflora o nome da Dra. Nise da Silveira, médica alagoana que foi uma revolucionária nas ideias políticas e na medicina. Presa no governo ditatorial de Getúlio Vargas sob a acusação de comunista, Dra. Nise conviveu com Graciliano Ramos e Olga Benário no período em que esteve presa no Rio de Janeiro.  Adepta da psicologia junguiana, fundou a Casa das Palmeiras e deu início a um trabalho terapêutico em prol dos doentes mentais que foi reconhecido internacionalmente. Ela pregava o tratamento psiquiátrico através da arte, dos trabalhos manuais e da fraterna convivência com cães e gatos.  É autora de vários livros, entre eles “Jung: vida e obra”. No estado de Alagoas, a Medalha Nise da Silveira é concedida a mulheres que se destacam nas letras e nas artes.

Entre as quatro mulheres abrasileiradas, desponta Dorothy Stang, uma missionária americana que dedicou quarenta anos de sua vida em defesa do desenvolvimento sustentável da Amazônia e dos direitos dos camponeses. O brutal assassinato de que foi vítima comoveu a todos. Seu nome ficou gravado para sempre entre aqueles que lutaram por um Brasil mais justo, mais fraterno e mais humano.

Há muitas outras mulheres que desempenharam papéis importantes na história do Brasil. Você é convidado a ler este livro e conhecer mais um pouco sobre a vida e o trabalho de outras mulheres extraordinárias.  

( Publicado no jornal "Contraponto". Paraíba, fevereiro de 2018) 


POEMA DA SEMANA
MULHER PROLETÁRIA
MULHER PROLETÁRIA - única fábrica
que o operário tem, (fábrica de filhos)
            tu
na tua superprodução de máquinas humanas
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.

            Mulher proletária
o operário, teu proprietário,
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar teu proprietário.

( Jorge de Lima. Poemas Escolhidos).