sábado, 25 de outubro de 2008

lista de honra ibby 2008



Lista de Honra IBBY/2008
(Neide Medeiros Santos – crítica literária FNLIJ/PB)

O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
(Mário Quintana. Caderno H).

Dois livros publicados no Brasil – Lampião e Lancelote, de Fernando Vilela (texto e ilustração), da CosacNaify, e Os Corvos de Pearblossom, de Aldous Huxley, editora Record, ilustrações de Beatrice Alemagna, com tradução de Luiz Antônio Aguiar, figuraram na Lista de Honra do 31º. Congresso do IBBY (International Board on Books for Young People), realizado em Copenhague, entre os dias 7 e 10 de setembro de 2008.
O livro de Fernando Vilela já havia conquistado, em 2007, vários prêmios no Brasil – Melhor livro de Poesia da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil 2007, Melhor Projeto Editorial e Melhor Ilustração da mesma Fundação, Jabuti 2007, na categoria de livro infantil. A escolha de Lampião e Lancelote, na lista de Honra IBBY/2008, não causou surpresa entre os especialistas de literatura infantil.
Os Corvos de Pearblossom recebeu, no Brasil, o prêmio de Melhor Tradução pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil em 2007. Luiz Antônio Aguiar é autor consagrado de livros infanto-juvenis e tem feito ótimas traduções na área dos livros destinados a crianças e jovens.
É sobre os dois livros premiados que voltamos nossa atenção.
Para escrever Lampião e Lancelote, Fernando Vilela imaginou um encontro inusitado entre dois cavaleiros – Lancelote (cavaleiro medieval) e Lampião (cangaceiro nordestino).
O cavaleiro medieval considera a luta como uma “justa”; o cangaceiro, “um duelo”. A disputa é ferrenha entre os dois cavaleiros, mas é uma luta de caráter mais cultural do que física, e o embate se verifica, principalmente, entre a linguagem de cavalaria e a linguagem de cordel.
Quem será o vencedor? Quem é o melhor repentista? Cabe ao leitor fazer a leitura do livro e tirar suas conclusões.
Lancelote se utiliza da setilha, versos de sete sílabas para desafiar Lampião, e o cangaceiro empregou a sextilha, a métrica mais tradicional do cordel, para desbancar o cavaleiro medieval.
Texto em prosa e em poesia, espadas, entrecruzar de armas, lanças e flechas atravessam todas as páginas do livro, conferindo um colorido especial e atraente.
Fernando Vilela recorreu aos desenhos que aparecem nos livros da Idade Média para representar Lancelote e as xilogravuras nordestinas e as fotografias da época do cangaço serviram para retratar a indumentária do cangaceiro Lampião. A prata, o cobre e o negro são as cores utilizadas nas ilustrações.
A respeito do livro Lampião e Lancelote, Bráulio Tavares, profundo conhecedor do cordel e ele mesmo autor de cordéis, assim se expressou:
As aventuras de cavaleiros medievais estão no repertório dos livros infantis e juvenis do mundo inteiro. Já as histórias de cangaceiros são um dos ciclos mais populares da literatura de cordel nordestina. Para o ilustrador e autor Fernando Vilela, o encontro entre o cavaleiro Lancelote e o cangaceiro Lampião foi uma idéia irresistível, que lhe permitiu mostrar as semelhanças entre dois universos que parecem distantes. (Contra capa do livro Lampião e Lancelote).
Os Corvos de Pearblossom, como todo livro, tem sua história. Aldous Huxley escreveu este livro para sua sobrinha Olívia Melusine de Haulleville que gostava de visitar os tios que moravam em Llano, no Antelope Valley, deserto de Mojave, Califórnia.
Aldous Huxley e a esposa viviam muito isolados e a sobrinha costumava passar as férias com a família Huxley, eles davam longos passeios com Olívia e contavam histórias para entretê-la. Foi o único livro que Huxley escreveu para crianças. Durante muitos anos a história ficou esquecida, guardada, só depois de três anos da morte do autor, apareceu a 1ª. edição (1967). O livro alcançou sucesso desde a 1ª edição e muitas outras se seguiram. Em 2006, Luiz Antônio Aguiar fez a tradução para o português.
O conto é bem simples – um casal de corvos observa que os ovos que a senhora corvo põe no ninho desaparecem misteriosamente. Certo dia a mãe regressa mais cedo para casa e encontra o ladrão com a “mão na botija”, era uma serpente. A partir dessa descoberta, começa a luta do casal para se livrar de tão terrível animal e a sábia coruja vai ajudá-los na empreitada.
Embora se utilize de poucas cores, Beatrice Alemagna fez belas ilustrações para este livro. O tamanho descomunal da serpente contrasta com os diminutos corvos. Beatrice teve a preocupação de utilizar cores neutras – cinza e tons ocres para representar a região árida do deserto de Mojave.
Estes dois livros, que consideramos objetos de arte, devem constar nas estantes dos bons leitores e como estamos nos aproximando do Natal vamos seguir o exemplo de muitas pessoas – dar presentes de livros. Lampião e Lancelote e os Corvos de Pearblossom serão bem-vindos como presentes de Natal para crianças e adolescentes. São livros-companheiros para toda a vida.





