sábado, 14 de fevereiro de 2009

Mzungu e os gemeos do tambor: historias quenianas


Artigo - Mzungu e os gêmeos do tambor: histórias quenianas
Neide Medeiros Santos, Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/Paraíba

Meja Mwangi, escritor queniano, é autor de vários livros premiados e traduzidos para o alemão, russo, japonês e português. Atualmente é considerado um dos escritores mais importantes de Quênia.

Mzungu (SM: 2006) não é propriamente um livro autobiográfico, mas conta fatos vivenciados pelo autor e a luta dos quenianos pela independência de seu país.

Nos anos 50, do século XX, Quênia era um país em permanente conflito; de um lado, estavam os "mau-mau", grupo guerrilheiro formado principalmente pelas tribos massai e kikuyu e do outro lado os colonizadores ingleses. É nesse clima de conflito entre os donos da terra e os colonizadores que se desenvolve a história de dois meninos - Nigel (inglês) e Kariuku (queniano).

No meio desse clima hostil, Nigel e Kariuku, indiferentes às rebeliões e mortes que envolvem as pessoas grandes, desenvolvem uma amizade que está acima da cor da pele e dos preconceitos. Com Kariuku, Nigel conhece as riquezas e a diversidade da floresta africana, distingue os animais peçonhentos dos inofensivos, os encantos da caça e da pesca. Nigel, por sua vez, explica a Kariuku como são as cidades grandes, na Inglaterra. Entre os dois meninos não há choque de culturas, é um entrecruzar de informações, um enriquecimento de saberes.

Quênia é um país que seduz não apenas os ingleses e os próprios quenianos, mas pessoas de outras regiões e de outros países. Rogério Andrade Barbosa, escritor brasileiro, já morou na África como voluntário das Nações Unidas e se revelou um apaixonado pela cultura africana, escreveu mais de sessenta livros e a metade desses livros falam sobre o povo africano, seus contos, suas histórias, suas tradições.

Os gêmeos do tambor (DCL: 2006), de Rogério Andrade Barbosa, com ilustrações de Ciça Fittipaldi, é um reconto do povo massai, habitantes da região que se situa entre Quênia e Tanzânia. Esta história, contada pelo povo massai, guarda afinidades com o conto bíblico que narra a história de Moisés - dois meninos gêmeos são lançados no rio e salvos por um pescador que resolve criá-los como se fossem seus próprios filhos. O pescador deu-lhes os nomes de Kume e Kidongoi e eles cresceram sem saber quem eram seus verdadeiros pais.

Na aldeia onde moravam, os meninos eram chamados de os "gêmeos do tambor", eles estranhavam a denominação, mas ninguém explicava o porquê do nome. Eles sabiam tudo sobre gado, os fenômenos da natureza, as estações do ano, o deslizar das águas nos rios, mas faltava conhecer seu próprio passado.

"O tempo é como o vento, passa depressa" e os meninos transformaram-se em jovens guerreiros, fortes como um tronco de baobá. Na passagem da adolescência para a idade adulta, os jovens devem se submeter a um ritual de iniciação, provas que todo massai deve passar para ser considerado um "maran" (homem), isto é, tornar-se um verdadeiro guerreiro e Kume e Kidongoi passaram brilhantemente por essas provas.

Um dia, o velho pescador sentiu que ia morrer e resolveu contar a verdade aos jovens que ele adotara como se fossem seus próprios filhos. Sabedores da verdade, os irmãos, agora "marans", resolveram sair para conhecer a terra onde nasceram os seus verdadeiros pais. Como eles chegaram ao conhecimento dos fatos, somente a leitura do livro traz a chave do mistério.

A riqueza desse conto vem aliada à belíssima ilustração de Ciça Fittipaldi, ilustradora que sabe manejar com tintas coloridas e matizar contas, cores, plumas, tudo de forma harmônica e agradável ao olhar.

Nas páginas 27 e 28, o leitor se extasia com a beleza de um baobá. Na página 27, a árvore está toda florida, flores branquinhas, com pistilos amarelos nos dão a sensação de uma eterna primavera. Na página seguinte, frutos marrons indicam a chegada do outono, do amadurecimento. Esta imagem pictórica e poética nos leva a refletir sobre o tempo, sobre o passar dos dias, das estações.

As flores representam o tempo da juventude, dos rituais de iniciação; os frutos - , o amadurecer, o tempo de partir, o tempo da procura, do encontro.

Os baobás estão presentes em outras páginas do livro, alguns aparecem pequenininhos, longe, muito longe, emoldurando o fundo das páginas, outros estão cheios de folhas verdes, mas o encanto das flores e dos frutos não se repete nas outras páginas.

No Eclesiastes, considerado um dos livros mais poéticos da Bíblia, há uma passagem que fala sobre o tempo e vale a pena repetir:

"Todas as coisas têm seu tempo e para cada ocupação chega a sua hora debaixo do céu. Hora para nascer e hora para morrer; hora para plantar e hora para arrancar o que se plantou...".

A imagem pictórica do baobá, carregado de flores e depois de frutos, pode ser associada a esta bela passagem bíblica. Chegou o tempo de Kume e Kidongoi colherem os frutos, o tempo de encontrar seus verdadeiros pais.

Um comentário:

Professora Flávia disse...

Amei a descrição do livro, especialmente a comparação com as passagens biblicas, faze-nos apreciar a grandiosidade e veracidade da escrita da bíblia. Despertou-me o desejo de lê o livro e leva-lo para sala de aula para meus alunos, parabéns.