terça-feira, 23 de novembro de 2010

Os menores e os maiores livros de Rachel de Queiroz








Os menores e os maiores livros de Rachel de Queiroz
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente eles caem do céu.
(Rachel de Queiroz)

Talvez o leitor estranhe o título do artigo. Muitas pessoas costumam se referir à literatura infantil como uma literatura menor. Queremos romper esta mentalidade acanhada. A literatura infantil, embora destinada àqueles de pouca idade, não significa que seja uma literatura menor, de pouco valor literário. “O menino mágico”, “Cafute & Pena de Prata” e “Andira” foram escritos com a mesma preocupação literária que norteou Rachel de Queiroz para escrever “O Quinze”, “Dôra Doralina”, “Memorial de Maria Moura” e outros livros consagrados, não deixando de mencionar as saborosas crônicas que escrevia para a última página da revista “O Cruzeiro”. São, portanto, livros do mesmo quilate dos livros para adultos.
Nosso passeio vai passar pelas ruas dos três livros infantis que a escritora cearense deixou de presente para as crianças e para os pais que não perderam o gosto da infância. Cada livro foi inspirado em algum fato ou experiência da escritora. Maria Luiza de Queiroz, irmã da escritora, afirma que eram os livros infantis que Rachel mais gostava de escrever. Foram livros escritos na fase da maturidade, livros escritos para os netos.
“O menino mágico” foi o primeiro para crianças. Para escrever este livro, Rachel submeteu a história à apreciação do sobrinho Daniel, menino de sete para oito anos. Os palpites do sobrinho ajudaram na urdidura da trama.
Daniel, o protagonista, era um menino diferente, ele sabia fazer mágicas. Não era ligado a futebol como o irmão, gostava de aventuras, de viajar por toda parte – Teresópolis, São Paulo e até o Ceará, de avião, naturalmente. Todas essas viagens eram inventadas pelo menino mágico e ele contava tudo direitinho como se fossem verdadeiras. Mas aparece na história um primo que era um “gênio”, um verdadeiro Einstein na Matemática, o primo Jorge. Fica difícil a competição – Daniel, o mágico ou Jorge, o matemático? Quem será o vencedor? Para solucionar o problema, surgiu a seguinte proposta: Daniel ficaria com a mágica e Jorge com a inteligência, os dois juntos podiam ganhar a vida e correr o mundo, e foi o que fizeram. Desapareceram. Onde os dois fujões se esconderam? Só a polícia poderá descobri-los.
Este livro traz bonitas ilustrações de Laurabeatriz que entrou no clima da fantasia e pintou e bordou junto com os dois meninos.
“Cafute & Pena-de-Prata” é uma história inspirada nos pintinhos da fazenda e trata de um tema recorrente na literatura – a luta pela sobrevivência e as desigualdades sociais. Cafute era pinto-de-pobre, vivia debaixo das asas da mãe; Pena-de-Prata era pinto-de-rico, não sabia nem quem era sua mãe. O primeiro nasceu no meio do mato; o segundo nasceu em chocadeira elétrica. Mas,quando crescessem, iriam ter o mesmo destino – seriam mortos e servidos para almoço dos patrões. Para fugir da triste sina, resolveram se unir e saíram pelo mundo afora como os músicos de Bremen e vivem mil e uma aventuras.
Para retratar os perigos e as ameaças sofridas pelos pintinhos, a ilustradora Maria Eugênia desenhou galos bem grandes, com bicos ferozes que tomam toda a página. Quando se trata de encontros amigáveis, tudo é delicado, olhares cheios de ternura.
“Indira” nasceu de um equívoco. Uma amiga de Rachel de Queiroz, Dolores, veio passar uns dias na fazenda “Não me deixes” e de noite ouviu uns gritinhos estranhos. De manhã cedo, falou para Rachel:
“- Ah, Rachel, que coisa mais linda – acordei com o canto das andorinhas no beiral do alpendre”.
Rachel ficou calada, ela bem sabia do que se tratava, não falou nada para não tirar o encanto da ilusão da amiga. Na realidade os gritinhos eram de morcegos, animais muito comuns nos tetos das casas de fazenda.
Foi, assim, que surgiu a história de uma andorinha que vive em perfeita harmonia com os morcegos, adquire até os hábitos comuns aos morcegos, assume-se “andorinha/morcego”.
Até que um dia, cansada de fingir ser morcego, descobre que os morcegos são bem diferentes das andorinhas e resolve partir com suas irmãs verdadeiras.
Rachel afirmou que criava suas histórias inspiradas em fatos reais. Os três contos infantis mesclam fantasia com realidade. A escritora partiu de alguma coisa concreta, deu asas à imaginação e surgiram três encantadoras histórias que foram reeditadas em 2010 para homenagear o centenário de nascimento de Rachel de Queiroz. Louvada iniciativa da editora Caramelo!

Um comentário:

GT CiberEnsino disse...

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Ambos são de projetos da UEM, o primeiro é de um projeto de pesquisa coordenado por Alice Áurea Penteado Martha e o outro de um projeto de extensão (trata-se de uma revista de literatura, artes e educação), coordenado por Marciano Lopes e Silva. Estaremos divulgando seu blog nos dois. Saudações! - Marciano Lopes