Monteiro
Lobato: pintor, escritor, editor
(Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Tudo morre, tudo
passa, tudo desaparece levado pelo rio do Tempo- menos a obra de arte. Como
Camões produziu uma verdadeira obra de arte, não morreu – está sempre vivo na
memória dos homens.
(Monteiro Lobato. In:
Geografia de Dona Benta).
O dia 18 de abril é consagrado ao livro infantil no
Brasil. Nessa data nasceu na cidade de Taubaté (SP), em 1882, o escritor que dedicou
grande parte de sua vida a escrever livros para crianças – Monteiro Lobato.
A professora Marisa Lajolo, estudiosa da obra do escritor,
afirma que Lobato era um homem de sete instrumentos, como gato de sete vidas e
por viver tantas vidas, ainda hoje gera polêmicas tão acesas quanto aquelas que
vivenciou na década de 1930, apregoando
a existência do petróleo no Brasil ou quando condenava a queima das matas como
um fator de poluição ao meio ambiente.
Vamos examinar algumas dessas facetas desse artista
múltiplo, começando pela pintura. Antes de dedicar-se à literatura, Lobato
pensou em ser pintor e deixou o registro dessa fase em aquarelas da cidade de
Taubaté, da fazenda Buquira e fez caricaturas para a revista Fon-Fon. O desenho
mais antigo de Lobato foi feito quando contava seis anos de idade. Desenhou
laranjeiras carregadas de copas redondas, trabalho realizado na Fazenda Santa
Maria, em Taubaté. Aos dez anos, fez o desenho de um lago cercado por árvores e
dedicou à sua avó.
Monteiro Lobato foi criado pelo avô que tinha outros
planos para o neto, não queria que fosse apenas pintor, tinha ambições mais
altas. Em um período de valorização dos
bacharéis (primeiros anos do século XX), o avô desejava ver o neto formado em
Direito e foi incutindo pouco a pouco no jovem esse desejo e viu realizada sua
vontade. O neto seguiu o curso de Direito, mas
em nenhum momento pensou em abandonar de vez os pincéis e as tintas. Ele
mesmo confessou, certa vez, que a pintura era uma antiga paixão que teimava em
reaparecer como urticária crônica e dizia que sofria de uma pequena crise
pictórica.
No livro “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúnida” é
possível conhecer quadros que apresentam as diferentes fases e as técnicas
utilizadas pelo pintor no seu trilhar artístico: aquarela, nanquim, óleo.
Como escritor, Lobato não iniciou sua vida literária
escrevendo para crianças, inicialmente se dedicou “aos marmanjos”, e escreveu
livros de contos – “Urupês” e “Cidades Mortas”. Depois enveredou para a literatura
infantil, adotando uma linguagem que primava pela “ oralidade, despojamento
sintático e criação vocabular”.
É na literatura
para crianças que Lobato encontrou seu verdadeiro caminho. Em 1921, lançou o livro “Narizinho Arrebitado”
que conquistou o público infantil. O livro foi adotado nas escolas públicas de
São Paulo e o sucesso extrapolou os limites regionais. Nascia aí o cenário idílico
do Sítio do Picapau Amarelo e os personagens marcantes desse universo –
Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa, Dona Benta e tia
Nastácia, entre muitos outros que iriam morar na cabecinha das crianças
brasileiras. Esse era o grande sonho de Lobato – escrever livros onde as
crianças pudessem morar neles. O sonho foi realizado.
Iniciando a carreira literária como escritor, Lobato foi depois editor de seus próprios livros, por fim
editor de obras alheias. Em 1918, comprou a “Revista do Brasil” e sonhou mais
alto – tinha esperanças de possuir uma casa editora e conseguiu realizar o que
planejara, criou a editora Monteiro Lobato & Cia e editou livros de
escritores e poetas brasileiros, como
Lima Barreto e Olavo Bilac, mas surgiram várias crises – crise no setor
elétrico, crise de água da Cantareira ( problema antigo), setor bancário e a editora se tornou inviável,
veio a falência, mas Lobato resistiu e partiu para novas aventuras literárias e
para outras lutas.
Em
1925, transferiu-se para o Rio de Janeiro e passou a colaborar com os jornais
do Rio, depois foi morar nos Estados Unidos como adido comercial do Brasil em
Nova York. Ficou entusiasmado com o progresso daquele país que vivia uma
efervescência industrial. Um fato que muito lhe chamou a atenção foi o grande
número de bibliotecas nos Estados Unidos.
Veio a queda da Bolsa de Nova York em 1929 e Lobato resolveu regressar
ao Brasil. Um novo recomeço.
De
volta ao Brasil, trabalhou muito para sobreviver, passava horas e mais horas na
máquina de escrever, mergulhava nos seus textos e produzia novas histórias para
crianças, incentivava a formação de companhias para a exploração do petróleo. Mais uma vez suas ideias não encontraram eco. Os trustes americanos boicotaram seu projeto da Fundação da Companhia de
Petróleo Nacional. Era uma frustração
para quem sempre lutou para ver um Brasil próspero, independente, com pessoas
instruídas e produzindo petróleo.
Nos
últimos anos de vida, Monteiro Lobato se mudou para Argentina, publicou livros
que tiveram boa aceitação entre as crianças e fundou com amigos uma nova
editora – Acteon. Sentiu saudades do Brasil e voltou doente e um pouco desiludido. Em 5 de julho de
1948, o escritor despediu-se da vida, uma vida toda dedicada à literatura, à
educação. Foi um grande brasileiro que
deixou um legado para as gerações
futuras.
Durante quarenta anos Lobato manteve correspondência com
o juiz e escritor bissexto Godofredo Rangel.
Seus pensamentos, suas ideias, estão explícitas nessa vasta
correspondência que foi reunida em dois volumes com o título “A Barca de
Gleyre”. Esse título remete à tela do pintor francês Charles Marc-Gabriel
Gleyre, denominado “Le Soir, ou Les Illusions Perdues” Mais uma vez é a
presença da pintura na vida do escritor.
Na fala de Dona Benta aos meninos do sítio do Picapau
Amarelo, ela apregoa que as verdadeiras obras de arte não morrem. Quase setenta
anos se passaram da morte de Lobato, mas ele continua vivo na memória dos seus
leitores, continua sendo estudado, divulgado, analisado e gerando polêmicas.
Está vivíssimo.
( Texto publicado no jornal "Contraponto" - 18 a 24 de abril de 2016)
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