Ângela
– lago: poesia e flores
(Neide
Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
Não
te aflijas com a pétala que voa:
também
é ser deixar de ser assim.
Rosas
verás, só de cinza franzida,
mortas
intactas pelo teu jardim.
(Cecília
Meireles. 4º. Motivo da Rosa).
Ângela-lago
é escritora e ilustradora de livros infantis. Dedica-se também à tradução de
poesia, já traduziu Rainer Maria Rilke e Emily Dickinson. A convivência com a
poesia desses dois grandes poetas foi muito benéfica, talvez tenha sido o estímulo
que faltava para publicar “O caderno do jardineiro” (Ed. SM, 2016), seu
primeiro livro de poesia. O livro traz ilustrações de flores de variados tipos:
cipó-de-são-joão, sempre-viva, lírios, dente-de-leão, hortênsia, manacá. Muitas
flores moram no seu jardim poético.
Há
um poema que traz o mesmo título do livro, versa sobre o trabalho do jardineiro
e a transformação da semente. Sente-se a passagem do tempo – preparar a terra,
semear e ver brotar a flor que depois se esvai, morre. Efêmera como a própria
vida.
arar o solo a argila o colo
arejar a terra escura
nesse piso a semente se costura
e, ausente, se desenha a antiga flor
o mesmo aviso de cor
que logo se aniquila.
A
primeira estrofe do poema “lírios” é uma intertextualidade de modo invertido com
o texto bíblico de São Mateus (6:28). Comparemos:
lírios não fiam
nem tecem
nem Salomão no seu fulgor
despiu-se como um deles
O
texto de São Mateus em prosa tem também um tom poético:
Reparai como crescem os lírios do campo:
eles não trabalham nem fiam. Ora eu vos digo que nem Salomão, em toda sua
magnitude, se vestiu jamais como um deles.
A
ilustração para este poema apresenta dois lírios: um vermelho e outro branco. E
diz a poeta: “um escriba escreve branco/ esquecido da caridade do franco lírio
vermelho”. Quando pensamos em lírios, nos vem logo à mente o lírio branco, mas
encontramos outras cores de lírios na natureza: vermelho, amarelo, lilás.
Pássaros
gostam de flores e a rosa que desabrocha no crepúsculo está atenta ao trinado
de um sabiá ensandecido.
Para
quem canta o sabiá?
canta para o crepúsculo, mas só a rosa
atenta ouviu o seu trinado.
As rosas
são como um jardim secreto, suas pétalas têm mil e uma portas e ela esconde o que
está lá dentro. O poema “jardim fechado” é bem representativo do segredo da
rosa:
que
segredo esconde a rosa
com suas mil e uma portas
a velar e a nos negar seu centro?
o que ela esconde lá dentro
que nosso olhar não suporta?
ai, ardil
o dessa dona ciosa
que nos enreda em beleza
sendo ela mesma sua presa
Muitos
outros poemas estão à espera do leitor. São vinte e seis, com ilustrações da
própria autora. As ilustrações delicadas de flores, ramos e raízes condizem com
a beleza das metáforas poéticas. Os
poemas são curtos e nos dão a sensação de “incompletude e transparência”.
Que venham outros livros de poesia dessa
incansável escritora e ilustradora. O caminho foi desvendado, a terra está bem
arada, há flores no jardim, resta apenas cultivá-las e transformá-las em
poemas.
Livro:
ODE
DE ANA MARIA. Simão Farias Almeida. João Pessoa: Ideia Editora, 2016.
Lançado
no fim de 2016, em Boa Vista (Roraima), “Ode de Ana Maria” é o primeiro romance
de Simão Farias Almeida. Pela editora
Ideia, Simão já publicou vários livros: “Monteiro Lobato e a problemática da
nação: um projeto dialógico e negociado” (2011) “O jornalista Monteiro Lobato
na nação moderna: mediações polêmicas e teses jornalísticas” (2013). Na área da
ficção, infantojuvenil, “Memórias de voos rasos e gravidades: trailler
ambiental” (2016). O livro recebeu
bonitas ilustrações de Jorge Trujillo e já se sentia a preocupação com o meio
ambiente, daí o subtítulo “trailler ambiental”. “Ode de Ana Maria” (2016) é o
primeiro romance.
A
leitura dos primeiros capítulos de “Ode de Ana Maria” leva o leitor a pensar
que se trata de um romance sobre problemas ligados à terra, aos operários de
uma fábrica e aos índios, mas descortinamos, mais uma vez, a presença do meio
ambiente. Ana Maria, a protagonista, luta pela conquista de um pedaço de terra
que o patrão ambicioso e sanguinário lhe nega. No meio desse ambiente de
poderosos que tudo pode, ocorre um desastre ambiental – a fábrica poluidora
lança dejetos ofensivos à saúde no leito do rio. O mais interessante está
reservado para o final do livro – quem conta toda a história é um pássaro papão
de cauda “telética” que se esconde na voz do narrador.
Aspectos
ligados ao meio ambiente aparecem com frequência nos textos de Simão Almeida.
Eles estão presentes no livro teórico, quando analisou as teses polêmicas de
Monteiro Lobato, no livro infantojuvenil, e agora no seu primeiro romance.
Aguarda-se o lançamento deste livro em João Pessoa.
(Textos
publicados no jornal “Contraponto”. Paraíba, 27 de janeiro de 2017).
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