Tá pronto seu lobo? E outras brincadeiras infantis
( Neide Medeiros Santos - FNLIJ/PB)
Se a
poesia bater à porta,
abra como a um amigo.
Poesia é luz,
alimento e abrigo.
(Eloí Bocheco.
Abrindo a porta. In: Tá pronto seu lobo? E outros poemas).
Quando pensamos no binômio criança/música, lembramo-nos
das cantigas de roda e das brincadeiras infantis de rua. Qual foi o menino ou
menina que não brincou de pega, chicote queimado, anel, Tá pronto seu lobo? E
as cantigas de roda: Terezinha de Jesus, A canoa virou, Sapo cururu, Roda pião?
Elas estão presentes na memória de quem brincou nas calçadas das pequenas
cidades nas noites de lua cheia.
Se hoje não encontramos crianças brincando de
roda nas calçadas, principalmente nas grandes cidades, nas escolas essas
brincadeiras ainda têm um lugar reservado.
CDs e DVDs com cantigas de roda são publicados todos os anos pelas
editoras brasileiras e os escritores revisitam essas cantigas através da poesia
ou de textos memorialísticos.
Eloi Bocheco, no livro “Tá pronto seu lobo? E outros
poemas” (Ed. Formato, 2014), retoma algumas dessas cantigas e brincadeiras
infantis de forma criativa e prazerosa. Os poemas do livro podem ser agrupados
em: cantigas de roda, brincadeiras infantis, parlendas e poemas independentes.
O trabalho de recriação está presente em todas as modalidades.
Em nota que aparece na última página do livro, a autora
explica que “Os primeiros acordes de poesia vieram da boca dos contadores e
declamadores” de sua infância e que foi uma grande “ouvidora poética” dos
cantares e do cancioneiro oral.
O livro “Tá pronto seu lobo? E outros poemas” nos levou
ao encontro de “Cancioneiro da Paraíba”, coletânea organizada por Maria de
Fátima Batista e Idelette Fonseca dos Santos que reúne um vasto repertório de
cantigas de ninar, cantigas de roda, parlendas e outras cantigas que são
encontradas em diferentes regiões da Paraíba, abrangendo o litoral, brejo,
cariri e sertão.
Chamamos a atenção do leitor para este aspecto: as
organizadoras do “Cancioneiro da Paraíba”, publicado em 1993 pela editora
Grafset, foram fiéis as transcrições dos textos coletados. Oitenta e seis
informantes, de origem paraibana ou aqui radicados, apresentaram cantigas,
parlendas, orações, tudo fruto da vivência com a cultura popular paraibana.
Eloí Bocheco apelou para a memória e imaginação, deu “hora e vez” à sua veia
poética. De forma lúdica, deixou transparecer o eu poético de maneira livre e
descompromissada.
Um confronto entre a cantiga “Alecrim” que aparece no
“Cancioneiro da Paraíba” e no livro “Tá pronto seu lobo? E outros poemas”
denota, por parte das pesquisadoras, a fidelidade ao texto cantado, enquanto
que em Eloí aflora a poeticidade e liberdade poética.
Alecrim,
Alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado.
Ai! Meu amor
Quem me disse assim
Que a flor do campo
É o alecrim.
(Alecrim do Campo. In: Cancioneiro
da Paraíba. Idelette Fonseca dos Santos e Maria de Fátima B. de M. Batista (Organizadoras).
João Pessoa: Grafset, 1993, p. 140 Cantado por Miriam M. Machado, Queimadas, PB).
O poema de Eloí traz o título – “Alecrim” e apresenta três
estrofes. Iremos fazer a transcrição apenas da 1ª estrofe e já podemos sentir
as diferenças:
Alecrim,
alecrim dourado
que nasceu do campo
sem ser semeado.
Diga, alecrim,
se você é encantado
se veio do céu,
ou de outro lado.
(Alecrim.
Eloí Bocheco. In: Tá pronto seu lobo? E outros poemas. Ed. Formato, 2014,
p.31).
Os
quatro primeiros versos são iguais nas duas cantigas, a partir do quinto verso observamos
as diferenças, mas nas duas canções, a planta é tratada de forma personificada.
Na segunda versão, o apelo para que o alecrim se manifeste - “se é encantado, se
veio do céu ou de outro lado” - se verifica através do modo imperativo, um
imperativo que pede uma resposta, porém sem as imposições que caracterizam esse
modo verbal.
Os
dois livros apresentam maneiras distintas de registrar as cantigas de roda. O
“Cancioneiro da Paraíba” é um trabalho investigativo, uma pesquisa; o outro é
um livro de poemas e não se prende ao registro fiel do que foi cantado, o poeta
é livre para modificar, ampliar, externar seu eu poético como lhe apraz.
Lembramos
que o livro “Cancioneiro Paraibano” foi ilustrado com bico de pena pelo artista
plástico Domingos Sávio, natural da Paraíba, e traz o registro musical das
cantigas, resultado também de pesquisas, de Maria Alix Nóbrega Ferreira de
Melo. “Tá pronto seu lobo? E outros poemas” recebeu ilustrações de Suryara
Bernardi que tem formação em Design Gráfico. As ilustrações são grandes,
graciosas e vêm marcadas por um toque de charme aliado ao humor.
“Cancioneiro
da Paraíba” nasceu em terras paraibanas, “Tá pronto seu lobo” veio de terras
mais distantes – Santa Catarina. De um lado, a pesquisa, a coleta precisa dos
dados, os registros orais, do outro, a junção do real com o imaginário, é a
poesia abrindo a porta e pedindo alimento e abrigo.
LEITURA
RECOMENDADA
Os ratos amestrados fazem acrobacias
ao amanhecer. Políbio Alves. João Pessoa: FUNESC, 2014.
Ganhador do Prêmio Augusto dos Anjos – 2013, o livro de
contos de Políbio Alves “Os ratos amestrados fazem acrobacias ao amanhecer” apresenta sete contos que se caracterizam por
uma linguagem entrecortada, “estilo soluçante” à moda de Samuel Rawett, isto é,
um estilo marcado por pausas. Na literatura brasileira, além de Rawett,
Graciliano Ramos também foi adepto desse estilo. E lembramos o conto
“Gringuinho”, de Rawett, uma verdadeira aula de concisão. Políbio aprimora-o. Há frases que exigem apenas uma
palavra ou uma breve expressão, como no
conto “Meteorango dia”:
Nada. E tudo.
Coisas do cotidiano. Desaforadas. (p.9)
Cabe ao leitor polibiano completar o que o contista
apenas sugere.
( Texto publicado no jornal "Contraponto". Paraíba, 30/01 a 05 de fevereiro de 2015)
Um comentário:
Obrigada, querida Neide, pela divulgação tão carinhosa.
Beijos
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