domingo, 24 de abril de 2016

Monteiro Lobato: pintor, escritor, editor
            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

            Tudo morre, tudo passa, tudo desaparece levado pelo rio do Tempo- menos a obra de arte. Como Camões produziu uma verdadeira obra de arte, não morreu – está sempre vivo na memória dos homens.
            (Monteiro Lobato. In: Geografia de Dona Benta).

            O dia 18 de abril é consagrado ao livro infantil no Brasil. Nessa data nasceu na cidade de Taubaté (SP), em 1882, o escritor que dedicou grande parte de sua vida a escrever livros para crianças – Monteiro Lobato.  

            A professora Marisa Lajolo, estudiosa da obra do escritor, afirma que Lobato era um homem de sete instrumentos, como gato de sete vidas e por viver tantas vidas, ainda hoje gera polêmicas tão acesas quanto aquelas que vivenciou na década de 1930,  apregoando a existência do petróleo no Brasil ou quando condenava a queima das matas como um fator de poluição ao meio ambiente.  

            Vamos examinar algumas dessas facetas desse artista múltiplo, começando pela pintura. Antes de dedicar-se à literatura, Lobato pensou em ser pintor e deixou o registro dessa fase em aquarelas da cidade de Taubaté, da fazenda Buquira e fez caricaturas para a revista Fon-Fon. O desenho mais antigo de Lobato foi feito quando contava seis anos de idade. Desenhou laranjeiras carregadas de copas redondas, trabalho realizado na Fazenda Santa Maria, em Taubaté. Aos dez anos, fez o desenho de um lago cercado por árvores e dedicou à sua avó.

            Monteiro Lobato foi criado pelo avô que tinha outros planos para o neto, não queria que fosse apenas pintor, tinha ambições mais altas.  Em um período de valorização dos bacharéis (primeiros anos do século XX), o avô desejava ver o neto formado em Direito e foi incutindo pouco a pouco no jovem esse desejo e viu realizada sua vontade. O neto seguiu o curso de Direito, mas  em nenhum momento pensou em abandonar de vez os pincéis e as tintas. Ele mesmo confessou, certa vez, que a pintura era uma antiga paixão que teimava em reaparecer como urticária crônica e dizia que sofria de uma pequena crise pictórica.

            No livro “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúnida” é possível conhecer quadros que apresentam as diferentes fases e as técnicas utilizadas pelo pintor no seu trilhar artístico: aquarela, nanquim, óleo.

            Como escritor, Lobato não iniciou sua vida literária escrevendo para crianças, inicialmente se dedicou “aos marmanjos”, e escreveu livros de contos – “Urupês” e “Cidades Mortas”. Depois enveredou para a literatura infantil, adotando uma linguagem que primava pela “ oralidade, despojamento sintático e criação vocabular”. 
  
             É na literatura para crianças que Lobato encontrou seu verdadeiro caminho.  Em 1921, lançou o livro “Narizinho Arrebitado” que conquistou o público infantil. O livro foi adotado nas escolas públicas de São Paulo e o sucesso extrapolou os limites regionais. Nascia aí o cenário idílico do Sítio do Picapau Amarelo e os personagens marcantes desse universo – Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa, Dona Benta e tia Nastácia, entre muitos outros que iriam morar na cabecinha das crianças brasileiras. Esse era o grande sonho de Lobato – escrever livros onde as crianças pudessem morar neles. O sonho foi realizado.  

            Iniciando a carreira literária como escritor, Lobato foi  depois editor de seus próprios livros, por fim editor de obras alheias. Em 1918, comprou a “Revista do Brasil” e sonhou mais alto – tinha esperanças de possuir uma casa editora e conseguiu realizar o que planejara, criou a editora Monteiro Lobato & Cia e editou livros de escritores e poetas brasileiros,  como Lima Barreto e Olavo Bilac, mas surgiram várias crises – crise no setor elétrico, crise de água da Cantareira ( problema antigo),  setor bancário e a editora se tornou inviável, veio a falência, mas Lobato resistiu e partiu para novas aventuras literárias e para outras lutas.

Em 1925, transferiu-se para o Rio de Janeiro e passou a colaborar com os jornais do Rio, depois foi morar nos Estados Unidos como adido comercial do Brasil em Nova York. Ficou entusiasmado com o progresso daquele país que vivia uma efervescência industrial. Um fato que muito lhe chamou a atenção foi o grande número de bibliotecas nos Estados Unidos.  Veio a queda da Bolsa de Nova York em 1929 e Lobato resolveu regressar ao Brasil.  Um novo recomeço.

De volta ao Brasil, trabalhou muito para sobreviver, passava horas e mais horas na máquina de escrever, mergulhava nos seus textos e produzia novas histórias para crianças, incentivava a formação de companhias para a exploração do petróleo.   Mais uma vez suas ideias não encontraram  eco. Os trustes americanos boicotaram  seu projeto da Fundação da Companhia de Petróleo Nacional. Era  uma frustração para quem sempre lutou para ver um Brasil próspero, independente, com pessoas instruídas  e produzindo petróleo.  

Nos últimos anos de vida, Monteiro Lobato se mudou para Argentina, publicou livros que tiveram boa aceitação entre as crianças e fundou com amigos uma nova editora – Acteon. Sentiu saudades do Brasil e voltou  doente e um pouco desiludido. Em 5 de julho de 1948, o escritor despediu-se da vida, uma vida toda dedicada à literatura, à educação. Foi um grande brasileiro  que deixou um legado para  as gerações futuras.

            Durante quarenta anos Lobato manteve correspondência com o juiz e escritor bissexto Godofredo Rangel.  Seus pensamentos, suas ideias, estão explícitas nessa vasta correspondência que foi reunida em dois volumes com o título “A Barca de Gleyre”. Esse título remete à tela do pintor francês Charles Marc-Gabriel Gleyre, denominado “Le Soir, ou Les Illusions Perdues” Mais uma vez é a presença da pintura na vida do escritor.

            Na fala de Dona Benta aos meninos do sítio do Picapau Amarelo, ela apregoa que as verdadeiras obras de arte não morrem. Quase setenta anos se passaram da morte de Lobato, mas ele continua vivo na memória dos seus leitores, continua sendo estudado, divulgado, analisado e gerando polêmicas. Está vivíssimo.
           
( Texto publicado no jornal "Contraponto" - 18 a 24 de abril de 2016)