terça-feira, 21 de outubro de 2008

lembranças da revista tico-tico


Lembranças da revista O Tico-Tico
Neide Medeiros Santos – Professora e crítica literária

A criança está perdendo a infância, a infância que eu tive lendo o meu Tico-Tico, Almanaque d´O Tico-Tico.
(Lygia Fagundes Telles)

Para quem nasceu na primeira metade do século passado, a publicação comemorativa do centenário da revista O Tico- Tico (Vinhedo: SP: Opera Graphica Editora, 2005) foi um verdadeiro presente.
No prefácio da luxuosa e bem cuidada edição, Sérgio Augusto afirma que essa revista fez mais pela educação do Brasil do que todos os ministros que disso se encarregaram nos últimos cem anos. (p.6)
A revista O Tico- Tico nasceu em 1905, no dia 11 de outubro de 1905, e durante quase seis décadas educou e divertiu várias gerações de brasileiros, como Francisco Campos, Gustavo Barroso, Assis Chateaubriand e os acadêmicos Josué Montello e Raimundo Magalhães Júnior. Os intelectuais Alceu Amoroso Lima e Gilberto Freyre também foram leitores de O Tico-Tico. Conta-se que Rui Barbosa era leitor assíduo da revista e, certa vez, quando lhe pediram para explicar uma informação que dera, disse: Ora, tirei do Tico-Tico.
Ainda, com relação a Rui Barbosa, Rejane M.M.A. Magalhães, no depoimento do capítulo 24, declara que:
Rui Barbosa todas as semanas comprava O Tico-Tico para os netos, mas era o primeiro a ler a revista. Numa das ocasiões, o Desembargador Palma, seu amigo, encontrou-o mergulhado na leitura e gracejou: “Você virou criança?” Ruy, sério, respondeu: “O espírito tem necessidade de distrações amenas , e nada melhor para conservá-lo jovem do que as leituras infantis.” (p. 185)
O criador da revista foi Luís Bartolomeu de Sousa e Silva que já editava O Malho e Renato de Castro é considerado o pai d´O Tico-Tico. Foi uma revista pioneira nas histórias em quadrinhos no Brasil. Era uma leitura mais destinada para meninos, mas era lido também por meninas.
Na coletânea Memórias Rendilhadas: vozes femininas (João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006), as escritoras Mila Cerqueira, Socorro Loureiro, Vitória Lima e Yolanda Limeira fazem referências à revista O Tico-Tico. Socorro Loureiro achava delicioso ler, no Almanaque Tico- Tico, as aventuras de Reco-Reco, Bolão e Azeitona. Dar gostosas gargalhadas com as trapalhadas do casal Zé Macaco e Faustina. (p.77)
Esses depoimentos das mulheres escritoras comprovam a grande aceitação dessa revista pelo público infantil, independente da região e do sexo. O Tico-Tico não conhecia fronteiras, era lido no Sul/Sudeste, Norte/ Nordeste do Brasil.
A edição comemorativa do centenário da revista apresenta, entre outras coisas, uma entrevista com o bibliófilo José Mindlin. Mindlin permitiu que os organizadores do livro consultassem a sua coleção particular de livros e revistas na vasta biblioteca que reuniu através dos anos e fotografassem o 1º. número da revista O Tico – Tico.
