terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Um passeio cheio de graça pela vida e obra de Machado de Assis


Um passeio cheio de graça pela vida e obra de Machado de Assis
(Neide Medeiros Santos – Crítica FNLIJ/PB)

O Tempo inventou o almanaque... E choviam almanaques, muitos deles entremeados de figuras, de versos, de contos, de anedotas, de mil coisas recreativas.
(Machado de Assis).

O almanaque é um livreto muito antigo e já circulava, no Brasil, na época de Machado de Assis. Apresentava assuntos variados, curiosidades, contos, poemas, matéria humorística e recreativa. As pessoas mais antigas guardam lembranças dos velhos almanaques que eram distribuídos, gratuitamente, nas farmácias brasileiras.
Nas primeiras décadas do século XX, Monteiro Lobato criou a história de Jeca Tatu, veiculada no Almanaque do Biotônico Fontoura. Jeca Tatu era vítima de “amarelão”, doença causada pela “ancilostomíase” e Lobato recomendava que o personagem tomasse Biotônico Fontoura para curar a doença. Lobato foi, assim, o maior divulgador do “santo remédio”.
Luiz Antônio Aguiar se inspirou nos antigos almanaques, no que se refere à diversidade de assuntos, para escrever o Almanaque Machado de Assis – vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias (Editora Record, 2008), A respeito desse livro, Anna Maria Rennhack, Gerente de Relações Institucionais da Editora Record, assim se expressou:
Almanaque Machado de Assis, de Luiz Antonio Aguiar, tem objetivos ambiciosos. O primeiro, despertar o leitor iniciante para o mundo do escritor, através de informações sobre vida, obra e outras curiosidades. O segundo, levar os leitores que já conhecem a obra de Machado de Assis a reler seus títulos e reviver deliciosas passagens de seus textos.
Luiz Antonio Aguiar divide o livro em duas fases. A primeira compreende dados biográficos do autor, atividades literárias e curiosidades machadianas. A segunda se detém na análise das principais obras de Machado de Assis e nas bruxarias literárias. Na última parte, há citações e breves comentários sobre biografias e estudos críticos a respeito do autor de Dom Casmurro.
Vamos iniciar o passeio seguindo a ordem de apresentação do livro. Conta-se que Memórias Póstumas de Brás Cubas nasceu em Nova Friburgo para onde Machado fora passar uma temporada com a esposa com o objetivo de curar-se de uma terrível crise intestinal e de uma infecção ocular. Incapaz de escrever, Machado ditara o livro ou partes dele para sua mulher.
A denominação “Bruxo do Cosme Velho” adveio do último e definitivo endereço de Machado de Assis no Rio de Janeiro. Rua Cosme Velho, 18, Laranjeiras. A casa era um sobrado com um jardinzinho na frente e havia um plantio de rosas. Machado gostava de cuidar das rosas do jardim.
O excerto do poema de Drummond, “A um bruxo com amor”, inserido no livro “A vida passada a limpo”, é outra referência feita por Luiz Antonio que remete para a leitura integral do poema de Drummond e sugere também um mergulho na obra machadiana. São tantas as citações de Drummond à galeria de personagens criadas pelo bruxo de Cosme Velho que o leitor fica querendo conhecer um pouco mais das obras de Machado de Assis.
O sentimento de vazio, após a morte de Carolina, companheira de 35 anos de casamento, se revela no trecho da carta enviada por Machado ao amigo Joaquim Nabuco:
Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo, mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. (Almanaque M. de Assis, p. 54).
Quatro anos depois da morte de Carolina, Machado parte, e entre os amigos que presenciaram a sua morte estava José Veríssimo. Foi este quem ouviu de Machado a sua última frase:
A vida é boa!
No capítulo “Mapa da obra”, com o título “Não deixe de ler”, o autor recomenda algumas leituras imprescindíveis dentro do universo machadiano: crônicas, contos, romances, poesia, crítica e teatro.
Para quem gosta de citar frases e aforismos de Machado de Assis, aconselhamos a leitura do capítulo “Assim falou Machado de Assis...” (p.189-195). Nessa parte se encontram frases, pensamentos e relíquias machadianas.
A Fase II se abre com “Poções Machadianas” e aparecem excertos de contos e romances comentados por Luiz Antonio Aguiar e por outros críticos de Machado de Assis. Ainda, no espírito da Fase II, Luiz Antonio Aguiar dá indicações sobre biografias e a fortuna crítica do autor de Dom Casmurro.
Não poderia faltar nesse livro o dilema: Capitu – culpada ou inocente? E vêm as diferentes opiniões dos críticos.
As fotografias que aparecem no livro, todas em tom sépia, retratam o sobrado da Rua Cosme Velho, ruas do Rio na época de Machado de Assis, objetos pertencentes ao escritor, retratos de Machado e da esposa Carolina em diferentes fases da vida, retratos de companheiros e amigos de Machado de Assis e uma pequena galeria de quadros, entre estes “A Dama do Livro”, quadro de Roberto Fontana que lhe foi presenteado por amigos.
Almanaque Machado de Assis: vida obra, curiosidades e bruxarias literárias pode ser lido em conta-gotas, cada dia um pouquinho. É uma leitura para “conhecer, pensar e se divertir”. Esse bruxo é mesmo “Indispensável”. Com sua fina ironia, Machado de Assis diverte, zomba e brinca com o leitor.
Este livro de Luiz Antonio Aguiar, fruto de pesquisas de mais de vinte anos, conforme declaração do próprio autor no Salão do Livro (2008), traz uma boa contribuição para a fortuna crítica de Machado de Assis no ano do centenário de sua morte. É um convite à leitura.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Nas Trilhas de Clarice e Beatriz


Nas Trilhas de Clarice e Beatriz

 

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil na Paraíba)

 

As palavras vão e vêm levando

sentimentos e afetos. Estamos tão longe, e, ao mesmo tempo,

tão perto!

