sábado, 4 de setembro de 2010

Retalhos da infância de um menino poeta- Bartolomeu Campos Queiroz





Retalhos da infância de um menino poeta
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais.
(Meus oito anos. Casimiro de Abreu)

O poeta Casimiro de Abreu louvou a infância no poema antológico “Meus oito anos”. Nos versos do poeta romântico, a infância é apresentada como uma fase dourada, alegre e descontraída. De forma bem diferente, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós trata do mesmo tema em livros de caráter autobiográfico. “Ciganos”, “Indez”, “Por parte de pai”, “Ler, escrever e fazer conta de cabeça” e” O olho de vidro do meu avô” são textos memorialísticos que contêm retalhos da vida da infância do “menino poeta”.
Em comentário crítico sobre esses livros, a professora Maria José Nóbrega assim se expressa: “Bartolomeu recria a infância com a poética das palavras: os sentimentos vividos, os episódios cuidadosamente guardados se extravasam em linguagem permeada de música e de silêncio que rompe as fronteiras do tempo”. (Encarte do livro “O olho de vidro do meu avô.” Ed. Moderna, 2004).
No nosso exercício diário de crítica literária da literatura infantil, sempre nos deparamos com livros de Bartolomeu Campos de Queirós e, quando se refere à infância, o escritor adota uma postura realista e melancólica, mas sensivelmente poética.
“Ciganos”, um dos primeiros livros do escritor na linha memorialística, foi reeditado pela Global em 2004. É o relato da vinda dos ciganos a uma pequena cidade do interior do Brasil. Seria Papagaio, cidade onde Bartolomeu viveu a sua infância? É possível. Os ciganos andavam muito, eram eternos viajantes.
Diante daquelas criaturas que causavam apreensão aos adultos. Surgiam as interrogações. De onde vinham os ciganos? Alguns diziam que vinham das terras de Espanha ou das areias de Portugal. Havia aqueles que afirmavam que os ciganos deixaram a Índia, em busca de um caminho para se chegar ao sol. Era um povo cheio de mistérios.
E a presença dos ciganos modificava os hábitos da pacata cidadezinha. Portas eram cerradas, as roupas não dormiam no varal, os cavalos permaneciam presos. Os ciganos incomodavam pessoas grandes, infundia medo aos meninos, pois contavam que eles roubavam crianças. Mas, para o menino/poeta os ciganos exerciam uma atração especial.
Os ciganos traziam música à cidade durante o dia com o martelar incessante da fabricação de tachos de cobre. A música era repetitiva e monótona, estava associada ao trabalho, mas a noite ouvia-se o som dos violinos e das guitarras. Os cantos e as danças alegres enchiam a noite de uma música suave, enternecedora. O canto era em língua diferente, tão bonito que “mesmo o silêncio quietava para escutar.”
Havia música também nos ruídos do chicote do pai nas costas do menino. Era uma música dolorida, sofrida, diferente da música do trabalho e do som dos violinos.
Mais dolorido era o silêncio. Ele chegou de mansinho, de madrugada, na morte silente da mãe, no “momento frágil em que nem mesmo a natureza se define”.
E o menino recorda a mãe naquele instante de infinita dor. Ela não tinha vaidade, era incapaz de escolher o colorido de seus vestidos, tudo na mãe irradiava simplicidade. Morreu silente como os pássaros morrem. As mãos trancadas sobre o peito “como que avisando que nada mais poderia ser feito”.
Era no silêncio da madrugada que os ciganos partiam, deixando a cidade mais triste e desolada. Para o menino poeta, “os ciganos eram uma espécie de sol que acordava os afetos. E era tanto o amor, que muitas vezes ele duvidava de tudo, pensava ser um cigano, esquecido em porta de família alheia.”
De modo bem lírico, como costumam ser os livros de Bartolomeu Campos de Queirós, ficamos conhecendo retalhos da vida de um menino que cresceu e resolveu um dia contar fatos de sua infância como se poeta fosse. E Lili perguntou:
- Mas ele não é poeta?

Um comentário:

Floresilla Queiroz Viveiros disse...

Tive vários contatos profissionais com Bartolomeu há muitos anos atrás :cursos em B. Horizonte, curso do Tom Hudson da Escolinha de Arte do Brasil, Seminários da Bloch Educação.
Fico feliz ao perceber que ele mantém a mesma postura sensivel,leve e tão bonita para expressar sua rica poesia interior.
Floresilla Queiroz Viveiros
< viveirosf@gmail.com >