domingo, 8 de maio de 2011

Leonardo da Vinci: um artista múltiplo


Leonardo da Vinci: um artista múltiplo
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
(Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos. Tabacaria)

Leonardo da Vinci (1452-1519) foi um artista múltiplo. Pintor, arquiteto, botânico, engenheiro, cientista, geólogo, matemático, escritor. Era um grande observador da natureza e do mundo. O artista tinha um caderno de rascunhos e registrava tudo o que via: estudos, desenhos e escrevia textos. “Leonardo da Vinci: fábulas, alegorias e adivinhações” (SM, 2010), adaptação livre com ilustrações de Edith Derdyk, é a reunião desse trabalho pouco conhecido do público.
A fábula, no sentido tradicional, é uma narrativa curta, protagonizada por animais irracionais que encerra uma moral implícita ou explícita. As fábulas escritas por Leonardo da Vinci condizem com a sua maneira de ver o mundo. Animais, minerais e objetos agem como seres humanos. Nas alegorias, o escritor utiliza figuras mitológicas e cria situações “bem-humoradas e inusitadas”. As adivinhações foram denominadas profecias e são pequenos textos com fórmulas enigmáticas e vêm carregadas de um tom visionário e fantástico.
Dezoito textos integram esse livro, sendo seis fábulas, seis alegorias e seis adivinhações.
Fábulas – “A pedra solitária no meio do caminho” relata o desejo de mudança de uma pedra – ela vivia no meio de flores, em um ambiente muito aprazível, mas tinha o desejo de viver junto com outras pedras. O desejo foi satisfeito, veio a desilusão e a prova de que nem sempre as mudanças são boas.
Em “A tinta negra e o papel branco”, o papel reclama da tinta negra por ter maculado a sua brancura com sinais, manchas e garranchos. O papel capitula diante da explicação convincente da tinta negra:
“É justamente por causa dessas palavras escritas com tinta negra que você não será jogado fora ao vento, não será queimado no fogo como alimento da fogueira de são João, não será usado para embrulhar objetos em vão ou simplesmente ir direto para o lixão!!!” (p.27)
Alegorias - Nas alegorias, os protagonistas são animais. Da Vinci criou até animais inexistentes. Alguém conhece um “cerasta”? Ele está bem vivo nesta alegoria. Vamos apresentá-lo. O cerasta é um animal estranho – tem quatro chifres pequenos que se movem no topo da cabeça. Esses chifres são utilizados de modo camuflado para conseguir pegar os pássaros. O animal estranho se enterra debaixo da terra, deixando apenas do lado de fora os quatro chifres. Os pássaros, na sua inocência, pensam que se trata de vermes ou minhocas e quando tentam comer os chifres são engaiolados e devorados com calma e sem nenhum esforço pelo cerasta.
O basilisco é outro animal nunca visto. Embora seja pequeno é capaz de queimar grandes prados, paralisar serpentes, quebrar árvores. Seu poder de destruição é incalculável. Ele deixa sua marca por onde passa. E a alegoria termina com esta observação: “O basilisco é um bicho que dá medo só de pensar nele, até porque ninguém, até hoje, viu um basilisco de verdade.” (p.38)
Adivinhas - “Dos olhos, do raio do sol e do pensamento” é a última adivinha do livro. O texto se inicia com a pergunta: “O que teriam em comum os olhos, o raio do Sol e o pensamento?” (p.57) No primeiro momento, a discussão gira em torno das possibilidades –”Se o Sol aparece do lado do Oriente e rapidamente espalha seus raios para o Ocidente... Se os olhos, quando se abrem, alcançam o Sol num milésimo de milésimo de segundo... Se a mente atravessa num só pensamento todas as terras... E vem a indagação: O que será que os olhos, o raio do Sol e o pensamento teriam em comum?
No segundo momento, ainda resta a dúvida: “Será que ele tem em comum a contagem do tempo em sua velocidade máxima: micromilésimo de milésimo de segundo?” (p.57). Seguem-se as afirmativas: O os olhos precisam de luz para ver... O Sol precisa de olhos para que as coisas que ele ilumina sejam vistas... e o pensamento precisa da luz de um olhar para pensar...
Tudo parece resolvido, mas as reticências e a interrogação da última frase comprovam que a dúvida ainda persiste:
‘ O que será que os olhos, o raio de Sol e o pensamento teriam em comum?”(p.57)
As fábulas, alegorias e adivinhações de Da Vinci foram baseadas em anotações do artista. O inusitado desses textos demonstra que estamos diante de um inventor que sabe, também, lidar com as palavras.
Edith Derdyk, a ilustradora e adaptadora do texto, é artista plástica e escritora. Já recebeu diversos prêmios, entre eles: The Rockfeller Foundation (Itália), The Banff Center (Canadá). No Brasil, APCA e Porto Seguro Fotografia (Revelação).


Para comemorar o dia do Artista Plástico, selecionamos este pequeno poema de Mário Quintana:
Os quadros são janelas abertas para o outro mundo deste mundo.

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