Histórias brasileiras de
cães
( Neide Medeiros Santos – Leitora votante FNLIJ/PB)
O fato de o cão ser
fiel ao homem não quer dizer que ele aprove as ações do dono.
( Carlos Drummond de
Andrade. In: Histórias brasileiras de cães)
Rogério Ramos, neto de Graciliano Ramos, sempre gostou de
animais e organizou a antologia “Histórias brasileiras de cães” (Ed. Positivo,
2014). O livro recebeu bonitas e delicadas ilustrações de Lelis.
Neste livro, encontram-se dezoito textos que compreendem fragmentos de romances – “”Quincas Borba, o
cão”, de Machado de Assis, “Baleia”, de
Graciliano Ramos, contos “Firififi”, de
Dalton Trevisan e a crônica saborosa de Rubem Braga – “Lembrança de Zig”.
O
organizador da antologia afirma que é muito comum a publicação de bestiários
nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil são encontrados apenas “esporádicas
coletâneas genéricas de tema animal”.
A
leitura desses textos demonstra que alguns cães, retratados de forma real ou
ficcional, se tornaram verdadeiros personagens irresistíveis, como aconteceu
com o cão Quincas Borba, de Machado de Assis, e Baleia, de Graciliano
Ramos. O retrato físico e psicológico desses
animais é tão real que integram a
galeria de grandes personagens da literatura brasileira, ao lado de Capitu ( Machado
de Assis) e Fabiano (Graciliano
Ramos).
Rogério
Ramos selecionou o capítulo XXVII do romance “Quincas Borba”. Neste capítulo,
Rubião trata o cachorro Quincas Borba ( nome do antigo dono) geralmente com
rispidez, foi uma herança deixada pelo antigo dono. O narrador analisa os sentimentos do cachorro
nas situações de mau humor de Rubião, muitas vezes o cão é escorraçado com um
tabefe e reconhece a sua insignificância.
Graciliano
Ramos era considerado um homem amargo, taciturno, mas no romance “Vidas Secas”,
no capítulo dedicado à Baleia, apresenta-nos a cachorrinha como uma
“criaturinha” dotada de sentimentos
humanos. Foi esse capítulo selecionado pelo organizador da antologia.
Baleia
não compreende que está doente e deve morrer, vê apenas as pessoas que ama e
não desconfia a proximidade de seu fim. A descrição da doença de Baleia, os
preparativos para sua execução, o temor dos filhos de Fabiano, tudo é detalhado minuciosamente com grande
dose de poeticidade. Neste capítulo,
vamos encontrar um narrador muito humano, excessivamente humano.
Dalton Trevisan presenteia os leitores com a
história de “Firififi”, uma cadelinha “pequinesa” que acompanha a vida de uma menina e faz mil estripulias na casa. A menina
cresce, torna-se uma mocinha e Firififi está velhinha, agora tem onze anos e
não deve durar muito. Os interesses da dona são outros – namorado,
faculdade e Firififi curte sua velhice
esquecida em um canto da sala, aguardando a indesejada das gentes.
Rubem Braga, o inesquecível cronista,
comparece com a crônica “Lembrança de Zig”. Zig não era um cachorrinho pequeno,
era um “cachorrão” e detestava pessoas com farda. O carteiro foi obrigado a
deixar a correspondência na casa da vizinha, não podia vê-lo que corria para
abocanhá-lo. Tinha um costume esquisito, gostava de frequentar a igreja, isso
porque aos domingos a dona da casa ( a mãe do cronista) ia à missa, e bastava um pequeno descuido, portão aberto
ou mal fechado, e Zig aparecia na igreja
inspirando medo às velhinhas com seu tamanho descomunal.
Ouvi,
certa vez, a emocionante história de Tina, uma cadela da raça boxer que morreu
com nove anos, idade considerada velha para essa raça. Tina vivia presa no quintal. A dona dava
comida e água todos os dias. Latia, com satisfação, quando via a menina, abanava o rabo demonstrando alegria mas nunca
entrou dentro de casa, desconhecia os
cômodos. Era uma casa grande com primeiro andar. Na parte térrea, ficavam as
salas, cozinha, banheiro social; no pavimento superior, os quartos.
Um
dia Tina adoeceu, a menina, agora uma mocinha de 16 anos, levou-a ao
veterinário, estava com um caroço na perna e veio o diagnóstico: era um câncer.
Tina foi operada, recuperou-se por uns tempos, mas o veterinário avisou – o
câncer poderia voltar. Depois de seis meses, Tina começou a emagrecer, já não
queria comer, beber água não podia, a dona voltou ao veterinário e veio a
triste noticia – Tina estava com metástase, teria poucos dias de vida. E veio a
pergunta: “Quer sacrificar a cadela?” “Não. Prefiro ficar com ela em casa até
que a morte venha buscá-la.”
Certo
dia, a moça ouviu passos arrastados na escada. Era manhã cedo e estava ainda
deitada na cama. Teve uma surpresa quando viu Tina aos pés da sua cama, duas
grossas lágrimas saíram dos seus olhos, deitou-se e ali, aos pés de sua dona, deu o derradeiro suspiro.
Essas
histórias de cães vêm mescladas com realidade e ficção. Quincas Borba, Baleia e
Firififi não existiram, mas Zig e Tina participaram da vida do cronista Rubem
Braga e da vida da pessoense Talita.
NOTAS
LITERÁRIAS E CULTURAIS
NOTÍCIAS
DA FNLIJ
A
escritora Marina Colasanti e a ilustradora Ciça Fittipaldi são candidatas ao
Prêmio Hans Christian Andersen – 2016 . A primeira na categoria de escritora, a
segunda como ilustradora. Lembramos que o Brasil já conquistou três prêmios
Andersen ( Nobel da Literatura Infantil) com as escritoras – Lygia Bojunga
Nunes (1982), Ana Maria Machado (2000). Em 2014, Roger Mello foi o vencedor na categoria de
ilustrador. Isso demonstra a grande importância da literatura infantil
brasileira. Dentro de trinta anos, três prêmios conquistados. E registramos o desabafo de Ana Maria Machado
– reclamam que os escritores brasileiros nunca conquistaram o Nobel de
Literatura e se esquecem de que o Andersen já foi atribuído a três brasileiros.
É a velha história – literatura infantil é literatura para pequenos. Falso
engano – a literatura infantil deve e tem que ser melhor do que a literatura
escrita para adultos. É a literatura que forma leitores. Vejam que missão
importante – formar leitores. Valorizemos a boa literatura feita para crianças
e jovens.
(
Publicado no jornal “Contraponto”, Paraíba, 06 de março de 2015, B-2)
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