A paixão pelos livros do bibliófilo Mindlin transparece em vários momentos dessa entrevista. O cultor dos livros não sente o peso dos anos (91 anos na época da entrevista, 2003) e fala sobre projetos de incentivo à leitura – “Estado Leitor”, uma idéia de transformar o estado de São Paulo em um “estado leitor” através de investimentos na formação dos professores. Outro projeto de Mindlin é instituir nas escolas a hora “Prazer da Leitura”. Nesse caso, a leitura não seria uma obrigação nas aulas, mas uma fonte de prazer. Professores e alunos, em conjunto, comentariam os livros, fariam leitura em voz alta, emitiriam opiniões sobre os livros. Estas sugestões podem ser seguidas por outros estados do Brasil.
Há, ainda, depoimentos de escritores e textos de críticos analisando a revista sob vários ângulos: psicológico, jornalístico, pedagógico, sociológico. Dentro desse rico universo de depoimentos, não poderíamos deixar de citar o belo texto de Moacyr Cirne:
Sou do interior do Rio Grande do Norte, sertão do Seridó, nascido em 1943. Aprendi a ler através de O Tico-Tico, no final dos anos 40. Quem o adquiria era minha mãe, que me ensinou a penetrar em seu mundo vocabular, ao mesmo tempo em que eu “lia” as imagens. Reco-Reco, Bolão e Azeitona, de Luiz Sá, por exemplo, eram personagens que me encantavam vivamente. Confesso: tudo aquilo era muito mágico, era muito envolvente. (Capítulo 6, p. 55).
Para os depoimentos que abrem os capítulos foram escolhidas pessoas que tiveram uma relação emocional com a revista, como José Mindlin, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Cirne, Moacyr Scliar, Ziraldo, Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade.
Na página 172, capítulo 21, com o título O Tico-Tico e a Cultura Nacional, o leitor encontra a reprodução da crônica de Drummond, publicada no Correio da Manhã – Um passarinho, uma crônica cheia de poesia e de humor, uma homenagem à revista que foi pai e avô de muita gente importante.
É possível descobrir fatos interessantes e pouco conhecidos do público lendo esta edição comemorativa dos 100 anos. Sérgio Buarque de Holanda, mais conhecido como pai de Chico Buarque e autor de Raízes do Brasil e Visões do Paraíso, quando tinha 9 anos compôs a valsa “Vitória Régia” que foi publicada na revista O Tico-Tico. Compor valsinhas é, portanto, uma tradição da família Buarque de Holanda.
Entre os poetas e romancistas que colaboraram com a revista, destacam-se: Coelho Neto, Bastos Tigre, Malba Tahan, Osvaldo Orico, Josué Montello. Figuravam entre desenhistas e cartunistas: Ângelo Agostini, Alfredo Storni, Luiz de Sá, J. Carlos.
Colada na contra capa interna, o leitor encontra uma reprodução integral de O Tico-Tico número 1. É uma edição fac-símile.
Se houve influências americanas e francesas nos quadrinhos da revista O Tico- Tico pouco importa. A revista marcou época e deixou boas lembranças nos assíduos leitores de um tempo em que a leitura era o passatempo predileto das crianças.
Não fui leitora de O Tico-Tico, mas esta edição comemorativa do centenário da primeira revista de quadrinhos do Brasil veio preencher o vazio da leitura que deveria ter sido e que não foi.







marc chagall e suas imagens aladas



Marc Chagall e suas figuras aladas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

“Só é minha
a terra que está
em minha alma.” (...)
(Marc Chagall. Trecho do poema Minha Terra).

