sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Infâncias:"pedagogia de lembranças"


INFÂNCIAS: PEDAGOGIA DE LEMBRANÇAS
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária –FNLIJ/PB)
Cultivar uma relação afetiva com a memória da infância, no caso do adolescente, pode ser uma forma de encontrar caminhos e significados para o presente que ele vive.
(Heloísa Prieto. Infâncias)


Heloísa Prieto é escritora, tradutora e coordenadora editorial. Participou como coautora da série “Mano”, com o jornalista Gilberto Dimenstein. Em 2011, organizou a antologia “Infâncias” (Ed. Escrita Fina) uma reunião de crônicas, contos, relatos, depoimentos. Oito escritores foram convidados para escrever sobre a infância. Por ordem de apresentação no livro, encontramos textos de Gilberto Dimenstein, Tatiana Belinky, Cristina Soares, Luiz Ruffato, Daniel Munduruku, Heloísa Pires Lima, Sonia Manski, Marcelo Coelho.
O livro apresenta fotografias de Adriana Veiga, arte-educadora com especialização em Artes Plásticas. A capa é uma belíssima fotografia de duas crianças brincando, de modo descontraído, em uma praia de azul intenso. Adriana sempre demonstrou interesse pelo universo onírico e pelo mundo cotidiano das crianças.
Gilberto Dimenstein abre a antologia com um pequeno texto que é uma reflexão sobre o segredo da juventude. Para o jornalista, se existe algum segredo de conservar a juventude ele reside em manter um permanente diálogo com a criança que existe em nós.
Tatiana Belinki preferiu escrever um poema em estrofes de apenas dois versos, tudo de forma bem jocosa como neste exemplo:
“Se quiser viver feliz,
Chupe balas de verniz”. (p.8)
O próprio título do poema revela o tom de brincadeira: “Conselhos (in) úteis.
Cristina Soares fez a opção por um conto e dividiu-o em quatro episódios distintos. “Nascida no KM 11”, “Sob 14 graus de miopia”,” As Marias da minha vida”,” “O velho Samuca era o cara”. Cada conto retrata uma fase diferente da vida de uma menina muito sapeca que nasceu no KM 11- “quinto dos infernos”; que era muito míope – conheceu o expressionismo antes mesmo de conhecer Van Gogh, que teve muitas Marias atravessando o caminho de sua vida e um avô que se chamava Samuca.
Luiz Ruffato fala sobre a mudança de local de residência e a luta da família para ter a casa própria. Todos ajudaram na construção da nova casa, mas a mudança acarretou modificações na vida do menino que sentia saudades do quintalzinho “onde vivia em camaradagens com lesmas, grilos, paquinhas, minhocas e até um sapo-boi, na estação das águas.” (p.23-24). A adaptação foi muito difícil para quem estava acostumado a um mundo de liberdade.
Com o título “Saudades de amanhã”, Daniel Munduruku descreve a morte da pequena Mani, uma indiazinha diferente de todas as outras –” era muito branca e frágil, adoecia constantemente”. (p.30)
No dia em que completou seis anos, Mani amanheceu muito doente, foi definhando, definhando e morreu. Antes de morrer, a menina fez um pedido à mãe – que seu corpo fosse enterrado embaixo da rede onde dormia. O desejo da filha foi satisfeito. Depois de algum tempo a mãe notou que no lugar onde a menina fora enterrada estava brotando uma folhagem diferente. A comunidade foi chamada para resolver o que fazer com aquela planta. Pensaram, pensaram e resolveram arrancar. Quando puxaram a folhagem, veio uma raiz branca, era a raiz da mandioca. Todos compreenderam o significado das últimas palavras da menina: “É preciso morrer para que a fartura nasça para nosso povo”.
O texto de Daniel Munduruku é uma lenda indígena que dá uma explicação mítica para a origem da mandioca, alimento essencial na alimentação dos índios.
Heloísa Pires Lima apresenta um relato sobre o trabalho de Eglantyne Jebb, uma inglesa que dedicou a vida às crianças. Ela morreu em 1928, mas o que redigiu se tornou mais tarde, em 1959, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. No Brasil, Heloísa Lima luta contra o preconceito racial e adota o lema de um dos princípios da Declaração: “nenhuma criança deve ser prejudicada de forma alguma por motivos de raça, credo, cor, gênero, idioma, casta, situação ao nascer ou padecer de alguma deficiência física”. (p. 41)
Sob o ponto de vista de 1ª. pessoa, Sonia Manski traz o relato de uma menina que era do tempo em que “criança não tinha querer”. A mãe insistia para a menina estudar piano. Não foi consultada se gostava ou não de tocar piano, devia estudar uma hora, todos os dias. Revoltada, resolveu adiantar o relógio, assim o tempo passaria mais depressa. A mãe desconfiou, mas diante da pergunta se havia mexido nos ponteiros do relógio, a menina foi taxativa: “Não”, “Não”.
Anos mais tarde, reabilitada da imposição materna comprou um teclado. Hoje toca teclado quando sente vontade.
Quais seriam os desejos do menino Marcelo Coelho? Eram muitos – um helicóptero com controle remoto que voasse de verdade, uma viagem com tudo pago para Disney, uma completa redecoração no seu quarto. Desejos todos ligados aos apelos comerciais. No meio de tudo isso, vem a história do menino Gabriel – uma história comovente e cheia de ternura.
Contos, relatos ficcionais ou reais, depoimentos e crônicas se entrecruzam na reunião desses textos, constituindo uma verdadeira “pedagogia de lembranças”.

NOTA LITERÁRIA
Enviamos o livro “Confesso que li” para a escritora Eloí Bocheco (SC) e recebemos esta mensagem:
“Encantei-me com os depoimentos de escritores paraibanos sobre suas memórias literárias e modos de se relacionar com a leitura desde a infância.
A família e a escola aparecem com freqüência nas histórias de iniciação literária dos autores, ora com acertos, ora com equívocos no modo de criar a aproximação com os livros.
Tendo vivido em casas cheias de livros, ou com a completa ausência deles, os autores criaram, desde cedo, vínculos com as palavras através dos repertórios de leitura disponíveis em seu tempo e ao seu alcance (Clássicos nacionais e estrangeiros, Coleção Tesouro da Juventude, Almanaque Fontoura, história em quadrinhos, livrinhos de faroeste, narrativas bíblicas, contos de fadas, lendas do folclore brasileiro, cordel, dentre outros recursos de leitura citados).
O que emociona é a paixão com que os depoimentos falam da “felicidade da leitura” e o modo como os autores se entregam à felicidade de ser leitor.
Parabéns à Neide Medeiros Santos e à Yó Limeira, organizadoras da excelente obra”.

Em tempo: Eloí Bocheco é autora de “Roda Moinho” – Menção Honrosa no Prêmio de Literatura Infantil e Juvenil da Companhia Editora de Pernambuco em 2010. O livro foi publicado em 2011 pela Editora CEPE. Recife, PE. Este mesmo livro foi finalista do Prêmio João de Barro da Prefeitura de Belo Horizonte em 2006.
Eloí é uma das integrantes do livro “Cuentos infantiles brasileños”. San José, Costa Rica, Editorama, 2011. Figura, entre outros, ao lado das escritoras Ana Maria Machado e Lygia Bojunga Nunes.

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