sexta-feira, 18 de maio de 2012

O enigmático livro de Ana


O enigmático livro de Ana
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
            Jamais li o livro de Ana,
            Mas se fico atento ao mundo e sua festa,
            Posso adivinhar a escritura.
            (Bartolomeu Campos de Queirós. O livro de Ana)

            Ana estava sentada com o livro aberto sobre os joelhos. Maria, ainda menina, não conhecia as letras. Ana passava as folhas do livro com a delicadeza de quem tocava harpa.
            Numa tarde silenciosa, a menina pediu à mãe:
            “ – Mãe,  conta-me o que está escrito em seu livro. Leia para mim o que anda guardado pelas palavras. Quero escutar o que faz seu coração feliz”.
            De modo paciente, a mãe respondeu que todas as coisas estavam contidas naquele livro, desde o visível ao invisível, do tocável ao intocável. E prosseguiu dizendo que aquele livro contava o que havia acontecido antes de tudo. 
            Curiosa como toda criança, a menina quis saber o que havia acontecido antes de tudo, e a mãe explicou:
            “– No princípio só existia o vazio. Tudo se misturava: noite e dia, outono e primavera. Não havia o longe nem o perto, terra ou mar, início ou fim.  O nada ocupou todo o vazio.  [...]. Ele criou o mundo. E o que era caos foi ganhando ordem.  O que era desordem ganhou harmonia. E dentro do nada Ele iniciou a criação.” (p.17)
            Estes diálogos aparecem nas primeiras páginas de “O Livro de Ana”, de Bartolomeu Campos de Queirós (Ed. Global, 2009), com ilustrações de Marconi Drummond.
             Ana lia aquele livro de forma carinhosa e acompanhava as palavras com os olhos. Explicava que no primeiro dia surgiu o firmamento, no segundo Ele fez a terra e no terceiro criou o mar. Pouco a pouco, o Criador ia colocando as coisas no seu devido lugar.
            Em “ O Livro de Ana”,  o escritor compartilha com o leitor uma possível resposta para a dúvida que sempre o acompanhou ao olhar a imagem de Sant´Ana. A imagem (pintura ou escultura) de Sant´Ana com um livro nas mãos e  Maria, junto da mãe, atenta aos ensinamentos maternos, sempre exerceu forte atração no escritor. Diante da imagem da santa, ele se quedava silencioso e imaginava o que poderia estar escrito naquele livro. Para quebrar um pouco desse mistério, resolveu escrever “O livro de Ana”.
            A primeira escultura de Sant´Ana  como mestra ensinando a filha a ler surgiu na Bretanha, século VII, quando a leitura foi permitida a todos da região. A devoção à Sant´Ana Mestra  se difundiu pelo mundo. A imagem da Santa se tornou símbolo da pedagogia.
            Com o dom de transformar as mais prosaicas palavras em poesia, o escritor caminha lado a lado com o livro do Gênesis e o olhar voltado para a imagem de Sant´Ana, criando  um diálogo muito afetivo entre mãe (Sant´Ana) e filha (Maria).
            Marconi Drummond é o autor das ilustrações.  Desenhos  do mapa mundi, o sol, a lua, embriões de animais e humanos, círculos, figuras humanas,  e formiguinhas que parecem passear pelas páginas do livro complementam o texto de Bartolomeu.  
            O texto verbal aparece separado das ilustrações por um corte que atravessa toda a página, somente na última página, quando a narrativa da criação do mundo se completa, encontramos a junção texto verbal/ ilustração.
            Há duas páginas que chamam a atenção do leitor. Na página 12, a ilustração que acompanha o texto vem marcada por traços na cor azul que correspondem exatamente às palavras do texto verbal. Na pagina 20, aparece a reiteração da letra m (minúscula), também em azul. Seria o “m” inicial do nome Maria, mãe ou mar? São enigmas que desafiam o leitor.
            Este livro é um convite à reflexão sobre o poder das palavras, um louvor ao meditar, ao silêncio, à música. A leitura feita por Ana acontecia entre o adeus do sol e o boa-noite da lua, hora de sossego, hora em que os anjos voam e o silêncio é quebrado apenas pelo som da flauta, violino e cítara. Nesses momentos, apenas o coração escuta.   
            Para concluir estas observações sobre este bonito e enigmático livro, vale repetir as palavras do “menino-poeta”:
            “Como uma fila de pequenas formigas buscando o açúcar, também as palavras trazem chaves. Destrancam destino, abrem histórias, libertam direções. E mais, fazem brotar a primavera mesmo se o tempo é de inverno. “ 

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