Marc Chagall nasceu em 1887, na cidade de Vitebsk, na Rússia. Seu nome verdadeiro era Moshe Segall, mais tarde adotou o nome artístico de Marc Chagall e assim ficou conhecido no mundo das artes plásticas.
Embora tenha vivido grande parte de sua vida fora da Rússia, o bairro judeu de Vitesbsk , sua cidade natal, os músicos, os rabinos, cabras, bois e galinhas estão sempre presentes em seus quadros e murais. Pessoas, animais, objetos são retratados como figuras aladas.
Para conhecer mais sobre a vida aventurosa do precursor da pintura surrealista, encaminhamos o leitor para o bonito livro de Bimba Landmann Como me tornei Marc Chagall (Editora SM, 2007).
Bimba Landmann se utilizou do livro autobiográfico de Chagall (Minha Vida) e conta a história deste pintor que conseguiu alcançar sucesso na França e nos Estados Unidos, recriando o mundo através da pintura. Chagall também escreveu poesias.
Um pintor com alma de poeta, assim o romancista Henry Miller se referia a Marc Chagall.
Certa vez perguntaram a Chagall porque ele pintava cabras e peixes que voavam, violinistas de rosto verde trepados em telhados, casas que boiavam no céu de cabeça para baixo e ele respondeu de forma poética:
“Pintei meu mundo, minha vida
aquilo que vi e aquilo que sonhei:
pintei minha Rússia querida,
a Vitesbsk onde nasci,
o bairro dos judeus pobres onde cresci,
assim como os via quando era criança,
quando meu nome era Moshe Segall”.
Chagall morreu com 97 anos e morou muito anos na França. Em 1963, atendendo a um convite do governo francês, pintou o teto da Ópera de Paris. A respeito desse fato, Jude Welton, no livro Marc Chagall (Ed. Ática, 2006), afirma que alguns críticos foram contra a idéia de um judeu russo decorar esse monumento nacional francês, outros consideravam que a arte moderna era inadequada para um edifício do século XIX. Chagall estava com 77 anos. Quando a pintura ficou pronta, todos concordaram que o resultado foi uma obra-prima. Um crítico escreveu:
“Dessa vez, os melhores lugares do teatro são os mais altos”.
Se livros são destruídos nas guerras, nos regimes totalitários, os artistas (pintores) e seus quadros também são vítimas de perseguições.
Em 1933, foi organizada, na Basiléia, Suíça, uma grande retrospectiva em homenagem a Chagall e, nessa mesma época, na Alemanha, seus quadros foram queimados por ordem do governo nazista. Eram obras de um judeu, foi a justificativa.
Os déspotas não entendem que a Arte desconhece as fronteiras de raça, credo. O Belo deve ser admirado por todos, independente de ideologias.
Chagall era religioso, temente a Deus, e cenas bíblicas aparecem sempre na sua pintura, nos vitrais. Um dos seus quadros mais conhecidos traz o título Solidão. Nesse quadro, Chagall retratou uma vaquinha tranqüila, deitada junto a um violino, casas russas em um plano de fundo e uma enorme figura de um judeu em primeiro plano. O judeu se apresenta como uma pessoa melancólica, pensativa, segurando um rolo de Torá, o livro sagrado dos judeus. Complementando a cena, vemos um anjo voando. Anjos são imagens recorrentes nos quadros de Chagall.
Os vitrais das igrejas foram outra paixão de Chagall e o pintor só começou a se dedicar a essa arte aos 70 anos. O vitral da janela da Catedral de Chichester foi terminado quando Chagall tinha mais de 90 anos.
O crítico brasileiro Ferreira Gullar escreveu um livro que analisa, com bastante lucidez, obras de arte de artistas nacionais e internacionais e Chagall é objeto de análise de um artigo do crítico de arte. O livro de Gullar foi editado pela Cosac&Naify em 2003 e traz o título de “Relâmpagos”. É leitura essencial para quem gosta de Arte.
Para conhecer um pouco da obra de Marc Chagall, indicamos esses dois livros: “Como me tornei Marc Chagall” (Ed. SM) e “Marc Chagall” (Ed. Ática). São livros indicados para um público juvenil e para todo leitor que gosta de Arte. São livros bem escritos, com boa ilustração e que apresentam um pouco da vida e da obra artística desse cidadão do mundo.
No Brasil, é possível admirar alguns quadros de Chagall nos museus MAC-USP, São Paulo; MASP – São Paulo; MAB FAAP – Museu de Arte Brasileira, São Paulo; MNBA – Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador.
Se você for a uma dessas cidades brasileiras (São Paulo, Rio e Salvador), aproveite para visitar os museus e procure ver os quadros de Marc Chagall. Enquanto a viagem não chega, a leitura desses dois livros vão suprir a ausência do que os olhos não vêem.
(Em tempo): O crítico brasileiro Antonio Candido, que teve alguns aspectos de sua obra analisada no artigo – Antonio Candido – um mestre da crítica literária no Brasil (O Norte, Show, C4, 02 de agosto de 2008), recebeu, no dia 20 de agosto, o Troféu Juca Pato, Intelectual do Ano, da União Brasileira de Escritores de São Paulo.




















sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O gosto de brincar com as palavras





O gosto de brincar com as palavras

 (Neide Medeiros Santos – Ensaísta e Crítica literária – FNLIJ/PB)

 

  Palavras

Gosto de brincar com elas.

Tenho preguiça de ser sério.

(Manoel de Barros. Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo).

 

Manoel Wenceslau Leite de Barros, ou simplesmente Manoel de Barros como é conhecido nacionalmente, nasceu em Cuiabá, em 1916, estudou e formou-se em Direito no Rio de Janeiro e por lá trabalhou durante muitos anos.  Na década de 60, aposentado das atividades profissionais, voltou para seu estado natal. Atualmente mora em uma fazenda nas proximidades de Campo Grande.

A carreira literária do poeta teve início na década de 30, com a publicação de livro “Poemas concebidos sem pecado” (1937). Somente nos anos 60, livre de outros compromissos, o poeta se dedicou às atividades agrícolas e, de maneira mais intensa, à poesia.

Ricardo Alexandre Rodrigues, na sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2006, com o título A Poética da Desutilidade. Um passeio pela poesia de Manoel de Barros afirma que, embora tenha publicado vários livros entre os anos 40 e 70, o reconhecimento do público só aconteceu por volta dos anos 80. O ensaísta lembra que as composições de Manoel de Barros nos despertam para reflexões em torno da poesia e de suas brincadeiras com as palavras. 

 Se fizermos um levantamento em torno da produção literária de Manoel de Barros, iremos constatar que a partir dos anos 80 o poeta intensificou a publicação de livros, mas foi em 2000 que o poeta começou a escrever livros destinados ao público infantil. Será que Exercícios de ser criança (2000), O Fazedor de Amanhecer (2001), Cantigas para um passarinho à toa (2003) e Poeminha em língua de brincar (2007) são livros para crianças? Sabemos que os rótulos nem sempre são fiéis ao conteúdo do texto literário, por isso preferimos dizer que, nesses livros, afloram sentimentos inerentes à criança e o leitor infantil se identifica com o poeta que sabe dar voz às pedras, aos passarinhos, às árvores.

 Exercícios de ser criança recebeu o Prêmio Odylo Costa filho (2000),  na categoria de poesia, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e Prêmio da Academia Brasileira de Letras nesse mesmo ano. As belíssimas ilustrações da família Dumont para esse livro formam um rendilhado perfeito entre texto (poemas) e tecido (bordados das irmãs Dumont, sob desenhos de Demóstenes Vargas).

O Fazedor de Amanhecer, com ilustrações de Ziraldo, ganhou em 2002 o Prêmio Jabuti de Literatura na categoria livro de ficção; agora, em 2008, Poeminha em língua de brincar, com ilustrações de Martha Barros, ganhou o Prêmio FNLIJ Odylo Costa filho – O Melhor Livro de Poesia. É sobre este último livro de Manoel de Barros que iremos tecer algumas considerações.

Em Poeminha em língua de brincar, o poeta escolhe, cuidadosamente, cada palavra e vai tecendo uma renda que às vezes é labirinto, como neste exemplo:

Gostava mais de fazer floreios com as palavras do que de fazer idéias com elas.

 Outras vezes é renascença:

 Pois frases são letras sonhadas, não têm peso,

nem consistência de corda para agüentar uma rã em cima dela.

