Fundação
Casa de José Américo
Dia
do Escritor – 25 de julho
Sobre leitura e livros
(Neide
Medeiros Santos – FNLIJ/PB)
Pedro tem
palavras
de ouro e um pião
com
palavras, Pedro
inventa
umas histórias
que o
tapete do vento
desenrola
no alto
de
oito colinas
(...)
com
o pião, Pedro
faz
girar o mundo na palma da mão
.
(Peter O ´Sagae. Pedro faz com o que Pedro tem. Do livro
“Uma noite para João e outros poemas”).
Século
XIX (Anos 1830)
No Brasil
colonial, poucas eram as mulheres alfabetizadas. A escritora potiguar Dionísia
Gonçalves Pinto, que ficou conhecida no mundo das letras como Nísia Floresta Brasileira
Augusta, foi a primeira mulher no Brasil a publicar um livro - “Direito das mulheres
e injustiça dos homens” (1832). É uma
tradução livre e repleta de comentários de um livro feminista inglês “A
vindication of the rights of woman” (1792) da escritora inglesa Mary Wollstone-craft.
Mas Nísia Floresta também escreveu poesia. O
poema “A lágrima de um caeté” trata dos problemas dos índios. Não é uma visão
ufanista como a de José de Alencar, apresenta um índio derrotado pelo invasor
branco. Era uma visão bem realista. Nísia Floresta escreveu também artigos para
jornais e revistas literárias. Era uma ativista cultural em uma época de
domínio dos homens na vida política, na imprensa, na literatura.
O pseudônimo que adotou e com o qual ficou
conhecida foi inspirado nos seguintes fatores: sua paixão pelo campo (Floresta),orgulho
de sua nacionalidade (Brasileira) e o amor pelo marido (Augusto) . Essas
informações aparecem no texto “A primeira mulher a escrever um livro no
Brasil”, de Marcel Verrumo (2017: 120-124).
Nísia
Floresta foi escritora, professora e educadora. Fundou, no Rio de Janeiro, o
Colégio Augusto, dedicado à educação feminina. O nome do colégio era uma
homenagem ao seu segundo marido, Manuel Augusto de Faria Rocha. Esse
colégio tinha um diferencial dos outros colégios destinados às moças –
enfatizava o ensino de línguas estrangeiras, história, aritmética e português, igual ao
ensino direcionado aos meninos. Antes
desse colégio inovador, as moças aprendiam piano, francês, a bordar e a costurar.
As escolas para meninas eram verdadeiras escolas domésticas. Nísia Floresta
revolucionou o ensino feminino no Brasil no século XIX (2ª metade do século
XIX) com essa escola no Rio de Janeiro. É
considerada a primeira feminista brasileira.
Século XX (Anos 1900/1910)
O escritor Graciliano Ramos ao relatar fatos da sua
infância passada em Buíque, Pernambuco, nos primeiros anos do século XX, faz
uma leitura da cidade que é uma leitura do mundo. Para o pequeno Graciliano, que
tinha apenas seis anos e não sabia ler, Buíque tinha a aparência de um corpo
aleijado. A igreja era a cabeça, o largo da feira era o tronco; a Rua da Pedra
e a Rua da Palha eram as pernas, uma quase estirada e a outra curva; um dos
braços era representado pela Rua da Cruz, com o cemitério velho. Assim era a leitura que o menino fazia da
vila de Buíque.
Alguns
anos mais tarde, com dez anos, morando em Viçosa, estado de Alagoas, e já
sabendo ler, descobriu a biblioteca do tabelião Jerônimo Barreto. Todos os dias
passava em frente à casa do tabelião e via uma estante cheia de livros.
Namorava aqueles livros, lançava olhos compridos para a estante, mas não tinha
coragem de entrar na casa e pedir emprestado algum daqueles exemplares que se
mostravam perfilados na estante. Certo
dia criou coragem, dirigiu-se ao tabelião e manifestou o desejo de ler um
daqueles livros. O tabelião mandou-o entrar e ofereceu “O Guarani”, de José de
Alencar. Depois muitos outros foram emprestados, lidos e devolvidos. O atrevimento do menino fez com que se
tornasse um leitor contumaz. Nas palavras de Graciliano, a leitura tornou-se um
vício. Depois que “desasnou” não parou mais de ler.
No
início do século XX, com a criação das escolas normais, a mulher deixou um
pouco os afazeres domésticos e passou a exercer a função de professora, mas
escrever continuou sendo coisa de homem, poucas eram as mulheres que se
aventuravam a escrever para revistas e jornais. Na Paraíba, nos anos de 1920, destaca-se a
figura da professora Eudésia Vieira. Formada pela Escola Normal da Paraíba em
1911, Eudésia dedicou-se, além do ensino primário a lecionar História do
Brasil, publicava livros e escrevia para revistas e jornais da Paraíba. Foi a
primeira mulher a pertencer ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
(1922). Publicou livros de História do
Brasil e da Paraíba, de poesia e de memórias. Alguns anos mais tarde, em 1930, resolveu cursar
medicina em Recife e teve que se ausentar do marido e dos filhos. Sofreu
pressões da família, mas não desistiu. Obstinada
como era, frequentou o curso de medicina e formou-se pela Faculdade de Medicina
do Recife em 1934. Foi a primeira mulher da Paraíba a ter o título de doutora
em medicina.
