Tecer considerações sobre livros e autores a partir da literatura produzida para crianças e jovens no Brasil. Os textos deste espaço estão disponíveis para pesquisa; devendo-se, em caso de citação, indicar a fonte, conforme a legislação em vigor: LEI Nº 9.610
domingo, 28 de agosto de 2011
Memórias de um menino pescador
Memórias de um menino pescador
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)
Deixa-te levar pela criança que foste.
(José Saramago. Livro dos Conselhos)
A aldeia é Azinhaga, termo de origem árabe “as-zinaik” que significa “rua estreita”. O rio que banha a aldeia se chama Almonda. Foi aí que nasceu o escritor português José Saramago no ano de 1922.
Quando ainda não tinha dois anos, os pais migraram para Lisboa. A casa dos avós em Azinhaga não foi esquecida, era sempre visitada pelo menino, vinha passar férias na pequena cidade.
Em 2006, Saramago publicou “As pequenas memórias” (Companhia das Letras), um livro autobiográfico com retalhos de sua infância e parte da adolescência. Em 2011, a Companhia das Letrinhas lançou “O silêncio das águas”, com ilustrações de Manuel Estrada. Este último livro é um fragmento de “As pequenas memórias.”
Um dos divertimentos de Saramago quando ia visitar a avó, em Azinhaga, era pescar no rio Almonda. O livro “O silêncio das águas” narra a história de uma pescaria e as aventuras vivenciadas pelo menino.
A presença do rio é marcante na vida do escritor português. Saramago escreveu “Protopoema” que é uma homenagem ao rio de sua aldeia:
Do novelo emaranhado da memória, na escuridão de nós cegos, puxo um fio que me parece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
[...]
No livro “Viagem a Portugal”, o escritor lamenta que o Almonda seja, atualmente, um rio de águas mortas, envenenadas. Quando criança tomou muito banho em suas águas. Se não eram muito límpidas, não estavam contaminadas.
Vamos acompanhar Saramago e suas aventuras de menino pescador. Certa vez, munido dos apetrechos necessários saiu para pescar e ficou esperando que aparecesse algum peixe para ser fisgado. Nas horas de pescaria, gostava de ouvir o silêncio das águas.
De repente, sentiu um puxão muito forte, puxou, puxou e nada veio na linha. Anzol, boia, chumbada, tudo tinha desaparecido nas águas turvas do rio. Só podia ser um peixe muito grande o responsável por tamanho estrago. Surgiu, então, uma ideia, correu até a casa da avó, armou outra vez a vara de pescar e voltou para ajustar as contas definitivas com aquele peixe monstruoso.
Ao contar a avó o que lhe tinha acontecido e revelar que estava pronto para nova aventura, ela o alertou que seria difícil encontrar o peixe no mesmo local, mas o menino estava tão obstinado na operação de resgate que não ouviu, não podia ouvir e não queria ouvir o que avó lhe dizia.
Voltou ao rio, lançou o anzol e esperou. Foi nesse momento de grande expectativa que descobriu não existir no mundo “um silêncio mais profundo que o silêncio da água.”
Para saber se o menino conseguiu fisgar o peixe fujão, recomendamos a leitura de dois livros. Se for um leitor experiente, “As pequenas memórias”; se for leitor iniciante, irá gostar de ler “O silêncio das águas”.
Os vocábulos “experiente” e “iniciante” se referem às faixas etárias: fase juvenil, fase infantil.
Não poderia deixar de comentar as ilustrações de Manuel Estrada no livro “O silêncio das águas”. Para representar a expressão “boca do rio”, indicativo da foz do rio Almonda, Estrada desenhou uma boca enorme e uma enxurrada de água saindo pela boca.
As aves aquáticas, sempre espertas, ficam esperando algum peixe mais distraído, elas estão espalhadas em todas as páginas do livro. Muitas vezes se rivalizam com o pescador.
A avó retratada por Manuel Estrada é uma velhinha de óculos, avental, sentada em uma cadeira perto da janela fazendo crochê. Não falta um gato que brinca com um novelo de lã. As vovós modernas poderão reclamar do protótipo à moda antiga. Temos de retornar aos anos 30 e 40 do século XX, assim eram as nossas avós.
José Saramago é o único escritor de língua portuguesa que ganhou o Nobel de literatura. Com a publicação deste livro para crianças o escritor luso fica mais próximo do leitor infantil brasileiro.
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2 comentários:
Neide, como vai?
Estou lendo e me deleitando com seu livro "Livros à espera do leitor".
Gostaria de enviar-lhe um exemplar do meu livro "Os segredos do sótão" lá tem uma vó muito especial. http://ossegredosdosotao.blogspot.com/
Você está morando aqui na Paraíba? Será um prazer conhecê-la.
Quem falou-me sobre você foi Dr. Milton Medeiros.
Um abraço,
Mabel Amorim
Excelente e brilhante texto, parabéns. Estive hoje à tarde em uma clínica em que fui levar a minha para consultas de rotina. Ao meu lado tinha um jornal - Contraponto - e outras tantas revistas. Peguei e jornal e li seu artigo "Memórias de um pescador". E, acredite, fiquei encantado com o seu texto. Sou apaixonado pelos livros de Saramago. Parabéns pelo artigo e pelo excelente blogger. Estarei colocando seu você em meus favoritos blogger educativos. Um abraço... Estarei sempre, aqui, agora. Ok? Um abraço.
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