O labirinto é um bordado feito à mão, cheio de floreios; a renascença é uma renda tecida ponto por ponto, muito fina, delicada, leve, muito leve, quase sem peso.

Como as bordadeiras nordestinas que brincam com as linhas e os desenhos, construindo rendas e sonhos, o poeta brinca com as palavras e constrói poemas.  

 Martha Barros fez as ilustrações do livro. A capa se assemelha a um rio com peixes que flutuam em águas alaranjadas, ou será um pauta com notas musicais, povoada de meninos e passarinhos? Talvez o menino travesso saiba responder.

Nas páginas internas do livro, as ilustrações que acompanham os poemas guardam afinidades com desenhos e letras de um menino aprendiz.

As duas linguagens (verbal e pictórica) se enlaçam, se abraçam, caminham pari-passu formando um único texto, rico em simbologias. O poeta e a ilustradora têm uma maneira particular de “transver” o mundo.

Manoel de Barros, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil  (Caderno Idéias, 30 de março de 2002) afirmou que trabalha cada letra, cada sílaba, cada palavra para conseguir certa harmonia para o verso ou a palavra. O apuramento na escolha de cada palavra, cada verso em Poeminha em língua de brincar comprova que estamos diante de um poeta comprometido com a linguagem e consciente do fazer poético.  

terça-feira, 14 de outubro de 2008

DILA - O ARTISTA DO POVO, O POETA DA MAO


DILA – O ARTISTA DO POVO, O POETA DA MÃO 
Neide Medeiros Santos 

O poeta popular Dila adota vários nomes – José Soares da Silva, José Cavalcanti Ferreira e Dila José Ferreira. Sua biografia vem envolvida de um certo mistério: antes de se estabelecer em Caruaru (PE), ele afirma que teria sido um dos integrantes do grupo de Lampião ou irmão de Lampião. Nasceu em 1937, na cidade de Bom Jardim (PE), sinal de que a sua afirmativa é fruto de fértil imaginação.
Como poeta popular, já publicou inúmeros folhetos, quase todos voltados para a temática do cangaço. Na sua tipografia, que funciona na casa onde mora com a mulher e os filhos, em Caruaru, Rua Antônio Satu, 36, conserva, sobre Lampião e cangaceiros, exemplares de folhetos de sua autoria que somam mais de cem títulos. Em alguns folhetos, além do seu próprio nome, Dila José Ferreira da Silva, acrescenta outros, como Barba Nova, no folheto Zé Baiano; e Marechal do Cordel do Cangaço, no folheto Viver de Cangaceiro.
O professor e pesquisador de literatura popular, Roberto Câmara Benjamin(1), um profundo conhecedor da arte do xilógrafo, faz uma pertinente observação a respeito das ilustrações que aparecem nas capas de seus folhetos: Dila se auto-retrata nas capas dos folhetos em trajes de cangaceiro. Examinando mais de cinqüenta folhetos do autor, atestamos a validade da observação do pesquisador. No livro Guriatã: um cordel para menino (2), livro de poemas do poeta pernambucano Marcus Accioly, Dila faz um auto-retrato em uma das páginas do livro e, nesse auto-retrato, não está vestido de cangaceiro, o que constitui uma raridade.
Como poeta da palavra, Dila está distante de Leandro Gomes de Barros ou mesmo de Manoel Camilo dos Santos: falta-lhe sopro poético. Escreve versos, geralmente em sextilhas, e as histórias não obedecem a uma seqüência lógica. Aproveita os versos das capas dos folhetos para fazer propaganda de sua tipografia e de outros estabelecimentos comerciais de Caruaru.
É como poeta da mão, e aqui usamos uma expressão de Bachelard (2) que o trabalho de Dila se destaca. No ensaio Matéria e Mão, Bachelard analisa o trabalho do gravador e averba: A gravura é a arte que não pode enganar. É pré-histórica, pré-humana.
Os desenhos feitos por Dila apresentam as características mencionadas por Bachelard – são primitivos e ligam-se a um tempo pré-histórico. Os animais (bois, touros,cães) e os instrumentos de corte ( faca, facão, quicé, lâminas), que ilustram o livro Guriatã: um cordel para menino, trazem a marca da gravura primitiva.
O professor Roberto Benjamin (3), na comunicação apresentada no IX Encontro Nacional de Pós-Graduação em Letras e Lingüística, com o título Em torno do texto- aparatos dos livros populares - Dila editor popular, chama-nos a atenção para algumas técnicas empregadas pelo xilógrafo que o tornam um artista singular. Dentre as técnicas inovadoras, Benjamin destaca a introdução da borracha como matéria prima em substituição à madeira. Sem recorrer a sofisticados processos químicos, Dila obtém resultados semelhantes à impressão off-set, daí Benjamin denominá-la folk-off-set. Outra técnica utilizada por Dila na produção de xilogravuras é a impressão das capas de folhetos e álbuns em cores. Benjamin atribui esse recurso à grande aceitação popular dos folhetos editados pela Luzeiro de São Paulo, com capas em policromia industriais. Dila procurou competir com a tipografia Luzeiro, oferecendo aos leitores de cordel capas também coloridas.
Em Guriatã: um cordel para menino, Dila não utilizou o recurso das cores. A xilogravura impressa em quase todas as páginas do livro segue o caminho tradicional ( preto e branco). O poeta da mão procurou traduzir plasticamente a linguagem verbal: Accioly vai descrevendo paisagens, animais, mitos populares e Dila vai procurando dar sopro de vida a esses seres que povoam a mata norte de Pernambuco. Podemos dizer, portanto, que houve uma feliz união entre os poemas de Accioly e a xilogravura primitiva do poeta da mão.

