segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ronaldo Correia de Brito: crônicas para ler na escola”


Livros, autores, leitores
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Tu escreves como o pássaro canta. Teu gorjeio?
Versos. Se não cantares, as manhãs seriam menos
vermelhas e os crepúsculos menos azuis.
(Tu Fu. Poeta chinês da dinastia de Thang. Trad. Cecília Meireles)

“Ronaldo Correia de Brito: crônicas para ler na escola” é um dos últimos livros da coleção de crônicas para jovens da editora Objetiva. O autor é bem conhecido dos leitores brasileiros. As peças infantis “O Baile do Menino Deus”, “Bandeira de São João” e “Arlequim de Carnaval”, parceria com Assis Lima, já percorreram várias regiões do Brasil e tem agradado a todos, indistintamente.
Conheci Ronaldo nos idos de 1990, na apresentação do espetáculo “O Baile do Menino Deus”, no Teatro Guararapes, em Recife. Convidei-o, algum tempo depois, para uma conversa com os alunos de Literatura Infantil na UFPB. O escritor atendeu nosso pedido e veio a João Pessoa. A versatilidade do médico/escritor encantou os alunos e o livro “O Baile do Menino Deus” foi comprado por muitos. Alguns já eram professores e encenaram a peça nas suas escolas. Depois, encontrei o escritor no Seminário de Literatura Infantil na FAFIRE, Recife. Nos últimos tempos, os encontros foram com os livros – “Faca”, O pavão misterioso” (recriação), “Galileia”. Agora, nos chega um livro de crônicas.
O livro contém 41 crônicas de facetas diversas. Algumas se caracterizam por certa dose de humor, outras relembram fatos passados na infância. Destacamos aquelas que se voltam para livros, autores e leitores.
“O leitor e a bibliotecária” remete para a cidade de Crato, onde o autor passou parte da infância e adolescência. Havia uma biblioteca da diocese. Foi lá que o menino leu muitos livros, quase todos voltados para o Cristianismo. E segue esta observação: ‘Imagino que sou a única pessoa do mundo que leu a coleção Grandes Romances do Cristianismo, de que fazem parte títulos como Perseguidores e Mártires, Quo Vadis?, Otávio, Papai Falot, Ben-Hur, Os Últimos Dias de Pompeia, Os Noivos e por aí afora.” (p. 83).
Quando completou 14 anos, teve acesso à biblioteca da Faculdade de Filosofia de Crato e conheceu livros melhores. A bibliotecária descobriu que o adolescente gostava de ler e sempre avisava quando chegava um livro novo. Foi essa bibliotecária modesta, com seu fetiche pelo objeto livro e sua admiração pelo jovem leitor, que o seduziu para a leitura.
Convidado para a Festa Literária Internacional de Paraty, pediram-lhe que falasse sobre seu livro de cabeceira. E veio o dilema – se fosse para falar sobre os livros que se lê antes de dormir, os livros que estão na mesinha de cabeceira, nesse caso não existe nenhum, o escritor não costuma ler à noite e não conserva livros no quarto de dormir. Qual seria esse livro, o livro marcante que, embora distante da cabeceira, é sempre relido? E veio a confissão: “História Sagrada, que nada mais é do que uma seleta de textos da Bíblia hebraica, apresentada em dois subtítulos: Antigo Testamento e Novo Testamento”. (p. 32).
Embora não seja católico praticante, Ronaldo considera que a “Bíblia, livro possível de ser lido de muitas maneiras, é um legado de histórias a que podemos recorrer sem crença religiosa ou com fé de um crente. Inesgotável, possui as imagens dos sonhos, a épica, a tragédia, a poesia, a invenção, a genealogia, a retórica e os números.” (p. 33-34).
Uma das últimas crônicas - “Memória e bytes” está relacionada com uma conversa que teve com um amigo sobre poesia. O autor tentou se lembrar de um poema de Tu Fu, poeta chinês da dinastia de Thang, que foi traduzido no Brasil por Cecília Meireles. A memória o traiu, só se lembrava da primeira estrofe. Prometeu ao amigo que mandaria o poema por e-mail. Quando chegou em casa, conseguiu reaver o poema e enviou para o amigo, mas houve desconexão na hora da remessa e o poema extraviou-se. Desistiu de enviar o poema pelo correio eletrônico. Resultado: qualquer dia, quando encontrar o amigo, irá recitar as estrofes restantes.
Aqui vão as duas primeiras estrofes do poema de Tu Fu, citado na crônica “Memória e bytes”. O poema, como um todo, só o leitor consultando o livro “Poemas chineses Li Po e Tu Fu”, tradução de Cecília Meireles. Ed. Nova Fronteira.
“Vinde! Em redor de minha casa canta um riacho alegre como a primavera. Vereis talvez gaivotas, se o vento se levantar.”
A estrofe seguinte que foi esquecida:
“Como jamais recebo visitas, não mando varrer as aleias
do meu jardim. Pisareis num tapete de folhas.”
[...]
O poema prossegue. Fica a sugestão para a leitura completa.
A epígrafe do texto “Livros, autores, leitores” é a primeira estrofe de um poema de Tu Fu, pinçado do livro traduzido por Cecília Meireles.

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