LIVROS&LITERATURA
(Neide
Medeiros Santos – Leitora Votante FNLIJ/PB)
“MORADA
DAS LEMBRANÇAS”: tristezas compartilhadas
Oh! dias absurdamente antigos.
Oh! rosas adubadas pelo sangue
dos ausentes.
Oh! fértil silêncio embalando
os campos ocultos da memória.
(Carlos
Alberto Jales. Pelos campos ocultos da memória).
Daniella
Bauer já escreveu e publicou inúmeros contos infantis. É psicóloga e desenvolve trabalhos
terapêuticos com crianças e mulheres em hospitais de São Paulo. Na literatura,
estreou com o romance juvenil “Moradas das lembranças” (Ed. Biruta, 2014).
A
história desse livro foi inspirada nas mulheres que deixaram seus países de
origem para tentar uma nova vida munidas de esperanças nos primeiros anos do
século XX. Chegaram ao Brasil vindas de
navios e se fixaram na região sul e sudeste, havia entre elas descendentes de
judeus.
A família da protagonista desta história, uma
menina de sete anos, veio acompanhada da mãe, Mahena, e de um irmão de apenas
um ano. O pai fora assassinado durante a
Revolução Russa de 1917, período de perseguição aos judeus na Rússia. Viúva e com dois filhos pequenos, a solução
encontrada por Mahena foi despedir-se de sua terra natal e procurar a mãe que
estava morando no Brasil.
É sob o ponto de vista de uma menina de sete
anos que toda história é contada. O seu
nome não importa, é simplesmente Maria.
A
viagem de navio na 3ª classe foi enfadonha e demorada. Viajaram na “classe dos
enjeitados, fugitivos, desamparados, pobres”.
A chegada à casa da avó no Rio de Janeiro também não foi nada agradável
– a avó era uma mulher “dura, cheia de exigências e urgências,” uma mulher sem
afagos e pouca atenção deu à filha e aos netos.
E o
que trouxeram na bagagem? Poucas coisas
– algumas mudas de roupa, uma camisa e o casaco do pai, roupinhas pequenas do
irmão, saia e poncho da menina, fotos familiares, documentos pessoais e uma
joia da família que a mãe conservava escondida em seu sutiã.
A
casa que a avó morava com seu “marido” era grande, mas foram acomodados em um
quarto no fundo do quintal. Não eram desejados nem esperados.
No
Rio de Janeiro, a menina foi estudar em uma escola que ficava a quinze minutos da
casa da avó, e encontrou na professora que dominava o idioma francês, uma pessoa muito carinhosa. Chamava-se Rosa e
seu temperamento combinava com o nome, era suave como as pétalas de uma rosa.
É
nessa casa desprovida de afetos que Mahena e os dois filhos passam a viver.
Sentiam as dores da separação da terra natal, a indiferença da avó e uma vida diferente em um país estranho.
A morte da mãe, vítima de tuberculose, foi
outro golpe para quem já vinha sentindo a falta do pai. Esse fato agravou a
situação naquela casa sem alma. Na ausência da mãe, ficou encarregada da
execução dos serviços domésticos. Não
tinha mais com quem dividir as tarefas diárias, estava só e desamparada, tinha
apenas um teto para abrigar-se.
No
meio de tanto sofrimento, há passagens bem poéticas neste livro, como esta que
fala sobre a morte.
“Há
um pouco de morrer em cada perda. Cada morte leva consigo um pequeno pedaço
nosso e assim seguimos, às vezes esburacados, às vezes mais fortes. Será que,
após cada morte, nasce algo que preencha momentaneamente nossos corações?” (p.143)
Os
dias e os anos se passaram, o irmão cresceu e foi estudar no Colégio Militar,
graças à interferência do coronel, “o marido” da avó, e Benji, este é o nome do
irmão que, antes era muito ligado à irmã, vai pouco a pouco se afastando dos
laços afetivos que os unia.
O
rito de passagem de menina para moça foi doloroso, sem amigos, órfã de pai e
mãe, sem a companhia do irmão e a
presença de uma avó que não demonstrava nenhuma simpatia pela neta. A mocinha
entende que a vida é luta e aprendeu desde muito cedo que tem que lutar.
Um livro de amarguras, de dores, de perdas, de
lembranças amargas - lembranças do pai que foi morto pela polícia russa nos
idos de 1917, da mãe que viajou para o Brasil depois que ficou viúva e aqui
morreu de tuberculose, de uma avó insensível.
A
ilustração, com retalhos de panos coloridos, dá a impressão de uma história tecida
como uma colcha de retalhos de várias cores.
Embora o colorido da colcha seja bonito representa um verdadeiro
contraste com a vida da narradora.
E o resto da história? Está guardada no livro.
( Publicado no jornal “Contraponto”. Paraíba, 11 a 18 de
abril de 2015. Caderno B-2).
Nota: O jornal "Contraponto" voltou a circular. Os textos aqui publicados podem ser também encontrados na coluna "Livros&Literatura" - Contraponto.
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