sábado, 25 de março de 2017

Museu de histórias catadas

 MUSEU DE HISTÓRIAS CATADAS

            (Neide Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)

                        A gaiola aprisiona o pássaro, mas não o seu canto.
                        (Sérgio Palmiro Serrano. O catador de histórias).

            Sérgio Serrano é autor de “O catador de histórias” (Ed. Evoluir, 2016). O livro recebeu bonitas ilustrações de Ágatha Kretli. Sérgio é bem conhecido do público infantil por seu programa “Baú de histórias” na TV Cultura. Além de contador de histórias, é ator, bonequeiro, músico e “inventeiro”. Iniciou a carreira profissional na área do desenho gráfico, produzindo para jornais e revistas, depois passou a ilustrar livros para crianças. Mais tarde descobriu o teatro e viu que poderia reunir as coisas que ama: histórias, música, desenho e teatro de fantoches. Desenvolve o projeto “Baú na mala” com sua mulher, Cris Miguel.  Com esse projeto, já viajou por muitos lugares no Brasil. Em 2012, foi a Zagreb, na Croácia, e apresentou o espetáculo “Baú de histórias nos Balcans”. Esse trabalho recebeu o Prêmio Zagreb 2012.  A apresentação ocorreu no teatro e na praça da cidade.  Aprendeu a cantar e dialogar na língua croata e encantou as crianças presentes que interagiram com a dupla de múltiplos talentos.

            Voltemos ao livro. “O catador de histórias” não é autobiográfico, mas contém façanhas próprias de um bom contador de histórias, como é o caso de Sérgio Serrano. O personagem principal é Crispim, um menino da roça que gostava de histórias. De tanto ler histórias, resolveu também inventar as suas. Quando terminava a lida no campo – plantar milho e feijão – reunia os amigos e contava lendas, fábulas, contos de reis, príncipes e princesas.   O lugar onde morava era muito pobre.  Um dia, já mais taludinho, decidiu partir para a cidade grande. Na mochila, levava pouca coisa: alguma roupa e um telefone celular. A viagem de ônibus foi longa. Viu a vegetação mudar de cor: milharal, pasto, cana-de-açúcar. Às vezes a paisagem era verde, outras vezes cinzenta. Enfim, chegou a cidade grande. Ficou deslumbrado com tanta gente, muitos carros, ônibus, metrô, coisa que ele desconhecia.   Na rodoviária, olhava com ar de espanto.  Foi logo percebido por um trombadinha. E zás, lá se foi sua mochila com tudo que tinha dentro.  O principal era o celular, havia também algum dinheiro trocado.

            Sem dinheiro, sem telefone para avisar a família do roubo da mochila, foi viver na rua. Dormia nas calçadas com outros mendigos, mas conseguiu conviver em paz com os companheiros noturnos. Resolveu catar lixo e começou a descobrir que as pessoas jogavam fora certas coisas preciosas: como livro inteirinho com autógrafo do autor, roupas que ainda tinham serventia, sapatos. Foi juntando descartes de lixo que arrumou um carrinho de mão e começou a construir uma casa improvisada com as quinquilharias adquiridas.  Depois de certo tempo, conseguiu formar uma pequena biblioteca, uma biblioteca ambulante.  

               Vamos examinar algumas preciosidades encontradas na rua por Crispim: um buquê de noiva novinho, com todas as flores.  Será que o casamento aconteceu mesmo ou o buquê foi descartado pela noiva chorosa com o casamento desfeito? Um retrato bem antigo de alguém que veio de outro país, já devia ter morrido há bastante tempo. A família do falecido achou que o retrato não tinha mais serventia. Destino: lixo.  Até um diário de uma menina que gostava de escrever apareceu um dia nas suas recolhas.  Encontrou uma gaiola de passarinho, naturalmente sem nada dentro, isto é, sem passarinho.  Passarinho esperto, fugiu da prisão.  Descobriu que dentro da gaiola havia um papelzinho dobrado, abriu e leu essa mensagem: “A gaiola aprisiona o pássaro, mas não o seu canto”. Quanta sabedoria em uma simples frase!

