HOFFMANN e a janela de esquina do meu primo
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Primeira lição de admirar:
o melhor reflexo
está na janela.
(Antônio Mariano. Narciso ao avesso)
Ernest Theodor Amadeus Hoffmann este é o nome completo do escritor de histórias fantásticas conhecido apenas por Hoffmann. Além de escritor de histórias fantasmagóricas e de estranhamento, Hoffmann era músico e inspirou muitos compositores com sua rica imaginação literária.
O balé “Coppélia. A menina dos olhos de esmalte”, com música de Léo Delibes e coreografia de Arthur Saint-Léon, foi inspirado no conto” O homem de areia”, de Hoffmann. O conto Quebra-nozes foi o ponto de partida para Tchaikovsky compor a música que leva o mesmo nome. Hoffmann está, portanto, intrinsecamente ligado à literatura e à música.
Em 2010, a editora Cosac Naify publicou a novela de Hoffmann – “A janela de esquina do meu primo “- que foi traduzido por Maria Aparecida Barbosa, contou com as inovadoras ilustrações de Daniel Bueno e posfácio de Marcus Mazzari. É sobre este livro que iremos tecer considerações.
A história gira em torno de um personagem que ficou paralítico e da janela do quarto observa tudo que se passa defronte ao “Gendarmennmarkt” (Mercado dos Gendarmes), na região central de Berlim. Nesse lugar, há uma placa com a seguinte inscrição: “O escritor e conselheiro de tribunal Ernest Theodor Amadeus Hoffmann morou aqui de julho de 1815 até sua morte, em 25 de junho de 1822. Uma homenagem da cidade de Berlim, 1890.” (A janela da esquina de meu primo, p. 11)
O primo mora na região mais bonita de Berlim, em frente à praça do mercado, nas proximidades do edifício do teatro, local rodeado por construções suntuosas. Um pequeno gabinete com janela para a praça do mercado é o posto mirante do primo, daí ele observa tudo que se passa na grandiosa praça.
Dois personagens atuam no enredo da novela – o primo paralítico e o eu - narrador. O primo é escritor e escrever parecia ser a única coisa que ele ainda podia fazer, infelizmente a maligna doença impedia que ele exercesse o ofício da escrita e isso contribuiu para que caísse em uma profunda melancolia. Seu único consolo era observar tudo que se passava na praça através da janela. É a visão que a janela lhe proporciona que vai permitir que crie histórias que a mão já não obedece.
Na feira do mercado, há uma vendedora de flores que chama a atenção – quando não está vendendo flores, ela se absorve na leitura de um livro cuja lombada indica a origem – biblioteca de Kralowski. Em nota explicativa de pé de página, vem a seguinte observação: “Hoffmann refere-se aqui a seu amigo F. Kralowski, que possuía uma das maiores bibliotecas da época. Essa biblioteca ficava nas imediações do Gendarmenmarkt, cenário da narrativa”. (p.28)
O eu - narrador divisa da janela do primo “um rapaz alto esbelto vestindo um curto agasalho amarelo com gola preta e botões metálicos”, traz um gorro vermelho e tem uma cabeleira de fartos cabelos cacheados. Ele conduz uma pasta no braço e vem a conclusão: “é um estudante a caminho do colégio”. Seus olhos estão fixos no movimento da feira, parece esquecido do colégio e do resto do mundo.
Com beleza e graça, aparece uma dona de casa que faz compras e gerencia as despesas domésticas. Ela examina cada mercadoria, deve ser filha de algum burguês rico, talvez um fabricante de sabão. São conjecturas feitas pelo primo.
O eu - narrador, diante das pertinentes observações, externa seu pensamento: “Sinceramente, caro primo, você já me ensinou a enxergar melhor”. (p.22)
Mas chega o meio-dia e a multidão se dispersa, a praça vai ficando cada vez mais vazia. As vendedoras de legumes recolhem o que restou da feira, a florista leva o restante do estoque de flores em grandes carriolas e os policiais procuram manter a boa ordem em tudo, sobretudo no trânsito das carroças.
Quando a feira acaba, o primo, de modo filosófico, diz para o eu - narrador: “Esse mercado é também agora uma imagem fiel da vida eternamente mutável”. (p.57)
Não poderíamos deixar de registrar o expressivo trabalho do ilustrador Daniel Bueno – são desenhos vistos de forma fragmentada, recortes de pessoas, de objetos, tudo através de um olhar da janela de esquina.
Merece, ainda, destaque as fotografias da praça do mercado, a janela de esquina onde se situa a taverna Lutter & Wegner, morada de Hoffmann na época em que escreveu esta novela.
Para concluir, mais esta nota de rodapé: “Hoffmann foi notório boêmio e nos seus últimos anos de vida as noitadas regadas a vinho na taverna Lutter & Wegner se transformaram em atração literário-turística de Berlim.” (p.65)
Nota: Augusto dos Anos, no soneto “O caixão fantástico”, faz referências a Hoffmann, nestes versos:
“Nesse caixão iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditórias e confusas!”
O professor Carlos Alberto Azevedo, estudioso da obra de Augusto dos Anjos, morou muitos anos em Berlim e conhece bem os textos de Hoffmann e a taverna Lutter & Wegner.
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