sábado, 24 de dezembro de 2011

Ana Maria Machado: retalhos de uma vida


Ana Maria Machado: retalhos de uma vida
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

O maior prêmio para o escritor é o leitor, que está longe e com quem você pode dialogar.
(Ana Maria Machado. Teia de Autores)

No dia 15 de dezembro, a escritora Ana Maria Machado assumiu a presidência da Academia Brasileira de Letras. É a segunda mulher que ocupa o relevante cargo na ABL. A primeira foi Nélida Piñon (1996/1997).
A trajetória literária e artística de Ana Maria Machado é rica e diversificada. Dedicou-se, inicialmente, à pintura, foi aluna de Aluísio Carvão durante três anos no ateliê do Museu de Arte Moderna no Rio. Acalentou o sonho de ser artista plástica, mas a escolha do curso de Letras mudou o seu destino, dedicou-se à literatura e virou escritora.
Em 1970, perseguida pelo regime militar, refugiou-se na França e começou a enviar textos para uma nova revista que surgia no Brasil destinada ao público infantil – a revista Recreio. Com Ruth Rocha e Joel Rufino dos Santos, companheiros literários da revista, publicaram muitas histórias que fizeram sucesso.
Em Paris, foi aluna de Roland Barthes e defendeu tese de doutorado sobre o nome dos personagens de Guimarães Rosa. “O recado do nome” é o título da tese que foi transformada em livro. Em Londres, trabalhou como correspondente da BBC.
Quando voltou ao Brasil, dedicou-se à atividade jornalística. De 1973 a 1980 chefiou o sistema de radiojornalismo na Rádio Jornal do Brasil e escrevia uma coluna literária para o “Jornal do Brasil”. Ainda havia “nuvens de fumaça no ar” e nem tudo podia ser publicado. A respeito desse período, Ana Maria assim se expressa: “Aprendi que a censura cresce no anonimato, como toda forma de covardia.” (Silenciosa algazarra. 2011: 207)
“Bisa Bia, Bisa Bel”, publicado em 1982, ganhou vários prêmios e se tornou um clássico da literatura infantil brasileira. A trama se desenvolve em três tempos distintos: passado, presente e futuro. A protagonista da história tem muitas faces – é bisavó no tempo passado; é a menina Isabel no tempo presente, é a neta no tempo futuro.
Na área do ensaio, escreveu, entre outros, os livros: “Texturas: sobre leituras e escritos (Nova Fronteira); “Contracorrente: conversas sobre leitura e política” (Ed. Ática); “Como e por que ler os Clássicos Universais desde cedo”. (Objetiva); “Ilhas no tempo: algumas leituras”. (Nova Fronteira). Em 2011, publicou “Silenciosa algazarra” (Companhia Das Letras). Este último livro foi analisado em nossa coluna.
Em 2001, centenário de nascimento de José Lins do Rego, Ana Maria esteve em João Pessoa acompanhada das filhas do escritor paraibano e do xilógrafo Ciro Fernandes para fazer o lançamento do livro “O menino que virou escritor”, uma história romanceada da vida de José Lins do Rego.
A escritora foi, também, dona de livraria e durante dezoito anos dirigiu a Livraria Malasartes, no Rio de Janeiro, voltada para o público infantil e juvenil. No livro “Contracorrente. Conversas sobre leitura e política.” (Ática: 1999), ela conta um fato que merece ser relembrado.
Num dia quente de dezembro, quando se dirigia por um corredor do centro comercial onde funcionava a livraria, ouviu alguém chamando insistentemente pelo seu nome. Estava carregada de compras de Natal, e distinguiu o garçon José que trabalhava no restaurante do andar térreo. Ao alcançá-la, ele disse:
“- Desculpe, Ana, mas eu estava há dias esperando você passar, porque queria lhe agradecer.” (1999:p.132)
A escritora, no primeiro momento, não entendeu o porquê do agradecimento, mas logo o rapaz tratou de esclarecer:
“É que eu li o livro de eco e agora eu sei”. (p. 133)
Como na livraria existia uma coleção – “O livro do som”, “O livro da luz”... para crianças, ela pensou que se tratava de um desses livros, mas ele explicou que se referia ao livro de Umberto Eco – “O nome da rosa”. E veio a complementação. Depois de assistir ao filme “O nome da rosa”, comprei o livro na livraria Malasartes.
Ana Maria tratou de alimentar o gosto pela leitura do rapaz recém-chegado ao “tesouro” e presenteou-o com dois livros irresistíveis. “O barão das árvores”, de Ítalo Calvino e “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez.
Autora de mais de cem livros para o público infantil e juvenil, ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen (Nobel da literatura infantil), tradutora, romancista, conferencista internacional, professora, jornalista, ensaísta, professora visitante da Universidade de Berkeley, esta é a nova presidente da Academia Brasileira de Letras- uma escritora múltipla.
MENSAGEM NATALINA:

