segunda-feira, 8 de março de 2010

A Presença de Cecília Meireles na educação brasileira



A Presença de Cecília Meireles na educação brasileira

NEIDE MEDEIROS SANTOS

Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas as suas composições.

(Cecília Meireles. Escolha seu sonho)


Cecília educadora:

Cecília exerceu, com destaque, a função de educadora ao organizar e dirigir a primeira biblioteca infantil brasileira. A biblioteca funcionou no Pavilhão Mourisco, enseada do Botafogo, no período de 1934 a 1937. Por sua amplitude, passou a denominar-se Centro de Cultura Infantil.

Jussara Pimenta, no ensaio “Leitura e Encantamento: A Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco” (In: Poética da Educação, 2001) afirma que o Pavilhão Mourisco, um prédio em estilo neopersa, foi criado para servir de café concerto e tornou-se um bar restaurante muito frequentado pela sociedade carioca. Estava um pouco abandonado na época em que Anísio Teixeira, diretor do Departamento de Educação, resolveu transformá-lo em biblioteca infantil.

A inauguração aconteceu no dia 15 de agosto de 1934 e foi muito prestigiada. Contou com a presença de Pedro Ernesto, prefeito do Rio de Janeiro, e do Diretor do Departamento de Educação.

Fernando Correia Dias, o primeiro marido de Cecília Meireles, era artista plástico e ficou encarregado da decoração da biblioteca. Inspirado na arquitetura do prédio criou um cenário das Mil e uma Noites, proporcionando uma atmosfera de encanto e fantasia.

O poeta Geir de Campos foi freqüentador desta biblioteca. Em artigo publicado no “Diário de Notícias (15/11/1964), externou o que a biblioteca infantil representou na sua vida de criança:

“O Pavilhão Mourisco passou a ser o meu divertimento predileto, pois, além do salão de leitura, a biblioteca tinha também um setor de manualidades (modelagem, pintura, desenho), um de brinquedos e jogos (foi onde encontrei o primeiro mecanô), e uma sessãozinha de cinema toda quinta-feira. O dia triste para mim era o Domingo, quando o Pavilhão não abria.

Também me lembro de que qualquer dificuldade pedagógica ou disciplinar era comunicada a Dona Cecília, uma professora morena, alta, de sorriso para quase tudo, que tudo resolvia e ordenava.” (2001: p. 108)

Nada dura para sempre. Em 19 de outubro de 1937, sob a vigência do Estado Novo, a biblioteca infantil foi invadida pelo interventor do Distrito Federal e teve as portas cerradas com a justificativa: “em seu acervo abrigava um livro de conotações comunistas”. O livro era “As aventuras de Tom Sawyer”, do escritor americano Mark Twain.

A diretora protestou pelo fechamento da biblioteca e a falsa acusação de ter no acervo um livro comunista. Era um absurdo! Os jornais da Europa e Estados Unidos deram destaque à medida arbitrária e descabida do governo de Getúlio Vargas. Tudo foi inútil. A biblioteca foi fechada e serviu depois para um ponto de coleta de impostos. Arrecadar dinheiro é mais importante do que a educar.

Cecília folclorista:

O interesse de Cecília Meireles pelo folclore vem desde a infância. Está presente nas histórias contadas por Pedrina, sua babá, em vários artigos publicados nos jornais e, principalmente, no livro “Batuque, samba e macumba. Estudos de gesto e de ritmo 1926-1934”.

Os desenhos, pinturas e legendas que integram o livro foram utilizados por Cecília em exposições e conferências no Rio de Janeiro e em Portugal. No Rio, a exposição aconteceu em 1933, em Portugal, 1934. Em 1983, sob o patrocínio da FUNARTE e do Banco Crefisul, saiu uma edição luxuosa e restrita abrangendo todo o conteúdo utilizado nas conferências. Ao completar 70 anos da exposição, a editora Martins Fontes brindou os leitores com uma nova edição deste bonito livro.

Em 2004, “Batuque, samba e macumba. Estudos de gesto e de ritmo. 1926-1934” (Ed. Martins Fontes, 2003) conseguiu o prêmio nacional da FNLIJ, na categoria dos teóricos.

Com este texto - “A Presença de Cecília Meireles na Educação Brasileira”, procuramos trazer um pouco da vida e da luta dessa educadora que seguiu os passos de Gabriela Mistral, professora e poeta chilena. Cecília ensinou, educou, escreveu bonitas poesias e projetou o Brasil com suas aulas e conferências em Portugal, nos Estados Unidos e no Oriente.

Não poderíamos deixar de registrar a inclusão de Cecília Meireles no livro, “Mulheres Símbolos”, de Joacil de Britto Pereira (João Pessoa: UFPB; 2007). A respeito dessa grande educadora, o ensaísta assim se expressou:

“Mulher genial, viveu intensamente; era mística e de rara sensibilidade. Uma esteta, escritora de muitos méritos, poetisa de ternura rara”. (p.69)

Conta-se que Cecília, quando visitou Portugal pela primeira vez, marcou um encontro com Fernando Pessoa, mas esse encontro não foi realizado. Para marcar o encontro que não houve, concluímos essas considerações sobre Cecília relembrando o vate português no célebre texto: “Palavras de Pórtico”:

“Viver não é necessário; o que é necessário é criar.”

Cecília Meireles sentia que o necessário não era viver, mas criar. Expôs com bravuras suas ideias e suas opiniões, procurou dar novas diretrizes à educação brasileira, criou a primeira biblioteca infantil no Brasil. Manteve, durante muitos anos, colunas nos principais jornais do Brasil, fez conferências no Brasil e no exterior. Foi uma mulher que deixou seu nome gravado no cenário das Letras e das Artes. É a grande representante da mulher professora, da mulher educadora no Brasil.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MEIRELES, Cecília. Batuque, samba e macumba. Estudos de gesto e de ritmo 1926-1934. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

__________. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

NEVES, Margarida de Souza, Lobo, Yolanda Lima, Mignot, Ana Chrystina Venâncio. (Orgs). Cecília Meireles e a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC/Rio: Loyola, 2001.

PESSOA, Fernando Antonio Nogueira. Seleção Poética. Org. Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1971.

PEREIRA, Joacil de Britto. Mulheres Símbolos. João Pessoa: Editora da UFPB, 2007.

SANTOS, Neide Medeiros. A Presença de Cecília Meireles na educação brasileira. (1) e (2) João Pessoa: Jornal Contraponto. 18 a 25 de fevereiro de 2010, B-4 e 26 de fevereiro a o4 de março de 2010, B-4.

Um comentário:

Anônimo disse...

Página preciosa, Neide. Me ajudou na pesquisa. Grata e parabéns pelo blog.
Nilma Lacerda