A MEMÓRIA AFETIVA DE ORIE  
(Neide Medeiros Santos –
Leitora votante FNLIJ/PB) 
O longo som 
            do rio 
            frio. 
            O frio 
            bom
            do longo rio. 
            Tão longe, 
            tão bom,
            tão frio. 
            (Cecília Meireles. Rio na sombra).
            Da editora Pequena Zahar, recebemos o bonito livro “Orie”
(2014), texto e ilustração de Lúcia Hiratsuka. Dessa autora já conhecíamos
outros livros, entre eles o premiadíssimo “Histórias tecidas em seda” (Ed.
Cortez, 2007), que foi lançado em João Pessoa durante Feira Japonesa no Espaço
Cultural em 2008. 
            Lúcia Hiratsuka é neta de japoneses que vieram para o
Brasil nas primeiras décadas do século XX. Ao chegar ao Brasil, a família foi
morar no sítio “Asahi”, interior de São Paulo. “Asahi” significa “sol da manhã”.
Foi nesse sítio que Lúcia nasceu.  Quando
contava dez anos, a família se mudou para Duartina, considerada a “capital da
seda”. Mais tarde, transferiu-se para São Paulo onde Lúcia  estudou Belas Artes. 
            Em 1988, viajou para o Japão. Durante um ano fez curso de
aperfeiçoamento em ilustração de livros infantis na Universidade de Fukuoka.
Atualmente, além de escritora e ilustradora,  é professora de Artes, na cidade de São
Paulo.   
            No site da escritora, ela explica como aprendeu a ler. O
avô foi seu primeiro professor. Os livros que havia na casa eram, em sua
maioria, escritos em japonês, havia também alguns “ehons” (livros com
ilustração) e foi a partir desses livros que nasceu o desejo de escrever e
ilustrar.     
 Além desse avô, professor das primeiras
letras, há um destaque especial para a figura da avó, uma excelente contadora
de histórias reais e ficcionais. Certa vez, Lúcia perguntou à avó se ela
gostaria de retornar ao Japão e ouviu esse depoimento: 
Acho que não vou reconhecer mais o lugar
que eu nasci, fica na minha memória, continua do jeitinho que eu nasci. Será um
eterno furusato.  Furusato é terra natal em japonês.     
            “Orie”, título do livro, é o nome da avó.   O livro
se reporta ao dia a dia de Orie e aos acontecimentos narrados por essa avó
querida que povoou a infância da neta com narrativas de contos fantásticos, não
faltando fatos ligados à cultura japonesa e à vida dos seus familiares. 
            A história se passa no Japão no tempo em que os barqueiros
camponeses  navegavam pelos rios para
vender as mercadorias nas cidades. E a viagem de barco era marcada por
surpresas e alegrias, principalmente para uma menininha que estava descobrindo
o mundo. 
            Neste livro, o barco tem a força simbólica de um ninho
aconchegante. Isso está explícito no próprio texto: 
            “O barco parecia um ninho. Pai, mãe, Orie que nem
passarinho”. 
            “O tempo passa, passa e passa...” a menina cresce, seus
passos crescem também, Orie se torna uma mocinha e uma nova vida a espera.  A memória afetiva de Orie  remete a um lugar repleto de carinho e de
aconchego, e o rio tão frio, tão bom, sombrio, ficou para longe, ficou no país
distante, no país do sol nascente.  
            Um rio, sempre um rio acompanha a vida dos habitantes de
pequenas e de grandes cidades. Por mais insignificantes que sejam os rios têm
suas histórias, seus encantos, está presente na lírica dos poetas e de
escritores de nações distintas e de várias épocas. 
Em
que parte do Japão estaria situado o rio que os pais de Orie navegavam? Não
importa. Era um rio como outro qualquer, mas que deixou profundas marcas na
menina que via no rio um lugar do sonho e do devaneio. O rio japonês de Orie
não é o mesmo do poema de  Cecília
Meireles, mas os dois guardam afinidades poéticas. 
            Os livros de Lúcia Hiratsuka trazem a marca da
simplicidade e se caracterizam por grande beleza literária.  E vem esta explicação: “A prática do sumiê e
do haicai me levaram a buscar o simples e o essencial”. 
            E foi com a avó que viveu 104 anos que a escritora
aprendeu que “furusato” é onde a gente nasce, mas também é o lugar aonde vamos
em pensamento, quando estamos tristes ou felizes. Hoje, ela tenta recriá-lo
através dos desenhos e das palavras como neste bonito livro cheio de sutilezas
e de elementos simbólicos.
            ( Texto publicado no jornal “Contraponto”. Paraíba, 15 a
21 de agosto de 2014).