Anos
1920
Dentro desse universo de escritores e educadores
preocupados com o ato de ler, desponta Monteiro Lobato. Ele é considerado o
“divisor de águas” da literatura infantil no Brasil. Sabendo que o gosto pela
leitura começa na primeira infância. Lobato investiu na criança e escreveu
muitos livros destinados a esse público, alguns com caráter didático, como
“Aritmética da Emília”. “Geografia de Dona Benta”, outros ficcionais, apelando para
a fantasia e a imaginação. Nesse caso, citam-se “As reinações de Narizinho”,
“Caçadas de Pedrinho”, “Memórias da Emília”. Lobato era tão preocupado com os
livros de leitura para crianças adotados nas escolas brasileiras que, em carta
ao amigo Godofredo Rangel, externou esse pensamento: “gostaria de escrever
livros onde as crianças pudessem morar neles”. Esse sonho foi concretizado. O
sítio do Picapau Amarelo é um lugar utópico, idealizado, de muita liberdade.
Engana-se quem pensa que não havia estudo no sítio do Picapau. Dona Benta lia
histórias para as crianças, contava histórias verdadeiras e imaginárias. Tia
Nastácia sabia de cor muitos contos populares e transmitia seu saber para as
crianças do sítio, assim elas iam recebendo informações ligadas à cultura
erudita e à popular por meio das duas contadoras de histórias.
A
perseguição à leitura e ao livro é constante nos regimes autoritários. Lobato
foi vítima dessa perseguição. Nos anos 1940, seus livros foram queimados em
praça pública na cidade de Salvador sob a acusação de que eram heréticos, isto
é, contrários à doutrina da igreja católica. Em seus livros, Lobato não fala em religião,
os meninos vivem livres de compromissos com a igreja.
Anos
1930
Outros
escritores também passaram constrangimentos por suas atitudes independentes.
Cecília Meireles, poeta, professora, jornalista e educadora sofreu com a
incompreensão de um governo totalitário. Nos últimos anos de 1930, foi convidada por
Anísio Teixeira, Diretor do Departamento Educação, para dirigir a primeira
biblioteca infantil no Brasil. Essa biblioteca funcionou no “Pavilhão
Mourisco”, no Rio de Janeiro. Era uma biblioteca modelo e Cecília Meireles
sentia-se gratificada pelo convite e por exercer tão importante cargo. Nesse
período, o Brasil estava sob o regime do Estado Novo, tempo de repressões
políticas. Tudo que não fosse fiel ao governo era censurado.
A biblioteca infantil, dirigida por Cecília
Meireles, foi acusada de ter em seu acervo um livro de tendências comunistas, o
que não era verdade. O livro,
considerado comunista pelos censores do
governo, era “As aventuras de Tom Sawyer”,
do escritor norte-americano Mark Twain. Por conta dessa falsa acusação, a
biblioteca foi fechada e a diretora destituída de sua nobre missão. Mais uma
arbitrariedade cometida por quem desejava divulgar o livro, a leitura e tinha
compromissos com a educação.
Depoimentos de usuários dessa biblioteca, como a do poeta
Geir Campos, atestam o valor desse lugar mágico para a infância do Rio de
Janeiro. Além de atividades ligadas à leitura, a biblioteca oferecia brincadeiras,
jogos, atividades artísticas, sessões de cinema. Era uma verdadeira casa de
cultura. Com sua prática pedagógica e o olhar voltado sempre para a educação, Cecília
Meireles incentivava o gosto pela leitura através da literatura.
Anos 1950/1960
Bartolomeu Campos
de Queirós, autor de muitos livros para crianças e de livros sobre leitura e
literatura, ao recordar fatos da sua infância, vivenciada nos anos 1950, destaca
a figura do avô por parte de pai. Chamava-se Joaquim Queirós. O menino foi
criado por esse avô durante certo tempo, era o neto preferido de Sr. Joaquim. O
avô vivia na janela olhando o povo passar e observando a cidade. Tudo que
acontecia, ele escrevia nas paredes da casa – as noticias do lugar: quem
viajou, quem casou, quem morreu. Foi nessas paredes que o pequeno Bartolomeu aprendeu
a ler.
O menino perguntava para o avô: Que palavra é essa? E
aquela? E ele ia explicando tudo ao neto. Quando chegou a fase de ir para a escola,
já conhecia as letras e sabia ler, foi alfabetizado com os escritos da parede
da casa do avô. Havia também o quintal
da casa, lá ele rabiscava com carvão as coisas que ia aprendendo com o avô. Era
a sua leitura do mundo.
Há um depoimento de Bartolomeu Campos de Queirós (2014:
37) muito poético que merece ser registrado. Ele fala sobre o primeiro livro
que leu.
O primeiro livro
que li foi o “papel roxo da maçã”. Meu pai viajava e trazia maçãs embrulhadas
em papel fino, frio, roxo e muito perfumado. Maçã era coisa rara naquele tempo.