sábado, 4 de outubro de 2008

Linguagem poetica de Bartolomeu Campos de Queiros
















Artigo - A linguagem poética de Bartolomeu Campos de Queirós
"Do diálogo entre o sonhado e o desejo que se atreve é que inventamos a vida." (Bartolomeu Campos de Queirós)
Neide Medeiros Santos, Professora e Crítica Literária - FNLIJ/PB
Bartolomeu Campos de Queirós já escreveu cerca de 50 livros. É um escritor de valor reconhecido no Brasil e no exterior, muitos de seus livros já foram traduzidos. Entre os prêmios internacionais recebidos pelo autor, destacam-se: Diploma de Honra IBBY (Londres), Prêmio Rosa Blanca (Cuba), Quatriéme Octogonal (França) e Finalista do Prêmio Andersen 2008 (IBBY, Copenhague). No Brasil, ganhou inúmeros prêmios e, mais recentemente, Jabuti (2008), com o livro "Sei por ouvir dizer" (Ed. Edelbra, 2007).
Mas o que será que torna este escritor tão querido e amado pelos leitores espalhados por diferentes regiões do Brasil?
Atribuímos a boa receptividade de seus livros à poeticidade da linguagem. Se o menino do dedo verde tinha o poder de transformar tudo que tocava em verde, Bartolomeu tem o poder de transformar toda e qualquer palavra em poesia.
O crítico Fábio Lucas, conhecedor dos meandros da literatura, define, assim, o texto desse escritor singular:
"O que há de invulgar no texto de Bartolomeu Campos de Queirós é uma leveza, uma transparência que não se traduz em superficialidade. Antes, constitui abertura para regiões profundas da comunicação poética. Ler o seu texto é envolver-se de imediato com a magia das palavras, é seduzir-se com a beleza e a musicalidade da prosa". (In: Longe do mar inventa-se um oceano).
Para o leitor que ainda não conhece os livros de Bartolomeu, recomendamos aqueles que têm o signo pássaro como motivo condutor - "Para criar passarinho" (Ed. Miguilim, 2000) foi considerado Altamente Recomendável pela FNLIJ/2001 e selecionado entre os cinco finalistas do Prêmio Jabuti - CBL/2001 e "Até passarinho passa" (Ed. Moderna, 2003) que recebeu, entre outros prêmios, FNLIJ - Prêmio Ofélia Fontes (2004), Prêmio da ABL e Menção Honrosa Jabuti (2004).
Com relação à comovente história "Até passarinho passa", podemos dizer que vem revestida de poeticidade, de lições de vida, de reflexões filosóficas. Se encontrar um amigo é encontrar um tesouro, o que dizer se esse amigo é cauteloso, constante, fiel? Como suportar a dor da partida desse amigo? De forma sutil, o autor leva o leitor a refletir sobre a efemeridade da vida, a alegria do encontro e a tristeza da partida.
Em 2007, Bartolomeu Campos de Queirós publicou três livros: "Para ler em silêncio (Ed. Moderna), "Sei por ouvir dizer" (Ed. Edelbra) e "O ovo e o anjo" (Ed. Global)".
"Para ler em silêncio" integra a série "A palavra é sua". Neste livro, o autor relata as experiências de um narrador-personagem quando criança e discorre sobre a arte de ouvir o silêncio, sobre o tempo da infância que desconhece ainda o ler e o escrever. Cada capítulo se inicia com um poema que se entrecruza com o texto em prosa e, diante de tanta beleza poética, o leitor perguntará: onde está a verdadeira poesia - na prosa ou nos versos? Está em tudo.
