segunda-feira, 12 de outubro de 2009

FERREIRA GULLAR E OS ROMANCES DE CORDEL


LIVROS & LEITURAS
FERREIRA GULLAR E OS ROMANCES DE CORDEL
(Neide Medeiros Santos - Crítica literária da FNLIJ/PB)

... metade de mim é o que grito,
mas a outra metade é o silêncio...
(Ferreira Gullar. Metade)

Entre os anos de 1962-1967, Ferreira Gullar publicou quatro poemas narrativos com a temática das desigualdades sociais, o domínio do capitalismo e as lutas políticas entre latifundiários e camponeses. O poeta escolheu a poesia de cordel para tratar desses temas.
Os anos se passaram. Os poemas escritos na década de 1960 foram reunidos, pela primeira vez, e publicados pela Editora José Olympio (2009), com belas ilustrações do xilógrafo paraibano Ciro Fernandes.
Gullar explica, em nota que aparece na contracapa do livro, que escreveu esses poemas no começo da década de 1960, durante a sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE) e que o objetivo maior, naquela época, era muito mais de fazer política do que fazer poesia.
Os poemas aparecem com o título Romances de cordel e incluem: João Boa-Morte, cabra marcado para morrer, Quem matou Aparecida? História de uma favelada que ateou fogo às vestes, Peleja de Zé Molesta com Tio Sam e História de um valente.
João Boa-Morte, cabra marcado para morrer deveria ser uma peça teatral sobre a reforma agrária, mas a intenção do poeta não foi concretizada e o poema terminou sendo publicado como folheto de feira. Além do personagem João Boa-Morte, há referências a Pedro Teixeira, líder camponês que teve “morte de encomenda”. Eduardo Coutinho transformou em filme a história de Pedro Teixeira com o título – “Cabra marcado para morrer”.
História de um valente conta a prisão e os sofrimentos do líder comunista Gregório Bezerra, preso e ultrajado pelos militares em período de repressão política. Gullar escreveu esse poema por solicitação do Partido Comunista, logo após o golpe de 1964, mas, por medida de precaução, assinou o texto com o pseudônimo de José Salgueiro. Muitas pessoas pensaram que o folheto havia sido escrito por um poeta de feira do Nordeste.
Os quatro romances de cordel de Gullar estão ligados à literatura engajada e todos terminam com fios de esperança. Examinemos os fechos dos poemas.
João Boa-Morte presta atenção ao conselho de Chico:
Enquanto Chico falava,
no rosto magro de João
uma luz nova chegava.
E já a aurora, do chão
de Sapé, se levantava. (p. 34)
A história de Aparecida, a favelada que ateou fogo às vestes, tem o seguinte desfecho:
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro
que ela nem fez nem quis
- que deve ser destruído
pro povo viver feliz. (p. 56)
A peleja entre Tio Sam e Zé Molesta termina com a vitória de Zé Molesta, um cantador franzino, lá do Ceará. Tio Sam perde o “rebolado” e Zé Molesta foge deixando o gringo “desmoralizado”.
Gregório Bezerra, líder comunista pernambucano, sofre humilhações e espancamentos na prisão, nas ruas do Recife, no bairro de Casa Forte. E vem o apelo final:
Gregório está na cadeia.
Não basta apenas louvá-lo.
O que a ditadura espera
é a hora de eliminá-lo.
Juntemos nossos esforços
para poder libertá-lo,
que o povo precisa dele
pra em sua luta ajudá-lo. (p.92)
Não poderia deixar de tecer um breve comentário sobre as ilustrações de Ciro Fernandes. São xilogravuras em preto e vermelho, cores que denunciam a morte, o sangue e a luta. Gullar escolheu o ilustrador certo. Ciro Fernandes é nordestino (paraibano), conhece a sua gente. João Boa-Morte, Aparecida, Zé Molesta e Gregório Bezerra são personagens/pessoas que integram o universo do ilustrador.
Se os poemas de Ferreira Gullar veiculam um fio de esperança, cantemos com Mercedes Sosa e Violeta Parra (in memoriam) “Gracias a la vida”.

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