(Eloí Elisabete Bocheco)

 

Eloí Elisabete Bocheco é professora e escritora de livros infanto-juvenis. Durante 13 anos, publicou crônicas no jornal “A Notícia”, de Joinville (SC). Algumas dessas crônicas foram reunidas em livro e publicadas com o título “Pedras Soltas” pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina. São textos revestidos de muita poeticidade. Peter O´Sagae, editor de “Dobras da Leitura”, foi muito feliz no comentário que fez sobre este livro: 

“As crônicas mostram seu bordado: não vem à toa nenhuma frase, por mais travestida de non-sense que se pareça: a linha evola da referência local e da prisão do tempo. São como mimos de coral, ou riscos de groselha, em que o precioso e o efêmero provocam espanto”.

Eloí Elisabete e Zenilde Durly são responsáveis pelo jornal de literatura infantil e juvenil “O Balainho”, uma publicação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). “O Balainho” tem divulgado autores nordestinos que trabalham com a literatura infantil.

 Em 2003, Eloí foi vencedora do Concurso “Leia Comigo”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, com a bonita história ”Não vá embora, Clarice!”, um relato ficcional que prende o leitor do inicio ao fim do texto.

Antonio Candido, no livro “Personagem de Ficção”, fala sobre o processo de criação de personagens e afirma que todo escritor se revela um pouco através de seus personagens. Eloí Bocheco coloca muito de sua vivência nessa poética história de Clarice, uma professora que faz um trabalho de leitura com as mulheres que varrem a rua e freqüentam a Praça XV. Não sabemos onde fica a Praça XV, pode ser em Curitiba, Rio, Florianópolis ou qualquer cidade do Nordeste brasileiro, mas a Praça XV do relato de Eloí é uma praça especial. É lá que a professora Clarice vai encontrar as mulheres que varrem a rua e começa o seu trabalho de ler histórias para aquelas mulheres de vida tão simples. O interesse pela literatura começa a crescer, de simples ouvintes elas passam a ser leitoras, mas chega o momento da partida de Clarice, e elas (as mulheres leitoras) fazem esse apelo comovente: “Não vá embora, Clarice! “

Beatriz em trânsito (Ed. Dimensão, 2006) recebeu vários prêmios no Brasil e até no exterior. O livro foi selecionado para o catálogo White Ravens, da Biblioteca de Munique, com crítica de Ninfa Parreiras. No Brasil, foi o vencedor do prêmio Casa da Cultura Mário Quintana (RS), e consta do Acervo Básico da FNLIJ (2006).  

Na entrevista, concedida à Assessoria de Imprensa da Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul, indagada a respeito do possível leitor de “Beatriz em trânsito”, a escritora respondeu: “é uma obra para todas as idades”.   

Aliando os dois lados de sua vida – professora/escritora, Eloí gosta de escrever sobre livros, leitura e professores. “Beatriz em trânsito” não foge dessa temática. Aqui vamos encontrar a protagonista, uma menina de 10 anos, que descobre o mundo através dos livros.

Beatriz é uma menina inteligente, mora com os avós e está sempre de mudança, não tem um pouso certo, daí o título do livro – “Beatriz em trânsito”, mas no meio dessas mudanças acontecem coisas interessantes, como conhecer vários amigos e, entre eles, o menino Samuel que anda em cadeiras de rodas e a menina Mariana, mais uma vez aparece uma professora – Guiomar – que cada semana traz uma novidade para a classe.  Além do armário cheiinho de livros, há o mural com textos escritos pelos alunos, textos que falam sobre medos, tristezas, alegrias, sonhos.

A maneira inovadora de a professora Guiomar ensinar, leva Beatriz a dizer: “A Guiomar é uma grande misturadora de aula e de vida”. (p.33)

Com sentimento e muito afeto, recebi o último livro de Eloí Bocheco – “Gaitinha tocou, bicharada dançou” (Ed. Paulinas, 2008). É um livro indicado para crianças que estão se alfabetizando. 

Antes de se encantar em passarinho, Elias José fez a apresentação deste livro com palavras cheias de fantasia e falou de forma carinhosa sobre a bruxinha Elisa, personagem sempre presente nos livros da autora catarinense.

“A bruxinha Elisa renova. É bruxa, criança e fada. Ela se envolve com a natureza, com árvores, peixes, pássaros e outros bichinhos. (...) Fica na memória afetiva do leitor, mesmo não sendo descrita pela autora, que prefere contar com a imaginação de quem lê.”

Ouso parafrasear Elias José e aposto: leiam “Pedras Soltas”, “ Não vá embora, Clarice!” “ Beatriz em trânsito” e as histórias da bruxinha Elisa. Se vocês começarem a ler os livros de Eloí Bocheco  vão gostar, é só começar.