Livro
das simpatias: nonsense e humor
(Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)
Eu quero um barco nas nuvens
um porto calmo
e a desarrumada vertigem
das velas dando adeus.
(Antonio
Barreto. Livro das simpatias).
Há várias maneiras de um livro cativar o leitor, pode ser
pelo título, como “Enterrem meu coração na curva do rio”, “Olhai os lírios do
campo”; pelas ilustrações, e citamos, “Tempo de voo”, “Rua Âmbar”, esses dois
na área dos infantis. Há outros elementos que despertam o interesse do leitor –
a capa, as epígrafes, as notas explicativas, as apresentações. O teórico francês Gérard Genette denominou esses
acessórios que complementam os livros de “paratextos”.
O “Livro das simpatias” (Ed. Baobá, 2014), de Antonio Barreto,
com ilustrações de Guili Seara, é um livro rico de paratextualidades. Se a capa
chama a atenção pelo bonito colorido e os minúsculos desenhos, as ilustrações
que antecedem os textos e tomam uma página inteira foram inspiradas nos
desenhos em bico de pena de artistas do século XIX: Thiebault, H. Emy, Coste e
constitui mais um motivo para atrair o leitor. São treze textos apresentados de modo
humorístico e, muitas vezes, desconexos, levando-nos a pensar nos poemas de
Edward Lear, marcados pelo nonsense.
Além das ilustrações que acompanham cada texto, logo após
o título, aparece uma epígrafe. O poeta Mário Quintana, sempre reverenciado e
citado neste livro, comparece com esta epígrafe: Teus silêncios são pausas musicais. Quintana é intertextualizado nesta outra epigrafe:
Procurar pelas coisas, mesmo as
impossíveis, / É avivar de longe a brasa das estrelas. Ora... O que seria das
coisas invisíveis, / Não fosse a ilusão de aprender a vê-las?
Podemos dividir o livro em duas partes; na primeira, encontramos
treze receitas de simpatia irreverentes; na segunda, vêm explicações que nos
são fornecidas pela sabedoria popular e não trazem a marca do nonsense.
Vamos apresentar exemplos da simpatia do primeiro bloco e
outra do segundo para que o leitor sinta como, embora diferentes, elas se
complementam.
“Para encontrar um
príncipe encantado”, o narrador sugere que se procure com uma lanterna um sapo
na lagoa, e coloque sobre sua cabeça uma cartolinha de mágico, em seguida,
vire-se de costas e jogue duas mechas de seus próprios cabelos no brejo. Se o
belo rapaz não aparecer, tente novamente.
Para encontrar casamento, a sabedoria popular indica
outro tipo de receita. É recorrer a Santo Antônio Casamenteiro. Esse santo é
responsável por tirar muita moça do caritó. As rezas, as promessas, tudo vale,
é ter fé no santo e esperar que apareça o marido desejado.
Quanto à origem das simpatias, elas são desconhecidas. É
difícil encontrar uma definição própria para essa crendice ou superstição. Folclore?
Ficção? Verdade? Fantasia? Talvez pertençam “ao reino espantado das coisas
imaginárias.”
Não procure o leitor
jovem (o livro é destinado aos jovens, mas pode ser lido com muito prazer pelos
adultos) soluções ou simpatias plausíveis, é tudo apresentado de modo desconexo,
risível e com muito humor.
Neste livro o que realmente nos chamou mais a atenção
foram as ilustrações, recriadas a partir de desenhos antigos, seguindo-se as
epígrafes, as intertextualidades com poemas de Quintana. Acrescentamos a combinação dos rituais
poéticos que se mesclam com o nonsense, o humor e a fantasia, além do
predomínio dos elementos paratextuais.
Para
melhor conhecer os autores – escritor e ilustrador – vai um pouco de cada um
deles. Antonio Barreto nasceu em Minas Gerais e afirma que antes de “vestir a
carapuça de escritor” fez várias coisas na vida: estudou História, Letras e Engenharia
Civil. Viajou muito, construiu pontes, edifícios, estradas, depois descobriu
que a única coisa que o fazia realmente feliz era “ler, reler, escrever e
reescrever”, aí se transformou em escritor.
Giuli Seara veio da região Norte do Brasil, do Amapá,
nasceu em plena Floresta Amazônica. É designer gráfico há mais de trinta anos,
já conquistou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Para ilustrar o
“Livro da simpatia”, utilizou a técnica da colagem sobre desenhos de bico de
pena de ilustradores antigos e o resultado foi muito bom.
A
melhor receita para este finalzinho de férias é ler o “Livro das Simpatias”.
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