Que o (a) leitor (a)
“encontre a cada dia
esta fina alegria

de reinventar o mundo
tornando-o mais profundo.”
(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Crônicas ambientais: um mundo cheio de cores, cheiros e sons





Crônicas ambientais: um mundo cheio de cores, cheiros e sons
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Impregne um pouco a sua alma
do verde que está no ar.
(Jomar Morais Souto. Itinerário Lírico da Cidade de João Pessoa)

Quem passa pela Avenida Beira-Rio em João Pessoa-PB observa que os paus d´arco róseos estão todos floridos. Isso nos transporta para um tempo em que a cidade era coberta de verde e de flores. As residências tinham jardins floridos, com cheiros de jasmins e cantos de passarinhos. Os tempos mudaram ... hoje apenas os paus d´arco da Beira Rio, da Lagoa e da Mata do Buraquinho teimam em oferecer, na época natalina, um colorido róseo e amarelo. As casas foram substituídas por edifícios, são construções sem alma e sem passarinhos.
Essas divagações surgiram após a leitura do livro de Luiz Eduardo Cheida – “Bichos, plantas e seus parentes – crônicas ambientais”, da Editora Aymará, com prefácio de Marina Silva.
No prefácio do livro, Marina relembra sua infância e adolescência no Seringal Bagaço que ficava a 70 km da capital do Acre. Vivia em um mundo cercado por uma imensa floresta. O barulho das abelhas mangangás na copa das castanheiras é uma das suas primeiras memórias e sobre este mundo da infância afirma: “Era um mundo cheio de cores, de cheiros e de sons”.
As crônicas ambientais do médico e escritor Luiz Eduardo Cheida levam o leitor a mergulhar no passado e traz de volta o paraíso perdido por Marina. São 40 crônicas de assuntos variados: há uma alga que se emociona, um cachorro que joga baralho, uma árvore que filosofa, uma abelha que aprende e o homem que dialoga com todos eles, afinal homens, bichos e plantas são todos parentes.
O conto/crônica “As Pombas” é o relato de uma invasão de pomba-amargosa em uma região do Paraná. Elas estavam acabando com o milharal de seu Fulgêncio e dona Constantina. Depois de várias reuniões e discussões, os sitiantes chegaram a uma conclusão – para acabar com as pombas só trazendo o gavião de volta. Consultado, o gavião impôs uma condição: “Plantem árvores. Ninho em poste de telefone eu não faço.” (p.24)
O desejo do gavião foi satisfeito e como diz Guimarães Rosa: “Pôs-se a fábula em ata”.
A pergunta inocente de uma criança de quatro anos na crônica “Sociedade de risco” (p.99) pode suscitar inúmeras reflexões.
“ – ÁRVORE, QUANDO MORRE, também vai para o céu?” (p. 99)
“Bye bye bee” (p. 137) revela a preocupação do cronista com o desaparecimento das abelhas e a extinção de muitas espécies. Revistas especializadas afirmam que, nos últimos dois anos, 37% das colmeias desapareceram nos Estados Unidos. No Brasil, também houve perdas, o mesmo acontecendo na Austrália, na China e no Canadá.
E qual foi o motivo para o desaparecimento das abelhas? Querem saber? O motivo é muito simples – faltam flores na natureza, estão destruindo as matas. Os herbicidas, fungicidas e inseticidas também matam as abelhas.
Atualíssima é a crônica “Cadê meu zap”?(p.145). Trata do problema dos agrotóxicos nas verduras e frutas. Nesta crônica, involuntariamente, o pimentão é o vilão. Em uma escala de zero a cem, o pimentão fica com 64, 36% de agrotóxico, seguindo do morango, cenoura, alface, tomate.
Crônicas que falam sobre a destruição das matas, que lamentam a ausência das flores, nos transportam para uma gravura do pintor paraibano Hermano José – “Cabo Branco até quando...”
O pintor Hermano José é amante da natureza e defensor ferrenho da preservação da barreira do Cabo Branco. Nos anos de 1970, ele já alertava para o perigo da destruição das nossas matas e os cuidados com a barreira do Cabo Branco.
A respeito da gravura “Cabo Branco até quando...”, a professora e crítica de arte Terezinha Fialho assim se expressou:
“A gravura de Hermano José, uma sanguínea, é belíssima [...] O quadro é um grito, uma denúncia de amante profundamente ferido. Defendo a tese de que bastaria este quadro para provar, se necessário fosse, o amor-devotamento de Hermano José pelas falésias, pelo mar.”
O texto de Terezinha Fialho – “Hermano José, as falésias e o mar” se encontra no livro” Hermano José”. FMC: Textoarte. João Pessoa, 2004.
Começamos com uma epígrafe do poeta Jomar Morais Souto, um hino de louvor ao verde da cidade de João Pessoa, apresentamos fragmentos das crônicas ambientais de Luiz Eduardo Cheida e concluímos com a denúncia do quadro de Hermano José.