Há alguma coisa inusitada neste livro, depois da palavra FIM aparece um capítulo conclusivo de teor memorialista em que o narrador-personagem fala sobre as folhas do seu primeiro livro - "a parede da casa do avô" e as folhas do seu primeiro caderno - "os muros da casa do avô". (A casa do avô é tema recorrente em outros textos de Bartolomeu). O menino cresceu, freqüentou a escola e houve o encontro com os livros de verdade - "O livro de Lili", na escola primária; os de literatura, no ginasial, aí o menino grande criou gosto pela leitura e conclui: "Hoje todo livro literário me alfabetiza". (p. 64)"Sei por ouvir dizer" (Prêmio Jabuti 2008), na categoria infantil, apresenta como protagonista uma senhora com três idades distintas: uma idade passada, uma idade presente e outra idade futura, ela tinha três óculos - um para ver o longe, outro para ver o perto e um terceiro para procurar os dois óculos. Havia um menino no meio dessa história que fez uma visita a casa dessa senhora e resolveu ficar com os três pares de óculos e um dia eles também desapareceram, mas o menino já tinha aprendido a olhar a vida.
Suppa fez as ilustrações do livro com um colorido bem forte, vibrante, e predomínio da cor azul celeste. Em algumas ilustrações, a senhora está com os olhos fechados, em outras passagens os olhos estão bem abertos, instigantes, como se estivesse procurando algo perdido. Os óculos? O tempo?
No nível do parecer, é um livro jocoso, lúdico e as ilustrações seguem esse caminho; no nível do ser, apresenta uma proposta filosófica, é uma reflexão sobre a própria vida.
"O ovo e o anjo" é constituído de pequenos poemas que trazem a marca do lúdico, mas um ludismo que, como bem afirma Peter O´Sagae, em texto publicado em Dobras da Leitura, "desperta espantos do ninho das palavras - e, então vai acalentando o cotidiano e a imaginação como se fossem feitos da mesma matéria.".
Helena Alexandrino ilustrou o livro com cegonhas, anjos e paisagens tingidas de verde-água. A leveza do vôo dos pássaros e dos anjos combina com a leveza poética dos versos.
A ensaísta Stella de Moraes Pelllegrini, no livro "Caminhos e encruzilhadas: percursos poético e político de Bartolomeu Campos de Queirós, da formação do leitor à formação de leitores" (Ed. RHJ, 2005), ressalta que os textos de Bartolomeu Campos de Queirós são poéticos, políticos e revelam uma profunda preocupação com a formação de leitores e a construção de uma escola leitora.
Depois desses comentários certamente o leitor vai bisbilhotar livrarias, bibliotecas, estante da sua escola, casa do (a) amigo (a), e procurar livros desse escritor/passarinho e, com toda certeza, irá encontrá-los. Eles (os livros) têm alma, passeiam por livrarias, bibliotecas, por sebos culturais e pelas casas daquelas pessoas que gostam de poesia, estão apenas esperando por um leitor que leia em silêncio, entre "o sonho e o desejo