Vozes do sertão dentro da
gente
(Neide Medeiros Santos –
Leitora votante da FNLIJ/PB)
As ondas do vento
Seridó, Seridó embala
do jardim à campina
Seridó, Seridó ensina
que o mar tem janelas
tem janelas, Paraíba, tem
com rendas que o mar
contém
(...)
Viva o Nordeste dentro da gente!
(Peter O´Sagae.
Paraíba. “Resposta artística ao preconceito contra nordestinos”, palavras de Eloí Bocheco)).
“Vozes
do sertão” (Ed. Cortez), livro organizado por Lenice Gomes e ilustrado por Rui
de Oliveira, surge em momento propício – momento em que se procura valorizar o
nordestino, o homem do sertão. São múltiplas vozes que contam e cantam a
nossa região – contadores de histórias, pesquisadores e violeiros estão
presentes neste bonito livro que contém textos de nove escritores do Nordeste.
Lenice
Gomes é natural de Japi, agreste pernambucano, e mora atualmente em Olinda.
Escritora e contadora de histórias, a autora sempre se volta para as raízes
nordestinas, valorizando as brincadeiras de roda, adivinhações, o carnaval
recifense, os contos de origem popular. Ao organizar essa coletânea sua
preocupação foi dar relevo ao que temos de mais autêntico – nossas histórias,
nossos costumes, nossa gente.
Do
Ceará a Minas Gerais, desfilam diante do leitor contos e cordéis que refletem a
alma do nosso povo – suas crenças, seus valores, seu amor à terra e, acima de
tudo, “a força do sertanejo que enfrenta a vida e a morte e insiste em
contemplar a beleza e o encantamento do mundo”.
A
primeira história nos vem do Ceará, de
Arievaldo Viana – poeta, ilustrador e publicitário, autor de inúmeros cordéis.
Em nota que antecede seu texto – “O homem que queria enganar a morte”, o autor
afirma que foi alfabetizado com a avó que usou muito literatura de cordel para
ensinar ao neto a ler e a escrever.
Arevaldo
Viana se utiliza de um tema sempre recorrente na literatura de cordel – a fuga
da morte. Através de redondilha maior, o
poeta conta as artimanhas de um ricaço para escapar da morte. Ele procura
enganá-la trocando o número de sua casa pelo número da casa do vizinho – um
homem muito pobre que era explorado pelo ricaço. Será que deu certo o truque do
homem rico?
Cláudia
Lins, representante de Alagoas, traz uma lenda especial do folclore do Rio São
Francisco. “Comadre Mocinha e o fogo correndo”. Essa lenda corre pelas ribeiras do rio São
Francisco – uma senhora viúva, conhecida por Comadre Mocinha, contava que certa noite recebeu a
visita de um fogo vindo do céu. O fogo veio bem rápido, pousou na sua mão, cochichou
alguma coisa no seu ouvido e desapareceu. O que teria dito o fogo à Comadre Mocinha? Mistérios. Ela nunca revelou.
Cida
Pedrosa é de Pernambuco e seu texto – “A flor de mandacaru” fala sobre a morte
do vaqueiro Antonio Biu, conhecido e respeitado por todas da redondeza. A sua
morte não foi chorosa, os amigos estavam presentes e conformados com o
desfecho. Antonio Biu partiu ao anoitecer,
na hora em que o vento soprava forte e o cheiro da flor do mandacaru tomava conta
do terreiro.
Da
Paraíba, o texto de Estelita Medeiros é de teor memorialista. “A Dama Fantasma
da Lagoa” reúne memória e ficção. Estelita resgatou casos e fatos ocorridos em
João Pessoa e o personagem que conta a história é seu tio-avô. O ponto de apoio
da história repousa no acidente que houve na Lagoa do Parque Solon de Lucena em
1975.
“A
lenda do bode berrador” é um texto de José Walter Pires, da Bahia. Em forma de
cordel, o autor conta a história de um homem que se enforcou em um galho de
baraúna e se encantou em um bode, um “bicho encantado, mal-assombrado,
peçonhento” que inspirava medo a todos que passavam pela caatinga.
Salizete
Freire Soares, representante do Rio Grande do Norte, com “Reconto que passa,
passa o que conto já contei”, apresenta uma história cumulativa e utiliza
parlendas e contos populares para recriar a cantiga infantil de Dona Baratinha
e seu Ratão.
Arlene
Holanda, natural de Limoeiro do Norte (Ceará), recolheu uma história ouvida na
infância e contada por seu pai - “O tesouro enterrado no terreiro”. O texto é
apresentado em cordel (sextilhas). Como o próprio nome indica, trata de uma
história de botija. Uma voz cavernosa,
na calada da noite, sussurra no ouvido de José Quirino o local onde ele poderia
encontrar um tesouro enterrado. Para localizar a botija, José Quirino enfrenta
inúmeros obstáculos.
De
Minas Gerais, Gislayne Matos, contadora de histórias e pesquisadora dos contos
tradicionais, reconta a devoção de uma moça a Santo Antônio com o objetivo de
conseguir um marido. Desesperada, um dia a moça resolve jogar a imagem do santo
pela janela. Ao cair na calçada, a
imagem fica toda quebrada. Nesse justo
momento, ia passando um rapaz que tudo presenciou e o resultado... a moça
conseguiu o marido desejado. Esse conto é bem antigo, vem de terras do
além-mar.
O
último texto é da organizadora da coletânea, Lenice Gomes, escritora e
pesquisadora da tradição oral de Pernambuco.
“Chora-lua, chora-lua” tem como protagonista uma moça contadora de
histórias e cantora. Embora tivesse uma bela voz e soubesse contar bonitas
histórias, a moça era feia, desajeitada e não conseguia atrair pretendentes
para o casamento. Para esconder sua feiura, ela andava sempre com um véu no
rosto. Um dia apareceu um rapaz que se apaixonou pela voz da moça. Ao retirar o
véu foi uma decepção, o rapaz fugiu e a moça ficou sozinha cantando sempre uma
canção dolente como o canto do pássaro noturno, popularmente chamado de “chora-lua,
chora-lua”.
Todas
essas histórias, contos e textos de cordel foram ilustrados por Rui de Oliveira
que, com seu traço forte e cores vibrantes, representou muito bem as cores do
sertão nordestino.
Nota:
O poeta e crítico de literatura infantil, Peter O´Sagae, divulgou na internet
uma série de poemas dedicados aos estados do Nordeste do Brasil, um modo de
responder àqueles que se preocupam em discriminar essa região e seu povo. Cada poema traz o título de um estado
nordestino e se encerra com o refrão: “Viva o Nordeste dentro da gente!” Transcrevemos,
como epigrafe, a primeira estrofe do poema dedicado à Paraíba e a esta
colunista. Peter foi nosso aluno em um curso que ministramos na Bienal do Livro
em São Paulo há alguns anos. Ficou a amizade, o carinho, o afeto. Muito obrigada,
Peter.
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