sábado, 10 de dezembro de 2011

AUGUSTO DOS ANJOS REVISITADO





AUGUSTO DOS ANJOS REVISITADO
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária –FNLIJ/PB)

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!
(Augusto dos Anjos. O Poeta do Hediondo)

Dois bons livros para jovens publicados em 2011 se voltam para a poesia e, de forma mais específica, para a poesia de Augusto dos Anjos. Da editora Noovha América, recebemos “13 Contos de Medos e Arrepios com Poemas de Augusto dos Anjos”, de Almir Correia, ilustrado por Alexandre Jubran. A editora Ática nos enviou “Poesia faz pensar”, da série “Para gostar de ler”, coletânea de poemas que contou com a organização de Carlos Felipe Moisés.
O livro de Almir Correia se compõe de 13 contos. As tramas do conto interagem com 13 poemas de Augusto dos Anjos. As ilustrações de Alexandre Jubran são todas em preto e branco e criam uma atmosfera soturna. Alguns títulos já deixam transparecer o ambiente fantasmagórico do livro – “A bota do cemitério”, “O caixão fantástico”, “A noiva suicida”, “O carrinho de bebê macabro”.
“O caixão fantástico” é título do conto e do poema de Augusto dos Anjos. O conto relata a morte de um homem muito rico que foi enterrado em um caixão de ouro. Raul, o protagonista do conto, observa o interesse que o precioso objeto desperta em várias pessoas – elas vão ao cemitério na calda da noite para roubar o caixão de ouro, mas o caixão era amaldiçoado, morreram todos que tentaram roubá-lo.
O poema de Augusto dos Anjos “O caixão fantástico” é menos tenebroso. No “Caixão fantástico”, talvez repousem musas ou o próprio Pai do poeta.
Se a poesia “além de levar a sentir também faz pensar,” como afirma Carlos Felipe Moisés, o livro organizado pelo crítico literário atende aos dois sentidos: reúne poemas que se caracterizam pelo alto grau de sensibilidade e outros que oferecem ferramentas de indagação com o objetivo de compreender o mundo.
“Poesia faz pensar” está dividido em cinco tópicos: “É tudo quanto sinto um desconcerto”; “Um contentamento descontente”; “Errei todo o discurso de meus anos”; “Continuamente vemos novidades”; “Se lá no assento etéreo onde subiste”. O organizador da coletânea atribuiu títulos aos tópicos partindo sempre de versos de poetas consagrados: Camões, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa.
Cada grupo temático vem constituído de três partes: uma reflexão sobre o fazer poético, reunião de poemas de autores de épocas diversas e um comentário sobre os poemas que integram cada grupo.
Na terceira parte que traz o título - “Errei todo o discurso dos meus anos”, o crítico assim se expressa: “O ponto de partida da reflexão que conduz a esses e outros temas correlatos pode ser assinalado em sua expressão mais singela na tríplice interrogação de Augusto dos Anjos: Quem sou? Para onde vou? Qual a minha origem?” (p.50)
Na apresentação deste tópico, Carlos Felipe Moisés assevera que essas perguntas traduzem uma dúvida universal de todos os tempos – os poetas estão à procura da verdade, mas é necessário que esta resista ao assédio da dúvida e à lucidez do espírito crítico.
Mas quem são os poetas que estão reunidos nesse tópico que parte da tríplice interrogação augustiniana? Por ordem de apresentação: Camões, Bocage, Castro Alves, Augusto dos Anjos, Alberto Caeiro, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto.
O poema selecionado de Augusto dos Anjos é “Poema Negro” (p.50). O texto não aparece integral, apenas as três primeiras estrofes, mas são suficientes para constatar num “misto de revolta e perplexidade” que a passagem dos séculos assombra o poeta do EU.
Do heterônimo Alberto Caeiro, o crítico chama a atenção do leitor para o aparente jogo de palavras: “O que nós vemos das cousas são as cousas./ Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?”. E vem a lição do mestre Caeiro: chegou a hora de desnudar a alma e começar a “desaprender”.
Os dois livros apresentados são publicados um ano antes do centenário da publicação do EU. A Academia de Letras e Artes do Nordeste, sob a presidência da professora Maria do Socorro Aragão, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB, está organizando um congresso para o próximo ano em comemoração ao centenário da publicação do EU. Certamente, aqui, na Paraíba, terra de Augusto dos Anjos, serão publicados muitos livros sobre o poeta mais lido do Brasil.


A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!


Augusto dos Anjos