quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Marcos Bagno: um escritor múltiplo

            Marcos Bagno: um escritor múltiplo

            Escrever sempre foi para mim um jeito de me conhecer mais a fundo, de refletir melhor sobre o que eu penso, quero e sei.
            (Marcos Bagno. In Murmúrio).  


             Marcos Bagno é escritor, professor, dicionarista e tradutor mineiro. Gosta de viajar e já morou em diversas cidades do Brasil. Nos anos 1990, morava em Recife no Poço da Panela, era aluno do Mestrado em Letras na UFPE e escrevia livros para o público infantil.   O gosto pela literatura infantil perdura até hoje, mesmo dedicando-se ultimamente ao magistério na UNB.

            O autor costuma dizer que só escreve porque lê. E quando as pessoas perguntam o que devem fazer para se tornar escritores, dá sempre essa resposta: “Leiam muito primeiro, porque quem não lê não escreve”. Fica a lição para aqueles que têm a pretensão de ser escritor.  

            Além de escrever livros voltados para a linguística, dicionários, temas ligados à leitura, Marcos Bagno sempre volta aos infantis. Escrever para crianças e jovens é uma das paixões desse escritor múltiplo. 

            Nos anos 1995/1996, encantei-me com dois livros escritos por Bagno – “O papel roxo da maçã” e “Um céu azul para Clementina”. O título deste primeiro livro foi inspirado em uma fala de Bartolomeu Campos de Queirós no Encontro do Prêmio Nestlé de Literatura (São Paulo - 1988). Falando sobre sua experiência com a literatura, Bartolomeu confessou que a sua primeira leitura fora o papel roxo da maçã que seu pai trazia das longas viagens (o pai de Bartolomeu era caminhoneiro). “Um céu azul para Clementina” é um livro de temática ecológica. O texto gera uma discussão em torno de problemas ligados à poluição.

            Os anos se passaram e Bagno continuou escrevendo para crianças. Pela editora Positivo (Curitiba), tem publicado vários livros para o público infantil. “Marcéu” (Positivo, 2013) recebeu prêmios nacionais, entre eles, o Prêmio Brasília de Literatura (categoria juvenil), o Prêmio Glória Pondé da Biblioteca Nacional e o selo Altamente Recomendável da FNLIJ (2013). Este livro é uma homenagem a seu irmão Marcelo, desaparecido nas águas de um rio após forte chuva. O fato é real e Bagno transformou o drama vivenciado pela família em ficção. Na internet, encontramos um vídeo em que o escritor lê trechos desse livro. É só conferir.
   
            Mais recentemente recebi o livro “Murmúrio” (Ed. Positivo, 2014) que guarda afinidades com histórias de encantamento e se caracteriza por uma linguagem poética. A leitura é tão cativante que não conseguimos parar no meio, nosso desejo é continuar a leitura até encontrar o ponto final.

            Aproveitando-se de uma antiga lenda sobre um sábio chinês que sonhava que era uma borboleta, Bagno escreveu uma história que envolve um encontro com uma borboleta, um sonho e a doença de um príncipe.
 
            O primeiro parágrafo do livro demonstra que estamos no mundo  encantado das palavras:  
            Num pequeno reino escondido entre as montanhas mais altas deste lado do mundo, a nove dias de viagem a pé dos muros de sua bela capital, morava em absoluta solidão um homem muito idoso, numa choupana às margens da grande estrada rasgada à sombra das vertiginosas vertentes. (p.7).

            E o que fazia esse homem solitário? Cultivava flores de várias qualidades, tamanhos e odores. Sua maior alegria era poder alegrar a vida das pessoas presenteando-as com flores.

            Um dia, cuidando do jardim, descobriu uma borboleta de indescritível beleza. O sábio jardineiro apaixonou-se pela borboleta, conversava com ela, tinha carinhos de pai. Agora não era apenas o jardim que exigia sua atenção, tinha outra tarefa a cumprir – cuidar da bela borboleta.

                Depois de alguns dias, observou que a borboleta escolhera uma folha, a maior de todas, e se escondeu sobre ela. O que estaria fazendo naquele esconderijo? Não quis espiar o que estava por trás da folha para não ser indiscreto. Saindo do seu recolhimento, a borboleta alçou voo, veio um pássaro vermelho apanhou a frágil borboleta e engoliu sem deixar vestígios. O jardineiro ficou desconsolado.

            E o narrador continua com sua prosa poética:
            Foi tudo tão veloz e tão triste que o jardineiro demorou alguns minutos até perceber que aquela história de amor, que mal tinha começado, já pertencia as páginas amareladas do livro da saudade. E por isso ele chorou uma única lágrima, pequena como a borboleta desaparecida, mas tão sincera quanto sua beleza. (p.13 -14).

             A história prossegue. O jardineiro ficou triste com o desaparecimento da borboleta, restava uma esperança – ela havia depositado alguma coisa naquela folha do jardim e daquele segredo poderia surgir uma nova vida.

             E vem o terceiro momento da história. Certo dia o velho sábio recebeu uma visita inesperada de três cavaleiros, eles disseram que eram médicos e estavam a caminho da capital para atender ao chamado do rei. O príncipe, um rapaz de dezoito anos, estava muito doente. O velho jardineiro resolveu enviar um presente para o príncipe – um pote de vidro e dentro do pote um ovo de borboleta. Se não tivesse o poder de curar o jovem príncipe, aquela lembrança  poderia proporcionar-lhe alguns momentos de satisfação, disse o velho jardineiro aos cavaleiros. 

            E o resto? O resto se não é silêncio, é apenas murmúrio. O velho sábio, o príncipe e a borboleta irão se encontrar em algum lugar.

            

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