Era presente que se oferecia no Natal aos doentes ou aos meninos que procediam
bem durante a ausência do pai. Então nós, seis irmãos, colocávamos o papel roxo
da maçã entre a fronha e o travesseiro. Durante as noites eu lia no cheiro do
papel que existia outra terra. Lia que o mundo não terminava no alto da serra.
Sentia a certeza de que havia outro lugar onde maçã se chamava manzana.
Anos 1980
A escritora Lygia Bojunga Nunes,
primeira escritora brasileira a ganhar o
Prêmio Andersen de literatura infantil, em 1982, conta como foi seu aprendizado
com a leitura no texto “Livro: a troca”. Ela dá lições de vida e fala sobre sua própria
vivência com os livros. Eis o texto:
Pra mim, livro é vida; desde muito pequena os
livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé fazia parede; deitado, fazia degrau de escada;
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé fazia parede; deitado, fazia degrau de escada;
inclinado, encostava num outro e
fazia telhado.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar prás paredes).
Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras.
E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de
consertar o telhado ou de construir novas casas.
Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim cheia me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu,
era só escolher e pronto, o livro me dava.
e de barriga assim cheia me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu,
era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa
que
- no meu jeito de ver as coisas -
- no meu jeito de ver as coisas -
é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me
dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais,
eu cismei de um dia alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra - em algum lugar -
uma criança juntar com outros e levantar a casa onde ela vai morar.
eu cismei de um dia alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra - em algum lugar -
uma criança juntar com outros e levantar a casa onde ela vai morar.
Século XXI (Anos 2000)
Ana Maria Machado, outra escritora de livros para crianças, ganhadora
também do Prêmio Andersen de Literatura (2000), foi a primeira escritora de
literatura infantil a pertencer à Academia Brasileira de Letras, chegando a
ocupar a Presidência da Casa Machado de Assis entre 2012/2013. No livro “Essa força estranha. Trajetória de uma
escritora” (Ed. Atiual, 1996), relata como descobriram que já sabia ler, isso
quando ainda não tinha cinco anos.
Frequentava
a escola e aprendia as primeiras letras. Certo dia a professora enviou para sua
mãe um bilhete pedindo papel crepom para as festividades de encerramento do ano
letivo. Ana Maria iria tomar parte em uma peça teatral e faria o papel de uma
dália. No caminho, a menina leu o bilhete e ao chegar a casa deu o recado à
mãe, mas foi logo contestando: só seria
dália se o papel crepom fosse amarelo. A mãe e a professora souberam nesse dia que Ana Maria já sabia ler. Para seu
contentamento, no Natal, ganhou dois
livros de presente da família – “Almanaque do Tico-tico” e “Reinações de
Narizinho”. Outras histórias de suas
leituras infantis e juvenis são reveladas nesse livro.
Cada leitor tem sua própria história da leitura. Ela é
diversificada, pode ser externada por meio de um texto, de um poema, de um
quadro, de uma música, de uma escultura. Há muitos caminhos. O professor e
crítico literário Hildeberto Barbosa Filho (2017: 123) no texto “Ler só dá prazer”
afirma:
(...) o ato de ler
alcança dimensões além do simples ensinamento. É com eles que ler também dá
prazer – só dá prazer. Prazer no sentido mais rico e mais crítico da palavra.
Para concluir essas breves considerações que objetivou
despertar em cada um dos leitores o desejo de revelar a sua própria historia de
leitura, segue um exemplo do aprendizado de leitura em forma de um poema em
prosa:
ONTEM/HOJE
Minha
mãe tentou me ensinar a costurar,
não
afinei com o ofício de costureira.
Meu
pai me presenteou com dicionários,
gostei
de ler palavras
e
descobri o mundo dos livros.
Hoje
escrevo para espantar meus fantasmas.
(NMS)
REFERÊNCIAS
BARBOSA FILHO, Hildeberto. Os livros (a única viagem). João Pessoa:
Ideia, 2017.
COUTINHO, Ana Maria; SANTOS,
Evanice. Eudésia Vieira: rompendo o
silêncio. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três
artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora &Autores
Associados, 1991,
MACHADO, Ana Maria. Essa força estranha. Trajetória de uma
escritora. São Paulo: Atual, 1996.
O´SAGAE. Peter. Uma noite para João e outros poemas. São
Paulo: Paulinas, 2017.
RAMOS, Graciliano. Infância. 38 ed, revisada. Rio de
Janeiro: Record, 2006.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos
de. Contos e poemas para ler na escola. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2014.
SANTOS, Neide Medeiros. Autores e livros em contraponto. João
Pessoa: Mídia Gráfica e Editora Ltda, 2016.
VERRUMO, Marcel. História bizarra da literatura brasileira. São
Paulo: Planeta, 2017.
Na web
BOJUNGA NUNES, Lygia. Livro: a troca. Disponível em pausapraleitura.
blogspot.com.br/2011/05/so-para-refletir-html- acesso em 17 de julho de 2017.
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