Tecer considerações sobre livros e autores a partir da literatura produzida para crianças e jovens no Brasil. Os textos deste espaço estão disponíveis para pesquisa; devendo-se, em caso de citação, indicar a fonte, conforme a legislação em vigor: LEI Nº 9.610
sexta-feira, 9 de abril de 2010
O ler, o escrever e o contar: entre o real e a fantasia
O ler, o escrever e o contar: entre o real e a fantasia
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)
A vida real é às vezes muito maior do que a ficção.
(Heloísa Seixas. Uma ilha chamada livro)
“Uma ilha chamada livro. Contos mínimos sobre ler, escrever e contar.” (Galera/Record, 2009), de Heloísa Seixas, reúne 25 pequenos contos que foram publicados na imprensa, primeiro na” Folha de São Paulo”, depois na revista” Domingo” do “Jornal do Brasil”.
O livro é destinado ao público juvenil e constou do catálogo da Feira de Bolonha (março de 2010). Temas apaixonantes e sutilezas estilísticas caracterizam a prosa de Heloísa Seixas.
Os contos estão ligados, em sua grande maioria, ao ofício de escrever. Vamos examinar alguns que vêm marcados pela paixão diante do livro, esse “objeto sagrado”, na opinião de Jean-Paul Sartre.
“Livros” – Este conto fala sobre Alma Mahler, compositora e pintora austríaca que se destacou na Viena do fim do século XIX por sua beleza e inteligência. Ela foi casada com o compositor Gustav Mahler. Heloísa Seixas relata um fato bem interessante sobre Alma Mahler – ela costumava guardar seus livros prediletos em um berço que fora utilizado na sua primeira infância. Quando ia retirar algum livro, o berço balançava e parecia que os acalentava.
“Certeza” – Neste conto mínimo, está presente a figura da escritora dinamarquesa Karen Blixen que utilizava o pseudônimo de Isak Dinesen. Ela morou na África durante muitos anos e expressou seu amor pelo continente africano através de livros que retratam a beleza e o exotismo do Quênia. “Out of África” foi traduzido para o português por Per Johns, com o título “A Fazenda Africana”. É um romance autobiográfico. O livro foi adaptado para o cinema por Sidney Pollack e lançado no Brasil com o título “Entre dois amores”. O filme ganhou sete Oscar em 1985.
Mário Vargas Llosa, na coletânea de ensaios “A verdade das mentiras” (Ed. Arx, 2004), coloca Karen Blixen (Isak Dinesen) entre as suas preferências de leitor. No texto “Os Contos da Baronesa”, a obra e a vida da escritora dinamarquesa são apresentadas com riqueza de detalhes. Remetemos o leitor experiente para o livro de Mário Vargas Llosa.
“A Biblioteca” – É uma reflexão sobre os livros que guardamos nas estantes, o que eles significam para nós. A contista tem um carinho especial pelos livros antigos e gosta de examinar datas, dedicatórias, os livros assinados com “caneta-tinteiro, naquela caligrafia delicada e floreada de outros tempos.” (p.30)
Examinando esses livros, ela sente a presença de Borges, Eça, Lúcio Cardoso e de muitos outros escritores. “Eles estão aqui”. E vem uma observação que merece ser transcrita:
“Gosto de livros usados. Têm alma. Deles se desprendem os eflúvios das pessoas que os tocaram, com suas dores, alegrias, esperanças, inquietações”. (p. 29)
“Síndrome do Claustro” – Relata as andanças da contista pelos sebos e o encontro com um livro há muito desejado –” O escafandro e a borboleta”, do jornalista Jean-Dominique Bauby. Acometido de um derrame cerebral, Bauby ficou completamente paralisado e conseguiu, com o auxílio de uma enfermeira que decifrava um piscar de olho diferente para cada letra, escrever seu último livro – “Síndrome do Claustro”.
“Página em Branco” é o último conto do livro e o último que selecionamos. Mais uma vez, estamos diante de um conto de Karen Blixen recontado por Heloísa Seixas. Vamos navegar por este conto.
Havia, muito antigamente, em Portugal, um convento de freiras carmelitas conhecido por Convento Velho. Neste convento, as freiras teciam o mais afamado linho de Portugal e de lá saíam os mais belos lençóis para as noivas da realeza portuguesa.
Consumado o casamento, a família enviava de volta para o convento a parte central do lençol contendo a mancha que atestava a virgindade da moça. Esses quadrados de linho maculado eram emoldurados e colocados em quadro com o nome da princesa, dona do lençol. A galeria era visitada pela nobreza portuguesa e por reis, rainhas, príncipes e princesas de várias partes do mundo. Mas havia um de um branco imaculado, sem qualquer mancha e que não trazia o nome da princesa. Era este que mais chamava a atenção dos visitantes.
Registramos a opinião de Heloísa com relação ao quadrado imaculado: “ele me fez pensar em quanta coisa está contida numa página não escrita, numa não página, de um não livro. Afinal, o branco é a soma de todas as cores. As possibilidades são infinitas.” (p109)
Com este conto termina o livro e nosso texto. Há muitos outros que não foram revelados, estão à espera do leitor.
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Um comentário:
Nossa! muito lindo, quero ler o livro
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