Marcos Bagno: um escritor múltiplo
Escrever sempre foi
para mim um jeito de me conhecer mais a fundo, de refletir melhor sobre o que
eu penso, quero e sei.
(Marcos Bagno. In
Murmúrio).
Marcos Bagno é
escritor, professor, dicionarista e tradutor mineiro. Gosta de viajar e já
morou em diversas cidades do Brasil. Nos anos 1990, morava em Recife no Poço da
Panela, era aluno do Mestrado em Letras na UFPE e escrevia livros para o
público infantil. O gosto pela literatura infantil perdura até
hoje, mesmo dedicando-se ultimamente ao magistério na UNB.
O autor costuma dizer que só escreve porque lê. E quando
as pessoas perguntam o que devem fazer para se tornar escritores, dá sempre
essa resposta: “Leiam muito primeiro, porque quem não lê não escreve”. Fica a
lição para aqueles que têm a pretensão de ser escritor.
Além de escrever livros voltados para a linguística,
dicionários, temas ligados à leitura, Marcos Bagno sempre volta aos infantis.
Escrever para crianças e jovens é uma das paixões desse escritor múltiplo.
Nos anos 1995/1996, encantei-me com dois livros escritos
por Bagno – “O papel roxo da maçã” e “Um céu azul para Clementina”. O título
deste primeiro livro foi inspirado em uma fala de Bartolomeu Campos de Queirós
no Encontro do Prêmio Nestlé de Literatura (São Paulo - 1988). Falando sobre
sua experiência com a literatura, Bartolomeu confessou que a sua primeira
leitura fora o papel roxo da maçã que seu pai trazia das longas viagens (o pai de Bartolomeu
era caminhoneiro). “Um céu azul para Clementina” é um livro de temática
ecológica. O texto gera uma discussão em torno de problemas ligados à poluição.
Os anos se passaram e Bagno continuou escrevendo para crianças. Pela editora Positivo (Curitiba), tem publicado vários
livros para o público infantil. “Marcéu” (Positivo, 2013) recebeu prêmios
nacionais, entre eles, o Prêmio Brasília de Literatura (categoria juvenil), o
Prêmio Glória Pondé da Biblioteca Nacional e o selo Altamente Recomendável da
FNLIJ (2013). Este livro é uma homenagem a seu irmão Marcelo, desaparecido nas
águas de um rio após forte chuva. O fato é real e Bagno transformou o drama
vivenciado pela família em ficção. Na internet, encontramos um vídeo em que o
escritor lê trechos desse livro. É só conferir.
Mais recentemente recebi o livro “Murmúrio” (Ed.
Positivo, 2014) que guarda afinidades com histórias de encantamento e se
caracteriza por uma linguagem poética. A leitura é tão cativante que não
conseguimos parar no meio, nosso desejo é continuar a leitura até encontrar o
ponto final.
Aproveitando-se de uma antiga lenda sobre um sábio chinês
que sonhava que era uma borboleta, Bagno escreveu uma história que envolve um
encontro com uma borboleta, um sonho e a doença de um príncipe.
O primeiro parágrafo do livro demonstra que estamos no
mundo encantado das palavras:
Num pequeno reino escondido entre as
montanhas mais altas deste lado do mundo, a nove dias de viagem a pé dos muros
de sua bela capital, morava em absoluta solidão um homem muito idoso, numa
choupana às margens da grande estrada rasgada à sombra das vertiginosas
vertentes. (p.7).
E o que fazia esse homem solitário? Cultivava flores de
várias qualidades, tamanhos e odores. Sua maior alegria era poder alegrar a vida
das pessoas presenteando-as com flores.
Um dia, cuidando do jardim, descobriu uma borboleta de
indescritível beleza. O sábio jardineiro apaixonou-se pela borboleta,
conversava com ela, tinha carinhos de pai. Agora não era apenas o jardim que
exigia sua atenção, tinha outra tarefa a cumprir – cuidar da bela borboleta.
Depois de alguns dias, observou que a
borboleta escolhera uma folha, a maior de todas, e se escondeu sobre ela. O que
estaria fazendo naquele esconderijo? Não quis espiar o que estava por trás da
folha para não ser indiscreto. Saindo do seu recolhimento, a borboleta alçou
voo, veio um pássaro vermelho apanhou a frágil borboleta e engoliu sem deixar
vestígios. O jardineiro ficou desconsolado.
E o narrador continua com sua prosa poética:
Foi tudo tão veloz e tão triste que
o jardineiro demorou alguns minutos até perceber que aquela história de amor,
que mal tinha começado, já pertencia as páginas amareladas do livro da saudade.
E por isso ele chorou uma única lágrima, pequena como a borboleta desaparecida,
mas tão sincera quanto sua beleza. (p.13 -14).
A história
prossegue. O jardineiro ficou triste com o desaparecimento da borboleta,
restava uma esperança – ela havia depositado alguma coisa naquela folha do
jardim e daquele segredo poderia surgir uma nova vida.
E vem o terceiro
momento da história. Certo dia o velho sábio recebeu uma visita inesperada de
três cavaleiros, eles disseram que eram médicos e estavam a caminho da capital
para atender ao chamado do rei. O príncipe, um rapaz de dezoito anos, estava
muito doente. O velho jardineiro resolveu enviar um presente para o príncipe –
um pote de vidro e dentro do pote um ovo de borboleta. Se não tivesse o poder
de curar o jovem príncipe, aquela lembrança poderia proporcionar-lhe alguns momentos de
satisfação, disse o velho jardineiro aos cavaleiros.
E o resto? O resto se não é silêncio, é apenas murmúrio.
O velho sábio, o príncipe e a borboleta irão se encontrar em algum lugar.
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