segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ONDE ESTÁ O OURO?



ONDE ESTÁ O OURO?

                       (Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)



- O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria
deram então de me chamar
Severino de Maria;
(João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Auto de Natal pernambucano). 


             “Ouro dentro da cabeça” (Ed. Autêntica, 2012), de Maria Valéria Rezende, é uma história contada sob o ponto de vista do protagonista Coisa-Nenhuma que, no decorrer da narrativa, vai recebendo outras denominações – Piá, Caroço e Marílio da Conceição. 
            Como Severino, personagem do poema de João Cabral de Melo Neto, o protagonista começa fazendo sua apresentação. Ele diz que vai contar a sua história que é de um lutador que correu sérios perigos, andou o Brasil inteiro à procura de um tesouro que não era de ouro nem de prata, era de coisa mais preciosa. E onde estava esse tesouro? O grande segredo só será revelado no fim da história.
            Vamos acompanhar a narrativa, seguir os seus passos de acordo com os diferentes nomes que o personagem vai adquirindo na sua árdua peregrinação. 
            Coisa-Nenhuma nasceu e cresceu sem nome em um lugar bem escondido, difícil de se achar no mapa, a única referência desse local desolado é que tinha umas penhas, as Pedras do Perdão.  Havia muitas histórias ou lendas sobre a origem do lugar e aquele sítio se chamava Furna dos Crioulos. Era uma serra, coberta por um mato verde, na beira de um rio também verde cortado por um lajedo escuro.
            Quem era o Pai? Ninguém sabia e o pequeno foi criado sem saber quem era seu pai e muito menos como se chamava. A mãe devia ter nome, mas ninguém ousava pronunciá-lo – a lembrança dela dava uma profunda tristeza em todo mundo.  Com poucos dias de nascido, ela resolveu, por conta própria, voar para o céu dos passarinhos. E assim o menino ficou sem pai e sem mãe. 
            Quando era bem pequeno, era chamado de Miúdo, como nasceram outros guris mais miúdos, virou Coisa-Nenhuma. Esse nome foi colocado pela avó. Todas as vezes que chorava pedindo comida, a vó dizia:
            “- E vosmecê é coisa nenhuma pra comer mais do que os outros?” (p. 14).
            Coisa-Nenhuma  Nenhuma foi crescendo e gostava de correr e andar pela mata. Um dia se deparou com um homem estranho, estava caído e bem doente, levou-o para casa, cuidou dele e ficou sabendo que se chamava Pajé. Esse homem era muito bom e deu ao  menino o nome  de Piá. Ele contava histórias inventadas e ensinava-lhe  novas palavras para que mais tarde  também pudesse contar histórias. Um dia o Pajé adoeceu e dormiu para nunca mais acordar. E o menino que não sabia ler herdou do Pajé uma caixa cheia de livros.
            Outros tempos se passaram. Tião dos Burros, um dos habitantes da Furna dos Crioulos, que sempre descia até à cidade para vender e comprar mercadorias chegou com uma novidade – vinha uma professora morar naquele lugar para ensinar a ler. A alegria do menino foi tão grande que não conseguia mais dormir. Finalmente chegou o grande dia - a professora era linda, chamava-se Marília, ia satisfazer seu grande sonho: estudar e aprender a ler. O sonho durou apenas uma noite de verão, não podia se matricular na escola, não era registrado, não tinha pai nem mãe, não tinha nome. Achou o nome da professora tão bonito que resolveu que dali por diante se chamaria  Marílio da Conceição. E assim ficou conhecido. 
            Já mais taludo, foi contratado por uma firma para derrubar matas. Era um trabalho escravo e dava-lhe muita pena matar as árvores. O rapazinho cortava as árvores com a motoserra e considera isso quase um assassinato. As árvores derrubadas não eram para fazer casa para abrigar uma família, nem mesa, nem tamborete, nem tear, nem violão. “Era matar por matar”. Com rasgos poéticos, vem o desabafo:
            “... matar árvore à toa é pior que matar gente e bicho, que pode se defender, pode gritar e correr. A árvore só geme e chora., verte lágrimas de ouro enquanto a peste da serra se afunda no tronco, e ela cai.” (p. 64)
            Foi dessa época de matador de árvores que lhe veio o apelido: Caroço. Depois que derrubava uma árvore por ordem do mateiro, ele se abraçava com o tronco querendo morrer também e colhia as sementes que se espalhavam pelo chão, colocava-as no bolso e saía semeando por onde passava daí os companheiros de infortúnio lhe darem esse apelido. 
            Vamo-nos aproximando do fim da história. Onde está o ouro? Não vou dizer, vou repetir palavras da autora: “Ah, esse é o grande segredo que só contarei no fim.” Acrescentamos – leiam o livro e saberão.
             Com “Ouro dentro da cabeça” (Ed. Autêntica, 2012), ilustrações de Diogo Droschi, Maria Valéria Rezende, escritora paulista, radicada na Paraíba há mais de 30 anos, conquistou o 3º. lugar no Prêmio Jabuti de literatura juvenil 2013. É um livro que apresenta as desigualdades e  as injustiças do mundo capitalista,  que clama por uma consciência ecológica e que defende o direito de ler de todos os cidadãos.  

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