segunda-feira, 12 de setembro de 2011

lima barreto para jovens

Lima Barreto para jovens
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
As glórias das letras só as têm quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega.
(Lima Barreto. Os Bruzudangas)
Clara dos Anjos e outros contos (Org. Ivan Marques. Ed. Scipione, 2011) reúne oito contos de Lima Barreto ilustrados por Marlette Menezes. O livro traz notas e textos críticos do professor de Literatura Brasileira da USP, Ivan Marques. Os textos do ensaísta vêm acompanhados de fotografias do Rio de Janeiro do início do século XX e tratam da questão racial do Brasil. A sua leitura permite uma compreensão mais aprofundada do pensamento e da obra de Lima Barreto.
Nos primeiros anos do século XX, os escritores mais prestigiados eram o romancista Coelho Neto e o poeta Olavo Bilac. Os dois cultivavam uma linguagem “castiça, empolada”. Lima Barreto repudiava este tipo de linguagem. O maior desejo do escritor era ser lido por pessoas simples e escrevia como o povo falava. Enquanto aqueles que procuravam a “literatura dos dicionários” são hoje esquecidos, a literatura de Lima Barreto permanece atual.
O Rio de Janeiro, principalmente a zona suburbana, foi o cenário escolhido para suas histórias. Os protagonistas de seus romances e contos são negros, mulatos e mestiços, aqueles que estavam à margem das classes dominantes.
Ivan Marques observa que a literatura combativa e forte do escritor é um instrumento afiado de ironia e senso crítico. Ele tudo questiona e a todos caricaturiza, especialmente os políticos, os burocratas e os literatos de seu tempo.
O conto de abertura da coletânea, “Clara dos Anjos”, foi publicado em 1904, é o embrião do futuro romance que recebeu o mesmo título do conto. É o texto que marca o início da carreira do escritor.
Clara dos Anjos, a protagonista, é uma pobre mulata suburbana. Seu pai era carteiro, gostava de música, tocava flauta e compunha valsas, tangos e acompanhamentos para modinhas. Acostumada às musicatas do pai, cresceu apaixonada pela “melancolia dos descantes e cantarolas”. Estava com dezessete anos quando conheceu Júlio Costa, um exímio cantor de modinhas. Quando ouviu o seresteiro cantar, o coração de Clara bateu mais forte, e Júlio só tinha olhos para “os seios empinados, volumosos e redondos” da moça.
Depois de algum tempo de namoro às escondidas, de encontros fortuitos no quarto da namorada durante a noite, a moça estava totalmente presa aos caprichos do ousado amante. O resultado era previsível. Clara dos Anjos engravida e o seresteiro Júlio desaparece de sua vida. A moça resolve procurar a mãe do rapaz e conta-lhe o que aconteceu entre os dois. A mãe de Júlio recebe-a rispidamente e manda-a embora afirmando que não tinha filho para casar-se com gente da laia de Clara.
Diante da recusa da mãe de Júlio em aceitá-la como nora, Clara reconhece seu estado de inferioridade. Quando vai ao encontro de sua mãe, chora e entre soluços diz:
“Mamãe, eu não sou nada nesta vida”. (p.29)
O sofrimento de Clara dos Anjos é um reflexo pungente das humilhações sofridas por todos os mulatos nos primeiros anos do século XX, no Brasil, incluindo-se, aqui, o próprio Lima Barreto.
O último conto da coletânea é “Miss Edith e seu tio”. O local escolhido para o desenvolvimento do enredo é a pensão “Boa Vista”, situada na praia do Flamengo. A pensão era administrada por Madame Barbosa, uma viúva de cerca de cinqüenta anos, auxiliada por Angélica, o braço direito da patroa. Angélica era cozinheira, copeira, arrumadeira, e lavadeira “Preta fiel” e submissa às ordens da patroa, cultivava uma gratidão ilimitada por Madame Barbosa.
Havia muitos hóspedes na pensão. Dona Sofia, viúva de um comerciante português; Dr. Magalhães, um bacharel habilidoso que tentava conquistar Dona Sofia; Melo, um empregado público; doutor Florentino que gostava de citar os Evangelhos. Viviam todos em harmonia. Para quebrar a monotonia da pensão, apareceram novos hóspedes – um casal de ingleses, melhor, um tio acompanhado de uma sobrinha. Pediram quartos separados e receberam toda a atenção de Madame Barbosa. Eram estrangeiros, gente muita fina, ingleses, surgindo até certo ciúme por parte dos hóspedes mais antigos.
Tio e sobrinha eram discretos, pouco se comunicavam com os hóspedes, mas é a astuta Angélica quem vai descobrir a farsa, e vem esta observação da sábia mulher:
“– Que pouca vergonha! Vá a gente a fiar-se nesses estrangeiros... Ele são gente como nós...” (p. 103)
O que Angélica presenciou entre o tio e a sobrinha só o leitor lendo o conto para saber.
Neste conto, Lima Barreto exerce a função crítica da literatura. Na opinião de Ivan Marques: “revela a força dos fracos, o talento dos negros, a beleza selvagem do Brasil”. (p.13)
E os outros seis contos? Estão à espera do leitor.

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