            A casa–museu-biblioteca de Crispim começou a atrair a atenção das pessoas. Parava a sua carrocinha em uma praça qualquer, debaixo de uma sombra, e começava a contar histórias para crianças, velhos, adultos. Lembrou-se do tempo em que morava no sítio e tornou-se o contador de histórias do bairro onde morava. Certo dia, teve uma surpresa, encontrou num monte de caixas alguma coisa há muito desejada. O que seria? Leia a história para saber, não vou dizer; É segredo que só a leitura do livro revela.
          
            Essa história tem alguma semelhança com “Hortência das tranças”, contada por Lélis e que reproduzi em “Autores e livros em contraponto”. Aqui, como no livro de Lélis, recriei algumas coisas. A história é tão cativante que me levou a participar colocando coisas que apenas estavam sugeridas. Tanto na história de Crispim como na de Hortência, sente-se a presença da teatralidade. São textos que se prestam muito bem para o teatro.
 
 . Não poderia deixar de fazer referências às ilustrações de Ágatha Kretli. A ilustradora é mineira de Teófilo Otoni e fez Faculdade de Design Gráfico pela Universidade do Vale do Rio Doce. Gosta de pintar e bordar. As ilustrações desse livro reúne a técnica da pintura com o bordado.

Ia me esquecendo, mas ainda há tempo para informar. Todo bom carroceiro tem a companhia de um vira-lata. Pois bem, numa noite de chuva apareceu na carrocinha de Crispim um cachorro todo molhado, estava fugindo da chuva. Crispim deu um pouco de sua comida para o cachorro.  A partir daquela noite nasceu uma grande amizade entre Crispim e Pandi, assim foi denominado o bichinho sem dono. Juntos viveram muitas aventuras.



            NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

Notícias 10 

O  Boletim da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (outubro de 2016) traz um dossiê sobre o escritor Bartolomeu Campos de Queirós. Compreende uma entrevista concedida pelo escritor a Márcio Vassalo em 2003, durante a realização do 5º. Salão do Livro, no Rio de Janeiro e a última palestra proferida por esse escritor em 2011, por ocasião da 13º Salão FNLIJ para Crianças e Jovens. Bartolomeu discorreu sobre livros e o papel do professor na escola. Pinçamos dois fragmentos dessa palestra que transcrevemos a seguir.
Sobre livros:

“Os livros parecem com as pessoas que amamos. Às vezes quando acabamos de ler um livro pensamos: não era eu que devia ler esse livro, mas fulano de tal. Eu faço isso com os amigos meus; eu acabo de ler um livro e telefono para um amigo em outra distância e digo: leia isso, por favor. E eles fazem o mesmo comigo. É aquele livro que não cabe em mim, que eu relaciono com outra pessoa. Então o dia que você ler um livro e pensar que quem devia lê-lo é o seu aluno, leve esse livro para a sala e leia para seu aluno, esse você vai saber ler. A literatura está na ordem do afeto. O próprio escritor quando escreve, está fazendo o melhor dele. Eu vou fazer o melhor de mim, e por que eu vou fazer o melhor de mim? Para quando o outro me ler, gostar mais de mim.”
Sobre o professor:

“Professor é aquele que professa uma crença, que tem um desejo a realizar. Na medida em que nós nos tornamos o desejo de um certo sistema, nós não somos mais professores. Na medida em que eu sou apenas um intermediário entre o desejo de uma classe e o aluno, eu não sou mais professor. Porque o professor também precisa de liberdade, A primeira coisa que eu perguntaria a um professor em uma escola se eu fosse o diretor é: o que você gostaria de ensinar aqui? Porque eu tenho que acreditar que o professor tem o que dizer. Na medida em que eu elimino a voz dele e quero que ele faça o que eu digo, ele já não é mais professor, ele perde a sua função.“
Bartolomeu Campos de Queirós está fazendo muito falta à educação brasileira. Era um sonhador, um idealista. Sua ausência dói como um retrato na parede de alguém muito querido que  partiu antes do tempo. SAUDADES.

( Publicado no jornal “Contraponto”janeiro de 2017)


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