sábado, 20 de setembro de 2008

Livros à espera do leitor


Artigo - Livros à espera do (a) leitor (a)
Ó Bendito o que semeia/livros, livros à mão cheia/e manda o povo pensar!/ O livro caindo n´alma é gérmen - que faz a palma/ é chuva - que faz o mar. (Castro Alves)
Neide Medeiros Santos, Professora e Crítica Literária - FNLIJ/PB
Ana Maria Machado é uma escritora múltipla, escreve livros para crianças e jovens, romances e livros teóricos sobre leitura e literatura. "Balaio: livros e leituras (Ed. Nova Fronteira, 2007), objeto de nossa atenção, se enquadra na linha dos teóricos".
Na apresentação do livro, com o título "Começo de conversa", Ana Maria Machado afirma que é o quarto volume em que reúne textos de palestras e artigos esparsos, acrescido de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, antes divulgado apenas na internet.
Marisa Lajolo, responsável pela orelha do livro, destaca dois momentos que considera muito belos nesse universo do livre pensar: o momento em que a literatura infantil brasileira é objeto de uma reflexão muito original, aproximando a literatura infantil brasileira da literatura latino-americana não infantil e a parte em que o conjunto de obras e de autores perpetua o imaginário e a identidade brasileira. "Balaio: livros e leituras" está dividido em 16 textos que se agrupam em quatro blocos: "A hora da escrita, Quem somos nós? Crescendo com os livros e Instantâneos".
No artigo "Pelas frestas e brechas: importância da literatura infanto-juvenil brasileira", resultado de uma palestra proferida na Academia Brasileira de Letras em maio de 2005, a ensaísta relata a sua participação no júri Hans Christian Andersen em 1978 e o grande volume de livros que leu durante o período de dois anos. Convém lembrar que este prêmio, na área da literatura infanto-juvenil internacional, corresponde ao Nobel da Literatura.
Investida, naquele momento, na função de crítica literária, Ana Maria Machado chegou à "súbita percepção iluminadora": a literatura infantil brasileira do século XX, por sua originalidade e qualidade, não ficava nada a dever aos livros dos autores estrangeiros. A conquista do prêmio Andersen, alguns anos depois por Lygia Bojunga Nunes e pela própria Ana Maria Machado, comprova que ela estava com razão - a "súbita percepção iluminadora" vinha revestida de um caráter premonitório.
Quais seriam os fatores que contribuíram para que a nossa literatura infanto-juvenil atingisse a sua maioridade? Não tivemos a tradição no século XIX de autores como Robert Louis Stevenson, Beatriz Potter, C.S. Lewis e outros nomes emblemáticos, no entanto a literatura infanto-juvenil brasileira do século XX despontava como uma das mais brilhantes e criativas.
E vem a resposta de quem entende do risco do bordado. Vários foram os fatores que motivaram o apuramento desse tipo de literatura, um deles pode ser atribuído à repressão política dos anos da ditadura militar. Heloísa Buarque de Holanda, em um número especial da revista "Tempo Brasileiro", com uma retrospectiva analítica sobre a década de 70, apresentou uma hipótese crítica de rara agudeza: os intelectuais brasileiros, pressionados pelo regime autoritário, saíram em busca de novas expressões, "de brechas" e surgiram a poesia do mimeógrafo, letras das canções e a literatura infantil.
A Revista Recreio, a criação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1969), a instituição de prêmios para livros na área de literatura infanto-juvenil contribuíram para a divulgação de novos escritores.
Ana Maria Machado não esquece a importância exercida por Monteiro Lobato, muito antes do boom da literatura infantil brasileira. Lobato sabia transitar do real para o fantástico com a naturalidade de um grande sábio, deu ênfase ao falar brasileiro coloquial e instigou, nas crianças, o amor à literatura clássica. Abriu o caminho para a futura geração de escritores.
Não poderíamos deixar de registrar nesse belo ensaio um aspecto ressaltado pela autora: "o essencial da literatura infantil não deve ser o infantil, mero adjetivo. Deve ser a literatura, isso sim, substantivo". (p. 120)
Outro texto que merece atenção é o discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, apresentado, pela primeira vez, em livro. O discurso começa e termina com poesia. Inicialmente, a autora improvisa uma canção à moda dos cantadores populares (oitava) e abençoa e agradece essa hora encantada. Na conclusão, apresenta o poema-canção de Chico Buarque de Holanda - "Tempo e artista", frisando que é necessário ter humildade e lembra "que a glória não passa de uma companheira das rugas e de um efeito do tempo que nos carrega". (p. 222)
Ana Maria Machado sucedeu, na ABL, a Evandro Lins e Silva, jurista e advogado consagrado no Brasil e grande amigo da escritora. Embora a cadeira tenha sido ocupada anteriormente por Luís Murat, Visconde de Taunay, Múcio Leão, Bernardo Elis, seu texto enfatiza a figura do jurista brasileiro e revela um profundo respeito e admiração pelo autor de "O Salão dos Passos Perdidos".
Há um fato relatado no discurso de posse que demonstra o grande apreço que a escritora tinha pelo jurista brasileiro. Em 1977, Ana Maria Machado foi processada, juntamente com seu editor, pelos herdeiros de Monteiro Lobato, que se sentiram atingidos por seu livro "Amigos Secretos" que homenageava, entre outros, o escritor paulista. Naquela ocasião, procurou André Martins, seu irmão e advogado para defendê-la e falou também com Técio Lins e Silva. Nessas idas e vindas aos escritórios dos advogados acabou conversando com Evandro Lins e Silva que se interessou pelo caso. Para se inteirar bem do assunto e do motivo da queixa dos familiares de Monteiro Lobato, Evandro Lins e Silva pediu o livro que Ana Maria havia escrito e depois lhe disse: "li-o com encantamento", rascunhou uma defesa brilhante, mas os advogados da editora preferiram entrar em acordo e a circulação do livro foi suspensa.
Cinco anos depois morre Evandro Lins e Silva. Ana Maria vai ao sepultamento e passou uma noite com um sono agitado, acordou de madrugada e lembrou-se de que sonhara com o advogado se despedindo dela e perguntando: "gostou da minha defesa?"
Para sua grande surpresa, no final desse mesmo dia, recebeu um telefonema que a deixou pensativa - os herdeiros da família tinham mudado de idéia e lhe comunicavam que o livro que escrevera poderia ser publicado e sua circulação restabelecida. Coincidência ou não, a pergunta do sonho de Evandro Lins e Silva tinha sua razão de ser. O fato merece uma explicação junguiana.
O discurso de posse de Ana Maria Machado traz a marca da afetividade, do carinho e da amizade que uniam jurista/escritora. É uma bonita peça literária que estava exigindo uma divulgação maior. A inclusão do discurso de posse no balaio de livros e leituras foi oportuna.
Se o (a) leitor (a) quiser saber mais sobre livros e leituras, não deixe de examinar o balaio - ele está cheio de comentários inteligentes à sua espera.

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